sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

QUEREM PERNIL? COMO? SE A NÓS TIRARAM O PASTEL DE BACALHAU, O PRESUNTO DE CHAVES E O ARROZ DOCE?!

Se pensavam que a história do pernil é um fait divers, desenganem-se. Aquilo ainda mete Sócrates, Mário Lino (o do jámé), e uma dívida de 40 milhões de euros. Não é um fait divers, mas um thriller digno de uma série da BBC, só estragada porque o ministro Augusto Santos Silva, em vez de chamar o embaixador da revolução bolivariana, veio confessar, envergonhado, que o governo não tem o poder de sabotar o pernil (não há nada mais deprimente do que um ministro a confessar a falta de poder de um governo), limitando-se à sabotagem do pastel de bacalhau, do presunto de Chaves e do arroz doce. De thriller passou a ópera bufa.
 Os venezuelanos e Simon Bolívar mereciam mais respeito, que para os portugueses bacalhau basta, desde que não sejam pastelinhos do dito, proibidos nos bares dos hospitais (ah, pois foi!). De cartola enfiada na cabeça vamos todos saudar a chegada do Novo Ano esperando que cheguem à boca de cena o Dr. Malatesta, Aka Jerónimo de Sousa, e a sua irmã Norina, Aka Catarina Martins, para cantarem a Internacional em defesa do pernil do Maduro, já que ninguém defende o pastel de bacalhau, o presunto e o arroz doce.

domingo, 17 de dezembro de 2017

OS BRINCOS DE NOSSA SENHORA


Na magnífica e bela igreja de S. Pedro em Peniche fizeram um presépio, mimoso e ingénuo, como devem ser os presépios, e onde os anjinhos aparecem com a foto do rosto dos meninos que o fizeram. Está lindo, mas causou algum “escândalo”. É claro que a palavra é exagerada, e se a utilizo é porque me lembrei das aventuras dos três mosqueteiros e do D’Artagnan que tinham por missão fazer com que a rainha de França aparecesse no baile com as jóias que imprudentemente tinha oferecido a um amigo. Se na corte francesa o facto de a rainha aparecer sem as jóias era um escândalo, num presépio, Nossa Senhora aparecer de brincos e colar causou, se não escândalo, desagrado de algumas senhoras que ali se encontravam para ouvir os coros cantarem loas ao Deus menino e a Nossa Senhora. - Que não, Nossa Senhora não usava brincos e muito menos colares, dizia uma. - Uma modernice, dizia outra, acrescentando que naquele tempo não havia brincos!
Sem querer entrar na polémica que opôs Manuel de Oliveira a Agustina Bessa Luís, sobre a riqueza de Nossa Senhora, tendo Agustina, mulher de luxos e bom gosto, a defender que sim, Nossa Senhora era rica e demonstrava-o, sempre vou afirmando às amáveis senhoras que estranharam os brincos, que já nos tempos das cavernas, as mulheres, e os homens, já agora, usavam brincos e colares, pelo que está longe de ser uma modernice. Nossa Senhora, nascida no seio de uma família de judeus, em terra ocupada por romanos, usaria de certeza brincos e colares como as mulheres da sua tribo, do mesmo modo que cobria a cabeça com o véu. De outro modo é que seria estranho.
Para provar o que digo, socorro-me do maravilhoso poema inscrito na Bíblia: O Cântico dos cânticos, escrito quase mil anos antes de Nossa Senhora nascer, e onde os Padres da Igreja vêm na mulher do poema, a alegoria da Igreja, amada por Cristo, e que tem Nossa Senhora como padroeira suprema:
A uma égua entre os carros do Faraó
eu te comparo, ó minha amiga.
Formosas são as tuas faces entre os brincos,
e o teu pescoço com os colares!
Para ti faremos arrecadas de ouro
com incrustações de prata.  (Ct 1, 9-11)

Parabéns, pois, a quem fez o presépio da Igreja paroquial de Peniche, enchendo-o com a beleza de Nossa Senhora entre brincos e colares (O José também estava bonito com ar jovem, e o menino com frio só de cueirinhos vestido).

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

O HOMEM QUE APALPAVA PRÍNCIPES


Um homem de 48 anos é convidado para um jantar de gala para dar algum lustre artístico ao evento, tipo bobo da corte, porque é actor de Hollywood. Sentam-no ao lado do marido da princesa, genro do rei e dono do palácio onde se dá a festa. O príncipe tem 35 anos, é pai de três filhas, e quase dono da casa para onde o bobo (artista de Hollywood) foi convidado. Este, malandro, convida o “príncipe consorte” para ir até ao terraço fumar um cigarro e, por baixo da mesa, apalpa-lhe as “jóias” de família. O “príncipe”, de casaca vestida onde resplandecem uma série de medalhas não se sabe bem porquê, é homem feito e em posição hierárquica e social superior ao do artista. Em vez de uma bofetada com luva branca e um desafio para um duelo para fazer jus às medalhas que lhe pendem do peito, espera 10 anos para revelar o abuso, sem revelar quanto tempo deixou que o bobo mantivesse a mão nas “jóias”, nem se o chegou a acompanhar até à varanda para um cigarro (one after??!!), revelando unicamente, que afinal o bobo é ele!
De forma estaliniana, apagaram o bobo dos filmes, (consta que se segue Tchaikovsky, irmãos Grimm, Perrault e um tal italiano, Giambattista Basile, soldado da república de Veneza, só porque todos deram voz a um príncipe que não se deixava apalpar mas aproveitava-se de meninas virgens adormecidas, para as beijar e depois fazê-las princesas). É o que acontece quando se confunde o homem com o artista, numa Hollywood convertida aos bons costumes. Kevin Spacey (é ele o bobo) tem um pecado: só saiu do armário depois de denunciado. O lobby não perdoa…
Eu, que fico sempre perturbado quando o José Rodrigues dos Santos me pisca o olho do lado de lá do écran, acho mas é que o Spacey é um granda maluco, e os principezinhos não gostam de malucos! (acham que vale a pena queixar-me do JRS?)

