quarta-feira, 28 de agosto de 2013

HAIKAI (3)

 

 
 
                                    Rocha escarpada:
                                    Em uma mão o cinzel,
                                    Noutra a espada.


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

NA MORTE DE ANTÓNIO BORGES

A morte de António Borges revelou o que de pior há na sociedade portuguesa: a pulhice.
A pulhice dos que dizem horrores do homem e a pulhice dos que lhe descobrem virtudes de fazer os santos pecar de inveja. A ninguém vi discutir as suas ideias.
Desde monstro merecedor das piores torturas a santo predestinado que escapou milagrosamente a um acidente de avião (juro que é verdade), de tudo se escreveu.
Confesso que a figura não me era simpática, talvez por defeito meu, pois nunca li nem conheci nada de substantivo que pudesse fundamentar a antipatia. Mas do pouco que lhe ouvi, nada passou além do que vulgarmente se atribui ao senso comum, o que para afirmar o mérito de economista capaz de se guindar ao nobel, convenhamos que é pouco. Da hagiografia do senhor nada posso dizer e desconheço até se era cristão ou mesmo crente. No entanto penso que o que defendia, quanto à distribuição da riqueza, era tudo menos uma ideia cristã.
Se era sábio, desconheço, mas sei que lhe faltava a educação necessária para saber que quem sofre de fastio por excesso, não recomenda dietas aos outros.
Quando andou pelas bocas do mundo estava já doente e sabia-o. Calou-se para evitar simpatias expondo-se assim voluntariamente às críticas desapiedadas. Desse gesto e do seu sofrimento lembrar-se-á certamente o Juiz Supremo.
Que descanse em paz.


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

EXALTAÇÃO DA MULHER


O frondens virga,
in tua nobilitate stans
sicut aurora procedit:
nunc gaude et letare
et nos debiles dignare
a mala consuetudine liberare
atque manum tuam porrige
ad erigendrum nos.

 
Hoje, 15 de Agosto, é dia de exaltação feminina.

Deixo-vos esta belíssima antífona a Nossa Senhora, música de uma mulher admirável, que viveu na mesma época em que Afonso Henriques conquistava Lisboa e fundava o reino: Hildegard de Bingen, a sibila do Reno (1098 – 1179).

 Numa tradução demasiado livre do inglês, porque não sei latim:

Ó verdejante ramo,
que te ergues em nobreza como irrompe a aurora:
Alegra-te e sê feliz
e digna-te livrar estes seres fracos que somos,
de maus hábitos
e estende a tua mão para nos levantar.

