sexta-feira, 22 de novembro de 2013

PARA QUE SERVE UM MUSEU?... E UNS BRINCOS?!

          Os brincos, porque belos e feiticeiros, são amuletos contra a má sorte. Ao ligarem-nos ao mundo espiritual dão sentido à existência, e o seu valor é garantia para o futuro. Servem para alguma coisa?
           Formosas são as tuas faces entre os brincos, e o teu pescoço com os colares…, diz a Bíblia daquela por quem Salomão se apaixonou. Ainda precisam saber para que servem os brincos? 
           
           Quando Napoleão se preparava para enfrentar o exército dos mamelucos que detinham o poder no Egipto a coberto do império Otomano, vendo as pirâmides nas areias do deserto, incentivou as suas tropas gritando-lhes: Soldados! Do alto destas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam!
           Ganhou a batalha e o Egipto.
           Napoleão sabia o valor do simbolismo do passado e usou-o para conquistar o presente e construir o futuro. É para isso que servem os museus. Fazer de ponte para que o presente atravesse do passado para o futuro.

          Os pequenos museus das nossas vilas não possuem a porta de Ishtar da Babilónia nem os frisos de mármore do Partenon. As nossas vilas, ao contrário dos sítios onde se guardam aqueles tesouros, são contemporâneas dos persas e dos gregos que fizeram as portas e os frisos, e que as visitavam encantados com as belezas e riquezas que nelas encontravam. E se temos de ir a Madrid para ver no Prado um Velásquez, foi porque numa vila como a nossa nasceu a princesa portuguesa que o tornou possível.
           Os museus das nossas vilas têm a ara romana e a coluna dórica que nos dizem que já invocávamos Júpiter e Apolo, e ecoavam nos trigais e vinhedos os versos de Virgílio, quando Berlim era ainda um pântano onde só se ouvia o coaxar das rãs. Dizem-nos ainda que por aqui se bebia a água dos aquedutos e se viajava nas estradas empedradas de Trajano, quando Moscovo nada mais era que um ponto lamacento de passagem do rio na rota das caravanas. Descobrindo-nos assim no museu da vila, fitaremos, olhos nos olhos, os grandes do mundo.
          Não temos jóias que ofusquem o tesouro de Veneza nem o brilho das sedas de Gengis Khan, mas temos os honestos brincos das mulheres que nos castros das nossas serras encorajavam os guerreiros celtas a combater para sermos o que somos, e que nos inspiram para construirmos o que queremos ser.

Quando discutirmos em Bruxelas havemos de nos lembrar da mó árabe e da beleza curvilínea da relha do arado que no museu da nossa vila vimos. Há-de essa memória aguçar o nosso engenho e imaginação para sabermos exigir os meios para o fabrico do pão de amanhã. Se hoje ainda não conseguimos, foi porque a falta da visão da beleza de um museu gerou filisteus incapazes de negociar com quem se agiganta ouvindo Wagner em Bayreuth.
           Sem as nossas pedras, os nossos ossos e os nossos adornos seríamos ninguém. Como as nossas avós a quem roubassem as arrecadas de ouro pendentes das orelhas, ficaríamos despidos perante a adversidade e a oportunidade.
           Sabermos quem somos e como fomos é importante para criarmos a identidade e a força que precisamos para enfrentar os desafios do futuro, por isso não podemos baixar os braços quando o museu fica deserto. Há que abri-lo. Mudá-lo se preciso for, para ir ao encontro das populações… Para que saibam!
 