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

PORTUGAL, CATALUNHA, É TUDO COLÓNIAS, PÁ


O condado Portucalense era um condado que a Norte ora acabava no Lima, ora no Minho, e a Sul, ora no Douro, ora no Mondego. Conforme as birras dos mouros ou dos galegos. E não, Guimarães não tinha nada a ver com a Lusitânia, província romana que começava no Douro e ia até ao Algarve, alargando-se a Salamanca e Mérida.
Afonso, um galego afrancesado, depois da secessão do reino de Leão, conquistou as antigas terras da Lusitânia sem qualquer referendo, e os seus filhos continuaram a conquistar terras e só pararam em Timor. Do Mondego até Timor é tudo terra conquistada e colonizada. Isto é, Angola e Moçambique são como a Beira Baixa e o Alentejo…  Tá bem, não é bem igual, a Beira Baixa não tem praia.
Agora estamos só até à Madeira, mas isso não quer dizer que não termine tudo outra vez no Mondego, que a descolonização não foi completa. Lá diz o pessoal do FCP que abaixo do Mondego é tudo mouro. Uns referendos e tal e a coisa compõe-se.
Depois vem o 1640. Ó meus meninos, 1640 é a época em que a Catalunha de repente descobriu que já não queria ser espanhola porque queria ser francesa. Coisa de gente chic que nunca gostou do flamenco. Portugal, já era velhinho. 1640 foi só um golpe de estado em que se tirou um rei e colocou-se outro. Não houve restauração da independência porque esta nunca se perdeu. Havia um rei em Espanha, que era um Filipe com um número, e outro rei em Portugal que por acaso era o mesmo Filipe mas com um número a menos, em letra romana está bem de ver, porque foram os romanos que inventaram os lusitanos que agora se diz serem os antepassados dos portugueses e a gente que sabe que foram os godos, os francos, os mouros e os judeus que andaram pelas beiras, algarves, alentejos, e estremaduras, ri-se e finge que acredita. Os lusitanos ficaram todos em Viseu a fazer rotundas.
Saramago, o segundo nobel português e o oitavo espanhol (evoluíram mais depressa os espanhóis desde os Filipes), dizia que somos todos manos e isto tudo devia era chamar-se Ibéria, que curiosamente vem do nome do rio Iber, o actual Ebro que desagua na Catalunha. Ó diabo, onde é que isto vai dar! Deve ser por isso que agora querem o Ebro e o Tejo como irmãos.
O Saramago é que tinha razão. Juntava-se esta baiana toda. Madrid ficava com os museus, os churros, o chocolate quente e a Pilar del Rio. O poder executivo ia para Bruxelas (é a moda actual e já estamos habituados) que isto do governo quanto mais longe melhor, o legislativo ficava em Lisboa (a ver navios) e o judicial em Barcelona, com os mossos d’ esquadra e os juízes. A língua oficial ficava o inglês que é uma coisa que toda a gente sabe e assim ninguém se chateava. As outras línguas ibéricas ficavam só para as cantigas, porque não fica bem em inglês dizer: “Besame mucho” ou “A casa da mariquinhas tem na sala uma guitarra e janelas com tabuinhas”.
Como chefe de Estado escolhíamos a rainha Letízia, e mandávamos o Marcelo para o Brasil brincar com os netos, o Filipe para a Bélgica (eles têm sempre lugar para reis estrangeiros) e o Pui não sei quê para a Venezuela aprender castelhano e a fazer revoluções bolivarianas.
Só tinha de haver uma condição. Ficava proibido a qualquer governante ter nome de perfume. É que não fica nada bem!

imagem: mapa da península pintado por William Harvey (1868)

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

PORQUE ARDEU O PINHAL DE LEIRIA


Foto de Paulo Cunha/Lusa.
Acesso em 16 outubro de 2017.


A culpa dos incêndios dos últimos dias é, por minha convicção, não o posso provar, do ataque premeditado e coordenado que foi feito para a ignição dos fogos, com intuitos a que se pode, e deve, atribuir-se a natureza de terroristas. Já sobre o socorro ou a falta dele haverá por aí muito especialista de bancada que explicará o que sucedeu.
Quando visitamos um ministério somos barrados à porta. Pedem-nos a identificação e os nossos movimentos são vigiados. O pinhal de Leiria é património público, e possuía exemplares únicos e classificados de interesse público, como alguns dos mais altos eucaliptos de Portugal. Não me enganei, escrevi mesmo eucaliptos. Depois de um verão seco e quente, um outono tão quente e tão seco como o verão obrigava a cautelas que não se tomaram. Entre elas a de guardarem o pinhal como fazem aos edifícios ministeriais.
Este é um caso de polícia, ou da falta dela. Os culpados são os terroristas que lhe atearam o fogo e os responsáveis que não conseguiram prever que tal podia acontecer, quando tinham a obrigação de o prever.
Não se vá dizer agora que a culpa do incêndio do pinhal de Leiria é dos eucaliptos que lá estavam. 

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O QUE HÁ PARA COMEMORAR A 5 DE OUTUBRO?


Como crente que sou, só Deus e a vida são sagrados. Ideias como nação, pátria, república, monarquia, não têm para mim nada de sagrado. São formas de organização que se querem necessariamente mutáveis conforme os interesses das comunidades que servem. Por isso abomino o nacionalismo, que não resiste ao mais elementar estudo da história ou da genética, ou vénias a republicanos ou monárquicos.
Simpatizante de um regime monárquico vivo muito bem neste regime republicano que considero, atualmente, ser o que melhor serve os interesses da comunidade que habita Portugal. A causa monárquica está cheia de gente a cheirar a naftalina dos baús, pingando anéis brasonados dos dedos e ansiosa pela espinha curvada às vénias. Não é o que ambiciono para o país onde vivo. No entanto, não comemoro o 5 de outubro de 1910 porque não há nele nada que mereça ser comemorado. Nem sequer a implantação de uma república que não se conseguiu implantar, apesar do nome. A 5 de outubro apeou-se um rei e alçou-se um presidente. A res pública passou assim para as mãos das oligarquias económicas ou políticas, com um fantoche a acenar ao povo. Dispensou-se o que em futebol denominamos de árbitro. Foi preciso esperar por Abril de 1974 para que nos meses que se seguiram se conseguisse, efetivamente, implantar um regime verdadeiramente republicano.
A 5 de outubro de 1910 houve em Lisboa um golpe de estado. Alguns gostam de lhe chamar revolução mas o termo escapa ao que efetivamente aconteceu:
Em agosto do mesmo ano de 1910 houve em Portugal eleições legislativas legítimas e democráticas, onde 600 000 eleitores, dos 695 471 inscritos, portanto uma participação de 86.27%, votaram contra os republicanos que obtiveram somente 9% dos votos. A queda da monarquia em Outubro não permitiu que o parlamento legítimo tomasse posse. Em 1911 fizeram-se eleições somente nos círculos eleitorais de Lisboa e em 1915 havia inscritos somente 397 038 eleitores, muito abaixo do universo eleitoral das últimas eleições legislativas do regime monárquico. Eleições legislativas legítimas e democráticas só voltaram a haver em 1976. Houve, portanto, e do ponto de vista etimológico, muito mais república no regime monárquico do que nos 66 anos que se seguiram à implantação dita da república. O que se seguiu foram golpes e contragolpes durante 15 anos e meio que resultaram numa ditadura de 48 anos.
Não há nada para comemorar a propósito do 5 de outubro de 1910.

imagem: "O Peso da História" de Pedro Valdez Cardoso

domingo, 17 de setembro de 2017

A JUSTEZA DAS GREVES É UMA QUESTÃO DE COR?



