quarta-feira, 28 de outubro de 2015

COM O CAIR DA FOLHA, CAI-NOS A FACE


Um jornal foi proibido pelo tribunal de noticiar sobre o processo de um famoso. São coisas que nos aparecem com o cair da folha, que em português se chama outono e que se segue ao verão a que também chamamos estio, enquanto as outras estações continuam, na nossa língua, só com um nome. Em inglês também é assim (nas outras línguas não sei e agora não me interessa). É assim em inglês mas não em relação ao verão, que é só verão, como inverno é só inverno e primavera é só primavera. Já o outono tem, em inglês, dois nomes. Tal como o verão em português. Queda, é o que os ingleses chamam ao outono: Fall, a queda.
Assim os portugueses têm dois nomes para denominar o tempo mais alegre, enquanto os ingleses têm dois nomes para o tempo mais tristonho. E é assim que um povo triste chama duas vezes pelo tempo risonho e um povo cheio de sentido de humor diz que o outono, esse tristonhar do tempo, é a queda!

Ao que o outono nos traz os ingleses chamam censura, nós chamamos-lhe: regular funcionamento da justiça. E assim, com o cair da folha, cai-nos também a face. Deve ser por isso que os ingleses chamam Fall, ao outono!

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

ROMA


“Os sentidos do nosso corpo abrem-nos à presença de Deus no instante do mundo”, diz Tolentino Mendonça, e Roma desperta-nos todos e cada um dos sentidos enquanto Deus nos espreita do alto da cúpula que é de Bramante, mas também de Rafael e de Miguel Ângelo.
Em Roma o cheiro do incenso confunde-se com o do prosciutto e do pomodoro, enquanto os sinos harmonizam com o ruído aparentemente caótico do trânsito que não merece um único rasgo de impaciência à matrona que aproveita o semáforo para retocar a maquilhagem que vemos no rosto patrício. Mas é o espírito que transforma a matéria daquela pedra em carne de Proserpina que as mãos rudes de Plutão apertam e apalpam, e é Verão e Primavera, e é Outono e Inverno por causa disso.
Ide ver o pé desnudo de santa Teresa que cupido (e Bernini), disfarçado de anjo, leva ao paroxismo de um êxtase. E que dizer (ousadia de Rubens) de santa Madalena pegando a mão de um Cristo morto. Ressuscitará o Senhor ao ver-lhe o seio desnudo? Heresia?! Heresia seria não ver o céu do panteão e não afagar a pele sensual daquela incrível colunata onde o olhar joga às escondidas com a extravagância de um guarda suíço, ali, onde o Santo Padre canta em latim, enquanto babamos, deliciados, a pizza quente e picante saída do forno.
Se a beleza ordenada do palazzo Farnese nos lembra a sensualidade pecaminosa dos Bórgias, lá está Caravaggio usando a luz que vence as trevas gritando de dentro do barroquismo das igrejas: O que querem? O mundo é carnal, enquanto a cabeça de Golias nas mãos de David acrescenta: e tridimensional!
Afinal o que é Roma?... Apesar da idade das pedras do Palatino, é ainda o adolescente que se oferece com um cesto de fruta.

Imagem: “rapaz com cesto de fruta”, de Caravaggio, galeria Borghese, Roma

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

ANÁLISE PÓS ELEITORAL


            Fica bem nesta altura, e após ter aconselhado os meus leitores a votarem, fazer aqui a análise eleitoral que se impõe.
            Devo dizer que passei mal a noite e estou seriamente preocupado com a minha vista. Preciso de comprar óculos novos, tá visto, mas o certo, certinho, é que não consigo vislumbrar naquela lista enorme que o CNE publicou, o lugar em que o partido em que votei ficou. A Maria não fala nem diz nada mas eu quer me parecer que está com o mesmo problema.
            O Povo, esse, foi sábio: entre uma coligação que prometia austeridade e um PS que austeridade prometia, escolheu quem tinha mais experiência. É avisado, devo dizer. O camarada Jerónimo disse que tinha conseguido derrubar a direita e eu não atino com a matemática nem com a máquina de calcular a tentar perceber onde é que o PCP encaixou os votos que roubou à coligação. Quanto ao bloco já diz o meu paizinho:- Não te metas com as mulheres que elas conseguem tudo o que querem!
            Agora o que me traz mesmo preocupado, muito mesmo, foi a atenção com que o Xico e o Jabir seguiram as projecções e o escrutínio. Já os vejo a conferenciar pelos cantos e receio bem que em breve aparecerá por aí um caderno reivindicativo. Eu até acho que já os ouvi sussurrar que vão pôr o problema ao deputado (o deles, pois está claro!). Mas se eles já põem e dispõem de tudo cá em casa o que mais vamos ter de ceder?
(Eu espero que eles percebam que aquilo que aconteceu no veterinário é irreversível… )