sábado, 16 de novembro de 2013

SARAMAGO, NO SEU ANIVERSÁRIO

 
Saramago faz hoje anos. Há quem o deteste e quem o adore. De Saramago gosto mais do artesão que é das letras portuguesas do que do homem que nos quer contar uma história. No Memorial do Convento, contudo, adorei o artesão e o contador de histórias.
          Gosto do Saramago escritor pela força das suas metáforas, mas o homem que foi obnubilou o que escreveu. Nem todos os grandes escritores foram pessoas recomendáveis, Céline é um exemplo, mas interrogavam mais do que afirmavam, e assim impediam o contágio entre o homem e o escritor.
          Não me choca o Saramago iconoclasta mas confesso que nunca lhe achei grande jeito para essa aventura. Para deicida era demasiado pueril. É certo que este é o tempo de um Richard Dawkins e não de um Nietzsche, e por isso falta espessura à época.
          Saramago, por exemplo, na sua ânsia de falar de Deus nunca se atreveu a declará-Lo morto, preferindo denegri-Lo. Esquecia-se do óbvio, e em vez de falar das lutas e angústias dos homens que inventaram deus, falava mal do deus inventado. Se Deus foi inventado pelos homens, nas palavras de Saramago, e sendo esse Deus cruel, como muitas vezes o demonstra o antigo testamento, isso só significa que os homens, cruéis, inventaram um deus à sua imagem e semelhança. Falando mal desse deus, Saramago esqueceu-se que afinal falava mal dos homens.
           Ao tentar atacar Deus, com tanto relato por escolher, falhou completamente o flanco quando usou Caim e o livro do Génesis, um dos livros mais maravilhosos sobre a aventura do Homem. Atentamos então nesse capítulo 4 de um livro que os homens inventaram e vejamos o que esses homens nos quiseram dizer e que Saramago quis usar.
          Todos conhecemos o conto que nos diz que Caim, o primogénito de Adão e Eva, fez uma oferta dos frutos da terra que desagradou a Deus, e que Abel ofertou cordeiros gordos e suculentos do seu rebanho para muito agrado do mesmo Deus. Caim não gostou da falta de isenção de Deus e matou Abel que, ainda não disse, era irmão de Caim, também filho de Adão e Eva porque a curva de Malthus começava então o seu caminho. Isto é o que em regra todos sabem mas esperaria que Saramago soubesse um pouco mais. Soubesse por exemplo que Deus, inventado ou não, dando pela falta de Abel e encontrando Caim lhe perguntou:
-       Onde está o teu irmão Abel?
…e que Caim se apressou a responder com outra pergunta, como em regra fazem quem tem algo a esconder:
-      Sou, por ventura, guarda do meu irmão?
           E quem era então Abel, irmão de Caim? E porquê que os seus sacrifícios caíam no goto do Senhor? Saramago tinha obrigação de saber, mas não o demonstrou.
           Abel tinha como meio de subsistência o gado que crescia de acordo com a vontade da natureza e que se criava nos pastos verdes regados pelas gotas do orvalho das manhãs. Por isso Abel, que não possuía a terra, agradecia com o coração, como dizia santo Agostinho, a dádiva da natureza. Abel era o proto chefe índio Seattle, que a ONU transformou num ícone da defesa do ambiente (…a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra…). Era assim a modos que membro honorário do partido dos verdes que o partido comunista gosta de levar à ilharga, mas Saramago não viu isso.
           E Caim, que se recusou a ser guarda de Abel para se tornar no seu assassino, quem era?
           Um fazendeiro. O homem que julga possuir a terra de onde tira o alimento. O homem que fundou uma cidade e cujos filhos fabricaram todos os instrumentos de cobre e ferro e as armas que matam (Gn 4, 17.22). É o grande proprietário que cria assalariados e deixa morrer à fome o irmão que não produz, porque não se julga guarda do seu irmão. O homem para quem tudo tem um preço e por isso a sua oferta não agradou. Em suma, é o burguês capitalista, mas Saramago não viu isso.
            Saramago não viu a história do Homem, das suas lutas, ambições e frustrações e o caminho que o conto apontava como do agrado de Deus: a solidariedade entre todos, como irmãos. O socialismo?!.
            Não viu porque se cegou com o deus inventado. Ao querer culpar Deus, desculpou o capitalista; Saramago, o comunista.
             Saramago escreveu outro grande livro: O ensaio sobre a cegueira. Quem melhor que um cego para escrever sobre a cegueira?

 
 Gravura de autor desconhecido, existente na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América.

sábado, 9 de novembro de 2013

CUNHAL E O MURO DE BERLIM

 

O muro de Berlim caiu faz hoje 24 anos. Foi derrubado por todos aqueles que se atreveram a passá-lo e deram a vida por isso. Se não fosse a sua coragem e o seu amor à liberdade, talvez hoje ainda lá estivesse. O que se pode dizer mais?

Cunhal faria amanhã 100 anos. Não sei se justificou o muro, mas o partido a que presidiu e o seu órgão de informação justificaram, como justificaram os crimes do regime que defendiam. Pior, expulsaram quem não se calou e não justificou!

A luta pelos seus ideais não podia justificar o silêncio e muito menos a defesa dos atentados à liberdade, como o daquele muro que caiu.

É difícil falar mal de Cunhal. Como formigas ou vermes somos esmagados pela bota enorme que é a história da sua vida. A sua coragem e o seu desprendimento calam-me toda a revolta contra os seus crimes, que me estala no peito.

E que crimes cometeu Cunhal? O silêncio sobre os crimes que os regimes comunistas cometeram é o seu maior e, talvez, o seu único crime.

Pecado grande é o da omissão. Talvez um dos maiores.

Camus, que também nasceu há 100 anos, um comunista que não mentiu nem silenciou, disse, ao receber o Nobel, que havia dois compromissos difíceis de manter, mas ambos imperativos: a recusa de mentir sobre aquilo que sabemos e a resistência à opressão. Cunhal cumpriu um desses imperativos.