No início da minha vida profissional (foi há tantos anos!) fui trabalhar para uma autarquia de maioria comunista. Gente fantástica e amiga. Fui recebido de braços abertos e lá aprendi imenso. Aprendi o sofrimento de um povo que não tinha tido o direito à terra e onde pouco mais era que escravo dos grandes donos da mesma. A autarquia tomou a si a grande tarefa de dinamização social e cultural. Deu trabalho a muita gente e assumiu como pública as tarefas antes reservadas ao privado. E tinha sucesso, reconhecido à direita e à esquerda, no entanto… Um dia apareceu por lá o sindicato ligado à CGTP. Os trabalhadores andavam descontentes porque a autarquia não os colocava no quadro e assim, ganhavam menos que os trabalhadores rurais da Reforma Agrária. Os sindicalistas aconselharam que era preciso paciência pois a Câmara trabalhava para o bem comum e todos tinham que participar no sacrifício. Eram tempos de crise.
Por razões da vida, e porque também não estava no quadro (era política daquela autarquia não colocar ninguém no quadro) vim trabalhar para a autarquia onde ainda me encontro e onde espero terminar os anos da minha vida profissional. Como lá, fui aqui recebido de braços abertos e de braços abertos continuam a acolher-me. Sofrem e riem comigo, não podia pedir mais. A política, essa, caminhou da Aliança Democrática ao PS e deste para o PSD. Os bens da terra, sempre mal distribuídos, eram, no entanto, um pouco mais equitativos. Não houve necessidade de avermelhar a luta. Vim encontrar a mesma vontade de assumir um compromisso sério com as populações, mas os trabalhadores estavam no quadro. Na altura, como agora, os tempos continuavam de crise e havia, como há sempre, descontentes. O mesmo sindicato apareceu, e os sindicalistas eram os mesmos que tinham aparecido a aconselhar paciência aos trabalhadores. Esperei pelo conselho e qual não foi a minha surpresa quando disseram que era preciso exigir à autarquia que cumprisse com as justas reivindicações dos trabalhadores. De nada valeu interpela-los para a incongruência.
Veio-me à memória este episódio por causa da greve dos enfermeiros e como certa Esquerda tem denegrido a mesma, só porque a bastonária pertence ao partido "errado"!
Não é preciso muito para chegarmos à “democracia” do partido único, mas isso chama-se, como no tempo de Salazar, ditadura!
(imagem daqui:http://www.military.com/daily-news/2015/07/27/with-a-warning-to-us-north-korea-marks-end-of-korean-war.html) 

sábado, 26 de agosto de 2017

VIVA A DIFERENÇA DE GÉNERO


Ontem, quando passeava pelo parque das Caldas, reparei numa jovem que envergava uma t-shirt onde se lia, em inglês, que a roupa não tinha género. Aparentemente, uma t-shirt, de facto, não tem género, mas este tipo de afirmação esconde uma ideia fascizante de que o Homem e a Mulher devem desaparecer para dar lugar a um ser sem género. Como sou adepto da diversidade esta ideia de acabar com a diferenciação de género soa-me tremendamente fascizante e desumana. O ser humano é homem e mulher, e é na sua diferença que está o segredo da nossa riqueza que assenta na diversidade. Viva a diferença de género, com ou sem t-shirt.
A diferença entre Homem e Mulher assenta, no entanto, na única função exclusiva a um género: a mulher pode gerar filhos e alimentá-los, o Homem não. Por isso os seus corpos são diferentes e o Homem só é preciso para lá ir pôr a semente no ventre fértil da Mulher. Ao Homem sobra-lhe, portanto, tempo, luxo que as mulheres não têm. O Homem precisou de desenvolver as competências que nas mulheres são inatas: isto é, todas, menos a de gerar filhos.
Dizia um tonto na blogosfera, sarcasticamente, que queria ver as mulheres experimentarem determinadas profissões de homens rijos e duros. Depois dava, entre outros exemplos estapafúrdios, o de mineira e ferreira. Eu morreria à fome se, para sobreviver, tivesse de entrar numa mina. Não tiveram escolha as desgraçadas mulheres descritas por Zola, que no século XIX, ainda meninas e sem “ordem” para ter filhos, eram enterradas nas minas do Norte de França para extrair o carvão que enriquecia os burgueses que guardavam as filhas em casa por serem frágeis.
Frágeis são os homens da minha terra que caminham de chapéu de sol no braço à frente da mulher que, com o filho nas costas, carrega à cabeça a trouxa da viagem.
Na iluminura de uma Bíblia inglesa do início do século XIV, os monges não tiveram qualquer rebuço em lá pintar uma mulher a trabalhar na forja para fabricar os pregos que iriam ajudar a calçar os pés das bestas, porque o marido, coitado, se ferira num braço (se a mulher se ferisse o homem trataria de arranjar outra). No século XVIII, no país de Gales, Marged Ferch Ifan, uma mulher enorme (não são todas?), era a mais famosa ferreira do condado. Com a bonita idade de 70 anos, ainda lutava com qualquer homem que a desafiasse. Com dois sopapos dados a tempo convenceu o marido a largar o álcool para sempre. Para além da forja, era uma exímia sapateira, carpinteira, caçadora, remadora, e mantinha uma taberna junto às minas de cobre. Para mostrar que era fêmea sensível e não bruta como um macho, entretinha os mineiros bêbados tangendo, com as manápulas enormes de ferreira, as cordas da harpa que ela mesma construíra.
Por ser a favor da diferenciação de género, achei muito bem que a Porto Editora tivesse feito cadernos separados para rapazes e raparigas, mas foi tremendamente injusto que tivesse colocado os exercícios mais difíceis no caderno dos rapazes… pobres rapazes!

terça-feira, 15 de agosto de 2017

15 DE AGOSTO - PARA QUE SERVE UM DOGMA?


Ao ler-se o que por aí se vai escrevendo sobre o feriado de hoje, corre-se o perigo de ficar com a ideia que foi o papa Pio XII quem institui a festa e Salazar correu atrás a torna-la dia feriado. Ora Pio XII tornou a história da Assunção de Nossa Senhora (subida aos céus em corpo e alma) como dogma da igreja católica, isto é, os católicos estão obrigados a acreditar nesse mistério, mas a festa desta crença existe desde os primeiros tempos da Igreja. Os ortodoxos, que não estão obrigados aos decretos do Papa, também a celebram, chamando-lhe a dormição de Nossa Senhora, porque, de acordo com os relatos mais antigos dos apóstolos Nossa Senhora teve uma morte serena e sem dor.
A história da pintura europeia está cheia de Assunções de Nossa Senhora, o que demonstra bem que esta festa é mais antiga do que o Dogma e os decretos de Salazar. Já no século IV o bispo de Salamina de Chipre, Santo Epifânio, perante o facto de não se encontrar Maria sepultada, admitia a sua Assunção, confirmando o que, séculos antes, Santo Irineu (século II) admitia com base nos relatos apócrifos dos apóstolos.
Mas é São Gregório de Tours, no século VI, a proclamar a Assunção em corpo de Maria e Carlos Magno, no século IX, obteve a autorização do Papa para instituir a sua Festa.
Quiseram assim os primeiros cristãos elevar Maria à mesma dignidade de Jesus, fazendo-a elevada aos Céus em corpo e alma rodeada de um coro de anjos cantando a sua Glória, como pintou El Greco e tantos outros. Em Santa Maria em Trastevere, a mais bela igreja de Roma, lá está, nos belos mosaicos da abside, Maria, não só à direita do Filho, mas sentada com Ele no mesmo trono.
Esqueçam, portanto, o Salazar e a infalibilidade papal e divirtam-se. Maria subiu aos Céus e nós temos a Esperança de o fazer. Não precisamos de dogmas para estragar a Festa, mas a liberdade de um feriado para a fazer.
Imagem: abside da basílica de Sta Maria in Trastevere, Roma 2015

