sábado, 19 de setembro de 2020

DEPOIS, VAI-SE A VER E NADA!

 



Eu gosto da Dulce Pontes e do Énio Morricone, mas não trocava Mozart pelos dois. No programa de televisão, “Depois, Vai-se a Ver e Nada”, falava-se de Enio Morricone e como Dulce Pontes cantou com ele. Dulce Pontes, salientando a importância do seu encontro com o compositor, disse que o Énio era “o último grande compositor que está ainda vivo” (sic) (o programa é gravado), ao que José Pedro de Vasconcelos ripostou com a seguinte pérola: - pois o Énio é como o Mozart do século XXI, e Dulce Pontes rematou que sim, mas que “Mozart ao pé dele é um bocado chato”, e pediu perdão aos amantes do Mozart! Perdoo, mas não esqueço.

Eu gosto muito das bandas sonoras que o Énio Morricone fez para grandes filmes. Talvez esses filmes não tivessem tido a projeção que tiveram sem a música do Énio, e talvez a música deste nunca se ouviria sem os filmes que musicou. Mas muitos cineastas correram a pôr Mozart nas suas bandas sonoras, sem que este soubesse o que era um filme. John Barry, por exemplo, fez a lindíssima banda sonora de África Minha (o voo sobre os flamingos, lembram-se), e colocou lá o famoso concerto para clarinete do Mozart (que chatice, não foi?).

No tempo de Mozart havia imensos compositores muito bons, como hoje há muitos compositores como o Énio e que continuam vivos, e que deixarão a sua marca na História da Música, como o Énio deixou. Podiam ter escolhido um dos outros compositores contemporâneos do Mozart, Salieri, por exemplo, ou Francisco António de Almeida para a comparação com o Énio. Dizer que o Énio é o Mozart do nosso tempo é dizer que não há outro melhor no nosso tempo, e isso é um disparate, porque há tão bons ou melhores que foram seus contemporâneos: “Olá Britten e Messiaen, olá Arvo Part, como vai o paraíso Nino Rota e Maurice Jarre?” Alguns já morreram, mas continuam vivos: Yann Tiersen (Amelie), Nicola Piovani (A vida é bela); Hans Zimmer (rei Leão e Gladiador), Vangelis (Carros de Fogo, Blade Runner, Conquista do Paraíso)…. É que o Mozart era o melhor do seu tempo, e era o tempo do Haydn (!), e marcou a História da Música porque a revolucionou, ao contrário de Énio que foi um compositor de continuidade.

A música de Mozart não precisou do Énio Morricone para nada, mas a música de Morricone tem lá o Mozart todo dentro (o clarinete com a orquestra, por exemplo no Cinema Paraíso).

Chato por chato, umas Bodas de Fígaro, com a diversidade do canto das suas personagens (que Morricone copia com o bom, o mau e o feio) durante duas horas e meia sabem-me sempre a pouco (e nunca é chato nem monótono), enquanto uma hora de Morricone dão-me sono, apesar de achar muita piada ao uivar do coiote feito pela flauta, pela ocarina e pela voz (The good, the bad and the ugly), mas ao fim de algum tempo já apetece que alguém dê um tiro ao coiote. É que Deus é Deus, e o Santo António é só o santo António porque anda com Deus ao colo, como a Dulce Pontes não é Amália, apesar de ter cantado a Canção do Mar e ter conhecido o Énio Morricone.

Pronto, está perdoada, e desculpem a chatice…


sábado, 2 de maio de 2020

A BANDEJA



No filme Brexit, recentemente exibido na TV, há uma cena em que o ideólogo da campanha, a favor do Brexit, se ajoelha numa rua de um bairro social para perceber que o barulho que ele ouve vem das profundezas da Terra. A Esquerda e o Centro, vivem atualmente numa bolha que os impede de ouvir esse ruído que vem do fundo da realidade. Foi essa bolha em que vivem, que os fez transformar as celebrações de Abril e de Maio deste ano, na bandeja com que carregam os valores da Liberdade e da Democracia para os entregar nas mãos dos seus inimigos. 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

SERÁ O LIVRE UM PARTIDO NEOCOLONIALISTA, RACISTA E PIDESCO?



Que Portugal, a exemplo de outros países europeus, equacione a devolução de património dos territórios outrora colonizados parece me bem. Que essa equação seja desenhada com os governos desses países, ponderando os prós e contras da devolução de um património que sendo deste ou daquele país africano é, no entanto, património da nossa história comum, que merece ser estudado, analisado e investigado, ponderando-se qual o melhor local para o depósito do mesmo para que se torne acessível ao maior número de interessados, parece-me uma atitude inteligente. Gostaria de ter ouvido a deputada do Livre propor formas de cooperação com os governos dos países africanos, nomeadamente para o desenvolvimento de estudos africanos nas universidades, cá e lá, mas tal não aconteceu. Infelizmente o nível da generalidade dos nossos deputados é mau e Joacine, deputada do Livre e cidadã Portuguesa, não foge à regra. Em sede de discussão orçamental faz propostas sem cabimento nessa discussão, substituindo-se aos governos dos países africanos num paternalismo neocolonial de quem se julga na necessidade de defender os interesses dos povos representados por esses governos como se não lhes reconhecesse capacidade para tal tarefa, como outrora se justificava o colonialismo.
Não contente com o despropósito neocolonial, a proposta aponta para uma “Comissão multidisciplinar composta por museólogos, curadores, investigadores científicos (história, história da arte, estudos pós-coloniais e decoloniais) e ativistas anti-racistas…”(sic). Ora a presença de ativistas de qualquer espécie numa comissão que se quer científica só pode significar o pendor inquisitorial e “disciplinador” sobre o pensamento desses cientistas, cabendo aos ativistas verificar o que se pode e não pode dizer, como se de uma pide se tratasse. Nenhum cientista que se preze poderá fazer parte de uma tal comissão.
Na mesma proposta o Livre afirma que aquela comissão deve ir “no sentido de estimular uma visão crítica sobre o passado esclavagista colonial”. Não tendo eu dúvidas sobre a responsabilidade esclavagista colonial do meu país, não vejo que uma comissão que devia ser bilateral, entre a potência colonizadora e os ex-colonizados, deva deixar fugir a oportunidade para estimular também uma visão crítica sobre o passado esclavagista dos potentados africanos de então, pelo que só posso entender a proposta do Livre como profundamente racista.
Goste-se ou não, foram as potências colonizadoras quem pôs fim à escravatura pois esta desonrava os valores que o Ocidente colonizador defende e defendia e que deixou como património aos países colonizados. Uma visão crítica sobre a responsabilidade dos potentados africanos não só é precisa como é necessária, promovendo a igualdade.
Apesar de tudo, e ao contrário do que se disse, há património que eu, como português, não aceito devolver: a riqueza étnica e multicultural que o colonialismo nos trouxe. Joacine é portuguesa e não se devolve. Mas como deputada de uma nação que honra o seu passado, responsabilizando-se pelo que fez de mal e orgulhando-se pelo que fez de bem, tem de perder os tiques neocolonialistas, racistas e pidescos.