sábado, 10 de agosto de 2013

CANTORAS, FUTEBOLISTAS E UM DEUS TRÔPEGO


Eu gostava que o mundo da música fosse como o do futebol. Onde não houvesse artifícios e quem ganhasse muito e fosse famoso devesse isso ao seu esforço e talento. Veja-se o caso do Ronaldo, o que não é o verdadeiro, como diz o Mourinho: - Pechisbeque daquele podem dar-me todos os dias, disse numa gargalhada a vizinha do 3º esquerdo quando o ouviu no café da avenida. O moço é famoso e recebe milhões porque faz com as pernas o que Einstein inventou com os miolos: a teoria da relatividade, misturando o espaço do relvado com o tempo que o guarda-redes não tem para defender um remate à velocidade da luz.
Na música já não é assim. Houvesse caçadores de talentos como se faz no futebol e não precisavam de inventar tanto artifício para pôr um cepo a cantar. Porque cantores bons há muitos, não têm é irmãos futebolistas.
Depois do último filho de Dona Dolores nascer, as fadas levaram a prole à presença de Deus Criador, para que Este derramasse sobre as crianças a taça das suas graças. Mas o Senhor Eterno é também muito velho. Se bem que justo e bom é trôpego. Quando descia as escadas do trono onde se senta, levando nas mãos a taça das graças para equitativamente vertê-las sobre as cabeças dos dois meninos e duas meninas, tropeçou no manto que Nossa Senhora insiste que vista com medo das correntes de ar, tecida pelo Espírito Santo com fios feitos da luz das estrelas, e a taça escorregou-lhe das mãos e caiu toda sobre a cabeça do mais novito, o Cristiano. Aflito, o Pai Eterno ainda olhou para a Virgem a pedir-lhe conselhos, mas Nossa Senhora encolheu os ombros, como quem diz: Está muito bem assim, não Te rales. -  Afinal o rapaz até tem o nome do filho, e mãe é mãe!
Agora a mana do Cristiano quer cantar e ser famosa, mas não tem a beleza das divas e a voz…! Ainda correram a São Judas Tadeu, patrono das causas desesperadas, na esperança que o santo pedisse a Deus reparação pelo tropeço, mas o santo gritou-lhes que nem pensar ir agora, no meio da crise, incomodar o Criador preocupado com um contrato Swap feito por Santa Edviges, protectora dos pobres e endividados.
Mas o que Deus não pode e os santos não ajudam, pode a tecnologia e a ciência que são novos e recomendam-se. E aí está a mana a cantar como se tivesse a voz da Céline. Uns moços atléticos de volta, um desportivo de tirar o fôlego e uns véus esvoaçantes disfarçam a falta de graça. Talvez que ninguém repare na consequência do tropeço.
Bum, bum, cababum, bum, bum. Com letra admirável assim, não há falha nem tropeço. Adivinha-se carreira famosa cheia de riqueza, glória e fama.
           Porque não pode a música ser como o futebol?


sábado, 3 de agosto de 2013

RECEITA PARA O VERÃO - TOSTAS DE SANTO ANTÓNIO

 

Porque é verão, tempo de frivolidades, decidi deixar aqui uma receita para uma entrada simples e despretensiosa, possível até no campismo. Inventei-a no dia de anos do meu filho, quando a primavera se rendia ao verão, entre o santo António e o são João. Por isso chamei-lhe “tostas de santo António”: Santo António porque, tal como o santo, junta a Itália com Portugal, que é sempre um bom casamento, desde que o nosso primeiro Afonso mandou vir daquela península, a primeira rainha de Portugal.

Cortem-se fatias de um bom pão de trigo, daquele que celebra o Mediterrâneo por onde o nosso santinho navegou. É certo que o pão nasceu entre o Tigre e o Eufrates, mananciais do golfo pérsico e do Índico, mas era uma coisa dura e sem graça. A bola de trigo levedada, fofa e gostosa desenvolveu-se entre a foz do Nilo e os Pirinéus, acabando os celtas por abrir padarias pela Europa fora. Fomos nós, os ibéricos, quem o fazia mais fofo pela levedura roubada à espuma fermentada da cerveja. Outros copiaram-nos e usavam o mosto das uvas para o efeito. Esteve o pão sempre ligado à bebida fermentada de tal modo que Nosso Senhor assim quis ficar entre nós: no pão e no vinho, que fermento era ele.

Se as fatias forem muito grandes corte-as ao meio de modo a que tenham, mais coisa menos coisa, meio palmo, ou sejam 10 a 12 cm de lado. Botem as ditas no forno a torrar de um lado e do outro, só a alourar como a senhora Merkel. Podem comprar tostas já feitas, mas não aconselho. Só autorizo se estiverem acampados e houver urgência em impressionar.

Em estando as tostas frias, coloque em cima de cada uma, duas rodelas de tomate seco em conserva de azeite, e cá temos a Itália: tal como nacionalizámos o bacalhau do mar do Norte, fizeram os italianos o mesmo ao tomate americano. Deixe que o tomate pingue o azeite da conserva sobre a tosta para aligeirar a dureza e a secura do pão.

Cubram-se as rodelas de tomate com folhas frescas de manjericão, que há-de dar um sabor fresco ao verão, a lembrar manjericos. Entretanto vá servindo um branco fresquinho à namorada/o que convidou para jantar, e cante-lhe uma quadra bem rimada que fale dos olhos dela ou dele, a não ser que seja vesga/o, situação em que deve evitar qualquer menção aos ditos:

 
Sardinhas de sant’ António
                         Fugiram do teu olhar,
                         Mora nele um demónio
                         Que obriga a te amar!