sábado, 29 de julho de 2017

GASTRONOMIA BÍBLICA 3 - PARREIRINHAS À NOÉ



 Génesis 9, 3: “Tudo o que se move e tem vida servir-vos-á de alimento; dou-vos tudo isso como já vos tinha dado as plantas verdes.”
Génesis 9, 20: “Noé, que era agricultor, foi o primeiro a plantar a vinha.”
Depois de Caim ter morto Abel as coisas não correram muito bem para a humanidade que se começou a portar muito mal (onde é que eu já ouvi isto?). O bom Deus, deprimidíssimo, decidiu afogar aquilo tudo e mandou que se abrissem as torneiras do céu. Isto do Dilúvio é uma história da treta, etc, e tal, dizem pr’ái uns entendidos. A lenda é assíria e suméria, que nos fala do Gilgamesh, como nós falamos do Noé. O certo é que até os gregos e os romanos têm uma história do dilúvio, mas em vez de uma família dentro de um barco puseram dois homens com os ossos de suas mães. Só mesmo os gregos, tá bom de ver. Chamavam-se Decalião e Pirra e quando foi preciso povoar a Terra, atiraram com os ossos das mães para trás das costas e assim a modos que uma clonagem, nasceram homens e mulheres. Se os gregos corroboram esta catástrofe planetária com  patetices (dois homens num barco, onde é que já se viu) já os Maias, do outro lado do mundo, falavam muito seriamente de um dilúvio universal. Certo, certo é que os cientistas dizem que sim senhor, pelo menos no Crescente Fértil, a coisa aconteceu.
Quando Noé e a família saíram da arca, estava tudo destruído e naquele ano não houve colheitas. Não teve outro remédio o Senhor Deus senão a autorizá-los a comer carne, mas sem o sangue! E pronto, foi o fim dessa chatice de vegans e outros aborrecimentos.
Não vos trago uma receita de carne, ainda, pois o estômago delicado de Noé suportava mal aquela novidade. Farto de tanta água, o patriarca não se lembrou de outra coisa que não fosse pôr-se a plantar uma vinha. Dizem as más línguas que a cultura dos cereais não se deu para fazer pão, mas cerveja, embora os lusitanos a fizessem das bolotas. Noé, que era agora um cavalheiro, inventou o vinho e apanhou uma carraspana que teve consequências que chegaram a explicar o apartheid na África do Sul, mas isso são outras histórias.
Ora a mulher de Noé (não lhe sabemos o nome que naquele tempo ainda não havia igualdade de género) era muito poupadinha e enquanto o marido se embebedava talvez se tenha lembrado de aproveitar as folhas das videiras para criar um prato famosos em todo o Médio Oriente. A receita que vos trago é da Arménia, em cujas encostas nasceu a primeira vinha da história porque foi ali que encalhou a barca, e quem sabe se a receita não é desde os tempos da famosa arca.
Este prato chama-se dolmades e costumam pôr arroz, que talvez tenha substituído a cevada, pois seria o mais adequado nos tempos de Noé em que ainda não havia essas chinesices. Também podem acrescentar carne picada que agora já é permitido. No recheio ou à parte.
Antes de sulfatar, colha algumas folhas de videira e reserve (também pode comprar de conserva). Frite, sem queimar, bastante cebola, depois junte a cevada a dourar ligeiramente, a seguir salsa picada, endro picado, hortelã picada, passas, paprika, especiarias e pinhões. Misture bem e deixe cozinhar um pouco acrescentando uma pinga de água. Se usar arroz não é preciso cozinhar que ele irá cozer depois. Cubra um tacho com folhas de videira picadas para evitar que os dolmades queimem. Esquente um pouco as folhas de videira. Eu aconselho mesmo a cozê-las um pouco num tacho com água, pois são muito duras. Coloque uma folha de videira com a parte áspera para cima e o pé virado para si. Coloque uma colher da mistura junto ao pé e comece a enrolar os dolmades, começando por enrolar o pé sobre a mistura, depois as laterais para dentro e só depois enrola o resto, para que fiquem bem presos. Repita para as restantes folhas e coloque-as no tacho com a última dobra para baixo. Coloque um prato por cima para que os dolmades não fiquem a boiar. Acrescente sumo de limão e água até atingir a borda do prato. Cozinhe em lume brando durante hora a hora e meia (as folhas são muito duras como disse). Deixe esfriar no tacho sem lhe retirar o prato. Pode servir com quartos de limão, ou com um molho grego de ovos e limão em honra dos dois rapazes que ficaram sozinhos num barco, e que é muito parecido com o nosso molho para um fricassé, ou com molho de iogurte ou natas.
Desçam à adega a chamar o Noé para que a “touriga nacional” não lhe caia na fraqueza.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

AS OPINIÕES DE GENTIL MARTINS SÃO MAIS DISPARATADAS DO QUE AS DOS PSIQUIATRAS?


Em 1948 a OMS passou a incluir na lista de doenças a homossexualidade, como personalidade patológica, apesar de Freud. Até aí todos fugiam à polícia que era quem usava os métodos profiláticos para o caso. Tinha Gentil Martins 18 anos.
Em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria considerava a homossexualidade como uma desordem, apesar de Freud. Era uma opinião dos psiquiatras, como são, em regra, as conclusões dos psiquiatras, opiniões, apesar de Freud ter opinião contrária. Tinha Gentil Martins 22 anos e ainda não opinava.
Em 1965 a OMS tirou-a de personalidade patológica e transitou-a para desvio e transtorno sexual. Uma questão de design, talvez. Vivíamos em plena revolução sexual e cantávamos todos em coro com os Rolling Stones I can’t get no satisfaction. Todos doidinhos, está bem de ver. Tinha Gentil Martins 35 anos.
Em 1973 a Associação Americana de Psiquiatria, deu o dito por não dito, e retirou-a da lista das desordens mentais. Tinha agora outra opinião, dizia-se, e o jornalista Guilherme de Melo suspirava de alívio, e não só, a entrevistar os soldados na guerra colonial. Tinha Gentil Martins 43 anos.
Em 1977 a OMS ainda a incluía na lista de doenças como doença mental, apesar da opinião contrária dos psiquiatras, mas nós, que já éramos, a maioria, uns homenzinhos e umas mulherzinhas, na loucura da liberdade sexual, marimbávamos para as listas da OMS que nem sabíamos existir. Tinha Gentil Martins 47 anos.
Em 1990 a OMS retirou-a da lista das doenças, depois de muita pressão, assim a modos que a pedido de várias famílias. Tinha Gentil Martins 60 anos, e tinha mais que fazer do que estar atento às listas da OMS.
É Gentil Martins quem tem de se sentar no banco dos réus por manter a mesma opinião que os psiquiatras, sem qualquer sustentação científica e contrariando o seu mestre, declaravam em 1952?

domingo, 16 de julho de 2017

HOMOSSEXUALIDADE, COISA OU ANOMALIA?


Gentil Martins, reputado cirurgião, emitiu uma opinião disparatada, não muito diferente daquela outra de Cunhal quando, referindo-se ao mesmo assunto, disse ser “uma coisa muito triste”, o que ninguém diria quando toda a gente sabe que o petit nom da “coisa” para um, e “anomalia” para outro, é alegria (gay). Que Gentil Martins não tenha tido tempo para uma instrução e cultura mais clássica que lhe evidenciasse a normalidade da “anomalia” percebe-se, já Cunhal, com uma preparação clássica notável, podia ter evitado a tristeza de tamanha falta de conhecimento sobre os alegres prazeres dos deuses.
O que também não se percebe é o ajuntar de lenha para os lados da Gago Coutinho quando toda a gente sabe que os autos de fé se faziam no Rossio ou no Terreiro do Paço.
A opinião, mesmo que disparatada, julgo eu, ainda é livre, e parece-me anómalo alguém andar à escolha de um sambenito para vestir ao gentil médico, quando se sabe que a inquisição já acabou vai para dois séculos, e será difícil encontrar exemplares nos armazéns da baixa, mesmo em época de saldos, e Santa Comba Dão fica fora de mão.


Imagem: bustos do imperador Adriano (um dos melhores que Roma teve) e do seu amante Antinoo a quem Pessoa dedicou um poema em inglês. No insuspeito? museu do Vaticano.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

CÃO DE GUARDA


Después de conocer el Ejército que cuida de Tancos, si el índice Global de Paz 2018 no le da el primer premio a Portugal, será una injusticia de armas tomar.
Javier Martin no El País de 4/07/2017


Na casa da minha infância havia um cão aparentemente dócil. A quem entrasse pelo portão o Piloto lá estava para o receber com meiguice, o pior era sair. O Piloto rodava e rosnava à volta do penetra até que chegasse alguém da casa e ordenasse ao cão que o deixasse sair.
Veio-me à lembrança o cão da minha infância a propósito deste texto do El País sobre o roubo do paiol de Tancos. Deve o Sr. Embaixador informar o diretor daquele prestigiado jornal que é sempre assim em Portugal. O trabalho é sempre bem feito e sem desleixo, que Portugal é um país europeu e, como muito bem dizem, pacífico e sem tiros, que até informa os ladrões através do Diário da República que não devem entrar, nem sair, pelo lado oeste.
Quem fez o trabalho fê-lo limpinho, até com direito a manobras de diversão no dia do assalto (se é que o assalto se deu naquele dia, e se foi tudo roubado de uma só vez, if you know what I mean) e no dia seguinte, quando se pretendeu que havia bandidos a fazer disparos de dentro de uma mata, como se ali houvesse “áreas libertadas” como na guerra colonial.
O que faltou no paiol de Tancos foi um cão igual ao da minha infância, que eles entrar até podiam, qualquer que fosse o ponto cardeal, agora sair é que era mais complicado. Tirem o exemplo do nº 10 de Downing street, que paga a um gato para livrar os ministros ingleses de ratos e ratazanas. Daqui se conclui que a culpa ou é do Diário da República ou dos governos, principalmente do anterior, como disse o camarada Jerónimo, que impuseram ao povo português e às Forças Armadas, a mando dos malandros da União Europeia, restrições que nos deixaram só no osso.
E por falar em osso, se depois de pagos os ordenados não havia dinheiro para a ração, não serviriam os ossos para manterem um cão como o Piloto da minha infância?

quinta-feira, 29 de junho de 2017

UMA QUESTÃO DE PEIDOS



Se estavam à espera que eu viesse para aqui escrever sobre os peidos do Sobral, desenganem-se. Gosto de ouvir o Sobral cantar, mas não estou interessado em tê-lo como amigo, nem pretendo casar com ele, pelo que o seu comportamento e carácter não me interessam, só a voz.
Mas estou interessado em escrever e discutir sobre Focus Group, palavra etimologicamente parecida a uma horda de bárbaros germânicos incendiando Roma, e que é assim um tipo de estudo para saber se os peidos do governo cheiram mal ou nem por isso, e se pegam fogo nas consciências das pessoas, que o governo encomendou para saber se a sua imagem saiu queimada do grande incêndio de Pedrógão Grande.
É que quero, exijo, saber se esses estudos são pagos com o dinheiro dos contribuintes. É que isto de peidos, em a gente se descuidando, borra a pintura.

Imagem: “Banquete de Baltazar” de Rembrandt, inspirado no livro de Daniel 5, 1-6

sábado, 24 de junho de 2017

SÃO JOÃO, O SOLSTÍCIO... E O PRAZER


Há dias ouvi uma explicação muito interessante para a razão de ter a Igreja colado a festa de São João ao Solstício de verão e a festa do Natal ao solstício de Inverno. Já se sabe que ambos os solstícios se celebravam pelo paganismo, e antes do Cristianismo, daí a popularidade destas festas.
O Natal ficou colado ao solstício de Inverno porque era a festa dedicada ao deus Sol Invicto, quando a Luz vence as trevas e o Sol começa a subir no horizonte e os dias a crescer. Ao contrário, o Solstício de Verão marca o momento em que o Sol atinge o seu auge para começar a descer no horizonte e os dias a diminuir, até que chegue, de novo, o Natal.
No extraordinário Evangelho de João (não o Baptista de que se celebra hoje, mas o evangelista), no capítulo 3, versículos 28 e 30, pode ler-se o que João Baptista afirmou: “Eu não sou o Cristo, mas sou o enviado à frente dele… Ele tem de crescer; e, eu, de diminuir”. Por isso o São João calha no solstício de verão para que comece a diminuir, para que depois Cristo possa crescer, quando “nascer” pelo solstício de Inverno.
A sabedoria da Igreja que tão bem sincretizou o mundo antigo com o mundo novo dos valores cristãos, é um exemplo para a nossa modernidade que se passeia na espuma dos dias como se não tivesse memória.
Viva o São João com o seu alho porro fálico (agora é martelinhos), mais a paixão da fogueira noturna, sensualidade e o erotismo que nos distingue dos demais animais, logo acalmada pelo orvalho matinal, simbolizado nas águas das cascatas, a lembrar o final orgástico, para que os casamentos sejam alegres, felizes e fecundos, e prazerosos, já agora!