 
Sardinhas, lembra a quadra, e temos Portugal. A sardinha, como é sabido, é bem portuguesa embora navegue pelos sete mares, ou não tivessem sido os portugueses quem os abriu ao mundo. Vem agora a propósito contar a história do célebre sermão do doutor da igreja nascido à sombra da Sé:

Andavam as sardinhas em cruzeiro pelo Adriático quando ouviram falar que o santo gostava de ensinar, em sermões cheios de saber, a bicheza do mar, e puseram-se à escuta. Diz quem lá esteve que quando o santo pregou aos peixes, foram as sardinhas as mais atentas, e que estas, por diversas vezes, tiveram de pôr na ordem o carapau que atrevido, as tentava distrair. Por isso comem os portugueses tanta sardinha, na esperança de adquirirem o saber que o santo lhes legou, mas em vão, porque não passam de “carapaus de corrida”.

Abram-se portanto latas de sardinhas em conserva de azeite, picante ou não, mas nunca em molho de tomate, porque isto dos tomates convém tê-los mas com conta, peso e medida, para não espantar o gado, salvo seja.

Para que não fique a tosta muito alta, que são as portuguesas baixinhas, costumo cortar longitudinalmente as sardinhas e aproveito para lhes tirar a espinha que elas têm, ao contrário de certos políticos. E assim, maleáveis e rendidas, sem espinha que as endireite, vergo-as com gentileza sobre a cama verde do manjericão.

E pronto, agora é só comer… as tostas, que ainda não é hora da sobremesa!

 
INGREDIENTES

Pão de trigo às fatias, alouradas no forno
Rodelas de tomate seco em conserva de azeite (compra-se em qualquer supermercado de jeito)
Folhas de manjericão fresco
Sardinhas em conserva de azeite
Alguém a quem se ame (ou se deseje, na impossibilidade de amar)
Um vinho para acompanhar
Uma quadra popular (à falta de melhor, podem utilizar a que aqui fica)



quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A PATETICE DO VERÃO



Quando visitei o museu de Orsay percebi a razão do escândalo do quadro de Manet. Aquela mulher nua entre homens vestidos, no meio de um piquenique num bosque, olhando-nos desafiante, ainda hoje perturba pelo despautério de nos encarar assim, burgueses bem comportados. Conta-se que na época, a imperatriz fingiu um desmaio e o imperador, o mesmo que anos antes tinha perguntado à jovem Eugénia de Montijo qual o caminho mais curto para o seu quarto, pergunta que o obrigou a passar pela capela para fazê-la imperatriz, achou aquilo escandaloso. Mais tarde, em Portugal, António Nobre deixava-se também encantar pelos piqueniques de Verão no bosque.
À falta de imperatrizes capazes de se escandalizarem, Nobre, entre talhadas de melancia, damascos e pão de ló embebido em malvasia, encantava-nos com burguesas em burricos que metiam ramalhetes de papoilas entre os seios.
Os Verões eram, assim, artisticamente apatetados. Hoje são só patetas. Uma senhora do jet-set, daquele jet-set que assopra a espuma do champanhe, diz que no verão brinca aos pobrezinhos e parece muito contente. Eu, que levo a pobreza muito a sério, invejo-lhe a alegria, porque às vezes, quando tento brincar aos ricos, a ansiedade pela chegada iminente da factura retira à brincadeira toda a graça.
Para comprovar a patetice do Verão, soube agora que o tribunal cancelou a execução do cão zico, condenado pela morte de uma criança. A dirigente da associação Animal, que vai recolher o bichinho, está eufórica a brincar à liberdade e comparou a prisão do bicho à de Mandela, vai daí rebaptizou o zico que agora passa a chamar-se mandela.
Razão tinha a minha mãe quando me obrigava a usar chapéu no verão. É que na falta de cobertura dos miolos, estes correm o risco de esturricar.