sexta-feira, 16 de junho de 2017

PAÍS DE COMEDIANTES


Uma agência europeia procura uma nova cidade para sede que substitua Londres, tornada incapaz devido ao brexit. Itália oferece Milão, uma cidade equidistante dos grandes centros europeus e com dois aeroportos a servi-la. Espanha propõe Barcelona, a cidade ibérica mais próxima do centro da Europa, servida por um importante porto mediterrânico e um aeroporto com 44 milhões de passageiros por ano, o dobro do de Lisboa.
Portugal aventura-se e propõe o melhor que tem em comparação com o que oferece Milão e Barcelona: Lisboa. Os senhores deputados da Nação votam unanimemente e com aclamação a escolha, que acham, e bem, poder ser uma aposta vencedora.
Os mesmos deputados, que aparentemente não conhecem as propostas em que votam, acompanhados por Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado da Agra de Freimas, vêm agora para a rua rasgar as vestes porque o Porto, Braga, Coimbra, e até a Guarda podiam cumprir o desiderato se o governo não fosse tão centralizador. Eu pergunto-me porque ficam as Caldas da Rainha de fora? Tem o mais antigo hospital termal do mundo, e isso deveria ser levado em consideração.
Se há alguém com juízo na Europa, não ganharemos o lugar, mas o prémio de país de melhores comediantes ninguém nos tira.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

ESTOU COM O TRUMP. AMBIENTE IS FOR SISSYS


Estou encantando com a clarividência do Trump. Que se lixe o ambiente, a moral e a ética. Tem petróleo e carvão, é só continuar a ganhar dinheiro e isso é que interessa. Make America great again! Voltemos ao tempo dos índios e cowboys.
Os outros que se amanhem a inventar a tecnologia do futuro que permitirá libertar o mundo das fontes fósseis e finitas de energia, e assim liderarem a indústria, e monopolizarem o comércio garantindo a riqueza futura, como a China se prepara para fazer.
- Espera lá? Mas ó Trump, esta coisa do aquecimento global fez com que a indústria se pusesse a caminho na outra direcção. Vais ficar de fora. Vais deixar de vender aos outros os velhos Fords porque depois só vão querer carros elétricos, e quando precisares vais ter de comprar à China. Dahhhh!
- The Chinese are bad, very bad. Covfefe for them!
- Ó Melania, anda cá depressa que o teu homem não se está a sentir muito bem! 

domingo, 28 de maio de 2017

O CHÁ DOS ESPOSOS


A chamada foto das “primeiras damas”, comum em encontros dos e das representantes dos governos, é ridícula e um gasto desnecessário e abusivo do dinheiro dos contribuintes. Tem como única função mostrar aos contribuintes com quem os seus representantes estão autorizados, sem escândalo, a deitarem-se nas suas camas e quem se pode gabar de ter a/o mais dotada/o. Ridículo é o mínimo que se pode dizer. E mais ridículo é quando os/as representantes dos governos se reúnem em cimeira de uma organização de guerra, como a NATO, tornando a foto da representação conjugal numa patética alegoria de Vénus e Marte. Já nos bastava a triste figura de o presidente de uma das grandes repúblicas do planeta se passear pelo Mediterrâneo e Europa acompanhado da esposa deixando o mundo inteiro suspenso de um dar de mãos conjugal.
Seria de esperar que tornando-se o casamento igualmente homossexual e heterossexual, acabassem estas representações das primeiras damas, já que não acabaram quando as mulheres assumiram cargos de poder, mas era pedir demais a quem se esforça, e muito bem, por aproveitar a oportunidade. E assim, a presença de Gauthier Destenay, cônjuge do primeiro ministro luxemburguês, foi notícia de primeira página a propósito da ridícula foto das “primeiras damas”, ganhando pontos para a causa LGBT.
Se a presença de um homem naquela foto foi notícia, também a ausência de outro homem deveria ter sido. É que o marido de Teresa May não esteve presente. Será que Philip contaria anedotas do Churchill sobre os Curdos a Madame Erdogan? Teria o Reino Unido a oportunidade para exercer alguma influência na cabeça dura do Trump, se Melania pudesse sorver o seu chá na companhia de Philip May ocupado a trincar waffles belgas? Será que as negociações sobre o Brexit seriam diferentes se Gauthier e Philip pudessem ter disputado o último chocolate belga do prato? 

domingo, 21 de maio de 2017

CARTA DE LONDRES


A Union Jack flutuava sobre Buckingham palace, significando que Sua Majestade estava ausente, o que considero desconsideração por quem, como eu, visitava Londres 14 anos depois da primeira vez. No Hyde Park gozava-se e aproveitava-se a tarde de um domingo soalheiro. De Hyde Park a Buckingham foi o tempo de o dia anunciar o crepúsculo com um aguaceiro de fim de tarde de domingo a despejar Saint James’s park, deixando vazias as cadeiras de lona, enquanto casais de namorados aproveitavam o aconchego de um único chapéu de chuva. Londres, como num postal!
Mayfair, Soho e Convent Garden continuam iguais a si próprios, excepto pela obsessão mimada por comer saudavelmente que vai invadindo tudo e todos. A globalização destruiu o charme e o glamour destes locais. Pode-se comprar loiça das Caldas em Mayfair e as lojas do Soho têm sucursais nas nossas cidades de província. Os alfaiates de Saville Row entram-nos em casa, todas as manhãs, nos casacos do Goucha.
Elephant and Castle, onde ficámos, Peckham e Brixton a revelarem-se um postal londrino pouco turístico mas mais antropológico. O pub londrino onde jantámos em Peckham, não podia ser mais inglês, apesar da multietnicidade, parecendo saído de uma sitcom sem visitas de uma qualquer ASAE. Nestes bairros a integração parece uma possibilidade, mas não é assim noutras zonas periféricas da cidade, e no centro habita o mundo inteiro. Foi uma mulher de hijab quem nos conduziu, num New Routemaster, até Camden que, com a cultura punk extinta, já não intimida um rapaz provinciano como eu, e é hoje um repositório de memorabilia para turistas.
Passeando pelos canais de Londres, desde Camden até King’s Cross, aprecie-se o excelente e novo projeto urbanístico de recuperação e reabilitação das velhas estruturas metálicas dos gasómetros: o Gasholder Park. E falando de urbanismo não esquecer o excelente trabalho feito, há algumas décadas, em Barbican, bem no centro de Londres, e o que se prevê para a recuperação das áreas degradadas de Elephant and Castle.
Mas é a City que mostra toda a sua pujança, apesar do Brexit. As torres constroem-se como cogumelos, fazendo sombra ao Lloyd’s e ao 30 St Mary Axe (supositório) que já mal se vê ao lado dos gigantes desta década, sem respeito por cérceas ou distâncias seguras em caso de sinistro. Mas é um prazer visitar as praças e prédios de Broadgate onde a Vénus de Botero mostra a sua gorda beleza em jeito de símbolo burguês do poder económico. É aqui que o contraste entre o pobre e popular bairro “fora de portas”, como Whitechapel, e o moderno centro financeiro nascido na velha cidade romana se faz sentir, na distância que separa os dois lados de uma rua.
Sem contarmos com os semáforos de Trafalgar square a apelar à inclusão homossexual e transgénero, e dos novos símbolos transgénero dos sanitários do Tate Modern, Londres tem uma nova atracção, já com cinco anos de idade, e não fica na City nem em Mayfair, mas em Southwark: Um estilhaço de vidro apontado ao céu, The Shard, é o belíssimo arranha céus do italiano Renzo Piano, que nos acolheu logo à chegada.
Londres continua a mais viva, moderna e vibrante cidade europeia. 

quarta-feira, 12 de abril de 2017

O RITUAL PASCAL DA BESTIALIZAÇÃO


Um anúncio publicitário com um casal de ladrões, tal Bonnie and Clyde, a meter-se no carro alvo da publicidade para fugir à perseguição policial, afirmando que o tal carro é o cúmplice perfeito, transforma o crime num bom motivo para comprar um carro.
Rapazes lambendo a cerveja do chão e as meninas treinando o controle do vómito de um deepthroat, com uma banana que um entertainer lhe enfia pela goela abaixo, tudo isto seguido de alguns estragos em quartos de hotel, é o leitmotiv de qualquer viagem de finalistas. Que os pais acreditem ser um ersatz das grandes viagens pelo Mediterrâneo dos séculos XVIII e XIX em que os estudantes descobriam a Grécia, Roma e o Egipto, para depois nos deixaram testemunhos dessa descoberta na música, na poesia e na pintura, é absolutamente patético. Peço desculpa pelo advérbio, mas aprendi de uma mãe televisiva, vice-presidente de uma coisa que todos descobrimos chamar-se CONFAP, cujo único objetivo deve ser o de lembrar aos ignorantes pacóvios que nós somos, que tudo aquilo é “absolutamente” normal, porque não se trata de uma peregrinação a Fátima, hélas!
Parafraseando o almirante Pinheiro de Azevedo e o presidente do Sporting, apetece-me dizer o que estão a pensar. Só não digo porque ainda acredito que a Páscoa e a Quaresma que a antecede não servem para pretexto de férias nem de desregramento dos costumes, mas são valores que fundaram a nossa civilização.  Se estes valores se perdem, não são culpa dos refugiados que nos procuram, nem do terrorismo que nos ataca, mas dos pais que acham absolutamente normal o ritual da bestialização dos filhos, e de todos nós que achamos normal a promoção da cumplicidade de um crime.


na imagem: cena de Herodes da série "A Paixão de Cristo" de Rafael Bordalo Pinheiro

quinta-feira, 30 de março de 2017

UMA QUESTÃO DE BUSTO


Primeiro embirraram com a estátua por causa dos atributos do moço. Que não era tão grande, diziam uns, que era maior diziam outros, e todos asseguravam estarem certos, e a gente a pensar que tanta certeza só podia vir do facto de terem medido e sentido o peso. Refiro-me aos atributos…
Agora é o sorriso que não é tão rasgado ou torcido, que os olhinhos não se juntam assim e que há pelo menos duas rugas a mais.
Com tanto Miguelângelo a dar palpites, não se arrisque o Medina a contar a verdade sobre a estátua do Rossio e se descubra que em vez do imperador do Brasil, lá está o do México, que nem Messi em vez de Ronaldo.
Uma dúvida nos assalta: será que o cavalo do D. José está parecido?

domingo, 26 de março de 2017

À SOMBRA DAS TÍLIAS OU DOS JACARANDÁS HÁ SEMPRE ONDE GASTAR O DINHEIRO DE UM HOLANDÊS


Há três anos visitei Berlim. Se fosse berlinense, visitasse Lisboa e visse as obras nos pavimentos das suas avenidas ficaria pensando por que raio Berlim não tem pavimentos tão bons e bonitos. É certo que Berlim era um estaleiro quando desembarquei no seu velho e antiquado aeroporto, ainda não substituído pelo novo que se encontra incrivelmente atrasado. As velhas tílias sobreviventes dos bombardeamentos tremiam à passagem dos bulldozers, e o telhado da mais famosa sala de concertos, a Filarmonia, metia água. Por isso não sei se a Uter den linden ficou tão linda como o Cais do Sodré ou como a Avenida da República com as suas tipuanas e jacarandás. Tenho a certeza que o berlinense que nos visitasse não daria razão ao holandês, e confirmaria que o dinheiro não é gasto em bebidas e muito menos em mulheres. Um país de trolhas tem sempre obras onde gastar neste imenso resort em que nos transformaram. Logo, logo irão terminar uma parede lá para o lado da Ajuda, cuja falta para a cidade é igual à de uma viola num enterro.
Em todo o caso, o sistema público de transportes de Berlim é fantástico, enquanto em Lisboa já é um prazer andar a pé e de bicicleta, pelo que ninguém precisa de uma boa rede de transportes públicos, e sempre fica mais barato ao cidadão que pode assim gastar o dinheiro noutras coisas.
Entre a sobriedade calvinista e luterana e o gosto barroco dos católicos existe uma disputa que se acentuou quando católicos e protestantes deixaram de estar dispostos a pagar “indulgências” para as obras do estado. É que ninguém se salva pelas “obras”, dizem eles e a epístola aos Efésios!

Foto: túmulo de Frederico II da Prússia, “O Grande”

domingo, 12 de março de 2017

FÁTIMA


Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio - e eis que a verdade se me revela.
Albert Einstein

            Fátima, isto é, as aparições em Fátima, celebra um século de vida. Acredite-se ou não, o fenómeno reveste-se de uma tal importância que deve ser comemorado e, sobretudo, estudado. O desinteresse, para não chamar preconceito, dos intelectuais tem impedido o estudo académico do que ali se passou (e do que ali se passa), deixando que diferentes apologéticas, mais ou menos sérias, ou mais ou menos burlonas, se apoderassem de Fátima. É necessário, urgente e útil o estudo científico dos factos que ali ocorreram, desde logo separar factos de interpretações.
Fátima não é dogma de Fé, o que significa que nenhum católico está obrigado a acreditar nas aparições. Portanto acreditar ou não, é uma questão de fé pessoal. O que não significa que só se deve aceitar o fenómeno quando nele se acredita. E em que é que se acredita? Que foi Nossa Senhora, mãe de Jesus, e um anjo quem apareceu aos três pastorinhos de Fátima. Ora é esta crença que é uma questão de Fé. Outra, um pouco diferente, é acreditar que um fenómeno ali se deu e que os pastorinhos de Fátima foram testemunhas e/ou protagonistas. Quando falo de estudo é sobre o fenómeno que falo e não sobre a interpretação mariana, uma vez que as questões de Fé não se provam, sentem-se.
Dizer que o fenómeno não passa de uma manipulação da Igreja, como oiço por vezes dizer, é tão absurdo, tendo em conta as circunstâncias em que se deu e os relatos comprovados, como absurdo pode parecer a um não crente o facto de Nossa Senhora poder aparecer sobre os ramos de uma azinheira. É por isso que me tira do sério ver um padre, no caso o padre Mário de Oliveira, mais conhecido por padre da Lixa, negar o fenómeno para que se dê, nas suas palavras, uma limpeza mental, como se achasse que Nossa Senhora teria de lhe pedir, a ele, padre da Lixa, autorização para aparecer em cima das árvores, só porque ele tem o poder de na mesa do altar realizar diariamente o absurdo milagre de transformar um bocado de pão e uma porção de vinho no corpo e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, o que em matéria de milagres é mais do que suficiente, no dizer dele. Há absurdos para todos os gostos. A mim não me choca a crença em absurdos.
E não houve manipulação? Estudando, mesmo que superficialmente, o assunto parece-me claro que houve, e não foi pouca. Principalmente a partir do surgimento do Estado Novo. O fenómeno, tudo indicava, prendia-se com a aflição em que vivia o mundo e Portugal durante a 1ª guerra mundial. A chamada revolução de Outubro é posterior, pois só se dá em Novembro (diferença entre o calendário juliano e o gregoriano), pelo que as referências ao comunismo não seriam entendidas pelo Povo nem pelos pastorinhos, e começam a aparecer mais tarde. Parece-me evidente a manipulação sobre os malefícios do comunismo quando não se evidencia a mesma preocupação sobre os malefícios do fascismo e nazismo. Soa a manipulação por todo os poros a célebre carta de Lúcia sobre a providência divina para com Salazar. O facto de reconhecer a manipulação não impede a crença no fenómeno, primeiro, e na interpretação mariana, depois. Porque também não deixa de ser verdade que, sabendo-se hoje o que se sabe, não é difícil imaginar a aflição de Nossa Senhora, ou da entidade que nos visitou, tendo em conta a monstruosidade em que o mundo e a Europa se transformaram após a primeira guerra mundial, daí o constante apelo à oração que é um meio para alterar o estado de consciência de cada um. É, pois, ao estudo do fenómeno que apelo, que ao da manipulação já tem estudiosos que sobram.
E afinal que fenómeno se trata? Primeiro o da aparição de um anjo nas imediações da Cova da Iria, um ano antes de Fátima. Aparição presenciada não só pelos pastorinhos, mas por outras crianças. Há quem afirmasse ter visto a hóstia aparecer na boca dos pastorinhos quando o anjo lhes dava a comunhão, apesar de não conseguirem ver o próprio anjo. Depois foram as aparições de uma senhora tão luminosa como o Sol. “Ai, que Senhora tão linda! Ai, que Senhora tão bonita”, exclamava Jacinta, a jovem que tanto sofreria meses depois. Tanto quanto julgo saber ninguém, para além dos pastorinhos, conseguiu ver as aparições da senhora tão linda, mas em Outubro dá-se o milagre do sol testemunhado por uma multidão que ali acorreu quase por milagre, como por milagre se espalhou aquela notícia num Portugal analfabeto, sem acessibilidades, e sem redes sociais modernas. O aparecimento daquela multidão na Cova da Iria é já por si um milagre. Esse dia foi testemunhado por pessoas insuspeitas e imparciais, como o jornalista do Século. Há também relatos de avistamento do fenómeno fora da Cova da Iria, a quilómetros de distância (há quem fala em 40 km e tenha explicação científica para isso). Diz-se também que os centros espíritas que abundavam pelo país (mais tarde reprimidos pelo Estado Novo), teriam previsto o fenómeno e para que não houvesse dúvidas, fizeram publicar anúncios com essas previsões. É fenómeno merecedor de estudo pois a simples teoria da manipulação esbarra com as evidências.
A cova da Iria é uma formação geológica característica da região. O nome de Iria talvez se refira à santa do mesmo nome nascida ali perto, em Tomar, durante a ocupação bárbara. Mas é estranho que se refiram à cova da Iria e não a Santa Iria. O Povo não costuma ser desrespeitoso. É assunto para estudar quem era esta Iria. E Fátima é, nada mais nada menos, que a filha do profeta Maomé casada com o 4º califa. O topónimo é claramente mouro e mesmo que a lenda da princesa moura Fátima casada com o conde de Ourém seja verdadeira, o topónimo refere-se sempre àquela filha do profeta do Islão. É uma curiosidade curiosa, passe o pleonasmo. Fátima fica exactamente a meio caminho entre o Norte e o Sul de Portugal, outra curiosidade curiosa. Situa-se no cimo da Serra de Aire conhecida pelas impressionantes grutas e pelas pegadas de dinossáurios aparecidas numa pedreira. Num exagero poético poderia dizer que o chão de Portugal é feito com as pedras da Serra de Aire. Talvez por isso os nossos corações se dirijam para Fátima.
Se comecei por me queixar da falta do interesse intelectual e científico por Fátima, acabo fazendo referência a um livro e tese de doutoramento em Geografia apresentado à faculdade de letras de Coimbra, que me deixou curioso e com vontade de o ler: “SANTOS, Maria da Graça Lopes da Silva Mouga Poças - Espiritualidade e território: estudo geográfico de Fátima. Coimbra, 2004”.
Esta é a minha modesta contribuição para a comemoração do centenário de Fátima. Um fenómeno surpreendentemente popular que apesar da manipulação, nunca verdadeiramente se deixou apanhar pela ortodoxia disciplinada da Igreja, e nunca se intimidou com a soberba intelectual de quem tem da cultura e da realidade a visão estreita de sombras projetadas em cavernas filosóficas.

terça-feira, 7 de março de 2017

O MODELO DE UNIVERSITÁRIO DOS ESTUDANTES DA NOVA


If it looks like a duck, swims like a duck, and quacks like a duck, then it probably is a duck.
            Não partilho da simpatia política de Jaime Nogueira Pinto, mas reconheço-lhe uma extraordinária capacidade para pensar o seu tempo. Para o contradizer convinha ouvir o que tem para dizer. Se não possuo a clarividência de Nogueira Pinto sei, no entanto, que quando se impede a livre expressão, dentro de uma universidade ou fora dela, se está a praticar um acto ditatorial, fascista e antidemocrático. Os estudantes que impediram uma conferência, agem como ditadores, fascistas e antidemocráticos. Não me interessa se são militantes do Bloco ou de outra coisa qualquer. Se se parecem com ditadores, fascistas e antidemocráticos e agem como tal, então é porque são ditadores, fascistas e antidemocráticos.
            Dizem que se tratava de um acto colonialista, logo eles que são marxistas e não entendem a contradição entre serem ao mesmo tempo marxistas e anticolonialistas, porque conhecem do mundo só o que a cartilha lhes foi dizendo. Uma coisa conseguiram, transformar o nosso espaço universitário para o nível do pior que a universidade americana tem.
Ben Carson, secretário para a habitação de Trump, negro (para o caso interessa), disse que os escravos vieram a bordo de navios como imigrantes em busca do sonho americano. Anteriormente afirmou que José do Egipto, filho de Jacob e Raquel, foi quem construiu as pirâmides para armanezar grão e não para sepultar os faraós mortos (A proporção entre espaço vazio e espaço ocupado pela construção tornam ridícula qualquer ideia de utilização para armazenar seja o que for, para além de as pirâmides serem muito anteriores a José). Disse também que o Obamacare foi a pior coisa que aconteceu na América depois da escravatura. Este senhor é, pasme-se, um brilhante e competente neurocirurgião e professor universitário. É por este tipo de universitário que alguns estudantes da Universidade Nova de Lisboa anseiam: técnicos formatados para pensarem de acordo com a cartilha que lhes é transmitida.