Cunhal talvez mereça que falem bem dele. Eu não consigo.



quarta-feira, 6 de novembro de 2013

PRINCESA QUE VESTE NA ZARA NÃO É COOL, É PINDÉRICA

 
É sabido que a França atingiu um pico de prosperidade no reinado de Luís XIV, o rei absoluto. De entre as industrias que se desenvolveram, a do luxo e da moda devem tudo ao rei que gostava de se mascarar de Sol e que obrigava a nobreza a trajar “decentemente”, contrariando a mesquinhez e sovinice de alguns. Moliére, um protegido do rei amante das artes, retratou, em “O avarento”, o tipo de gente rica que não gasta o que tem.
Desse mal, da sovinice, não sofria o rei Luís que resolveu criar um novo cargo na corte: Grand Maitre de la garderobe du roi. O oficial do cargo tinha como única e exclusiva função cuidar do guarda-roupa de sua Majestade.
Se o rei desenvolvia as artes e os ofícios, tornando-se seu mecenas, então que toda a nobreza lhe seguisse o exemplo. Ordenou que toda a nobreza passasse a estar sempre na moda. Os nobres, aflitos, passaram a gastar balúrdios com casacas, vestidos, rendas, sapatos, botas, perucas, luvas, etc., mais o perfume que devia mudar todos os dias… E porque tais ataviados e arrebiques não se dão bem com o pó das ruas, lá vinha carruagem condigna mais a parelha de luzidios alazões, para alegria de correeiros, ferreiros e outros mecânicos que tais!
A indústria agradeceu e encarregou-se de inventar sempre novas modas para desespero dos chefes de família.
O rei, magnânimo, não ficou por ali. Decidiu que qualquer pessoa, independentemente da sua classe social, podia entrar nos jardins de Versalhes desde que vestida à moda e com o luxo que convinha ao local, podendo assim admirar os numerosos eventos aí ocorridos, o carrossel, e até ver o rei passeando com Madame de Maintenon toda de seda chiffon!
Escusado será dizer ao leitor, amargurado com a austeridade, e desabituado do brilho de lantejoulas e lamés, que o incremento da indústria foi enorme, sendo a moda e o luxo um dos legados que dá lucro à França e alimenta e dá trabalho a muito pobre por esse mundo fora.
O rei subsidiava assim a industria obrigando a nobreza e a classe média a consumir. Alimentando a vaidade, evitava o ressentimento dos ricos face a este imposto disfarçado.
Leio agora que sua majestade, a rainha das Espanhas, não dá festa de aniversário por causa da crise, e que a princesa parvenu inglesa veste na Zara e, pasme-se, repete sem vergonha a toilette, como vulgar menina do shoping.
Perde a indústria o cliente e os outros, vendo-se assim desobrigados, guardam o dinheiro levando à ruína comerciantes e industriais, criando mais desemprego.
Os media exultam e, no meio da demagogia, exultam os pobres que julgam ver os ricos com eles irmanados. Nada mais falso.
O que é que nós, os pobres, ganhamos com isso? Ou mais correctamente: O que é que vamos perder com isso? Porque, ou acabamos com os ricos ou obrigamo-los a gastar o que têm.  
A função de uma princesa é alimentar os nossos sonhos. Com isso gera emprego e diverte-nos. Não cumprindo a função, só resta aos pobres cortar-lhes na renda, para não lhes cortar noutras coisas…
Não é poupando que um rico se faz pobre, mas gastando.
O povo que lhes paga a renda, deve exigir-lhes o cumprimento do que é próprio à função, porque um modelo Dior numa princesa é uniforme de estado! A última coisa que precisamos para sair da crise é uma princesa pindérica.
Basta de austeridade. Abaixo as princesas da zara.
 
Notícia dos media: Kate Midleton veste modelo da Zara.



domingo, 3 de novembro de 2013

O OURO DA NAÇÃO

É um facto, que escapa a qualquer consideração ética, que as nações vitoriosas de uma guerra executam o saque das nações derrotadas. No fim da segunda guerra não foi diferente, por isso, os EUA, logo após o fim da guerra, deram início ao saque a que chamariam: Operation Paperclip. Consistiu a operação em levar para o território americano todos os cientistas alemães que eram alguém no mundo da ciência e da técnica, e foram muitos. Centenas, senão milhares. Questões de ordem moral como a participação no terror nazi foram torneadas, esquecidas, apagadas. O que interessava era o saque do saber alemão. O resultado é conhecido: a supremacia na corrida espacial e no armamento, tornando a América numa potência mundial do pós guerra.
Quando Estaline se deu conta do saque americano, apesar da entrada triunfante das tropas russas em Berlim, espumou de raiva. Distraído a saquear para a União Soviética o equipamento da forte indústria alemã que depois havia de apodrecer por falta de inteligência que a fizesse funcionar, só então percebeu que o verdadeiro ouro das nações é o saber que se esconde nas pessoas.
Portugal viveu momentos semelhantes na sua história: A expulsão dos judeus no reinado de D. Manuel foi um desses momentos. Basta pensar como Espinosa poderia ter nascido português. A expulsão dos jesuítas que foram brilhar nas universidades europeias foi outro momento onde a luta pelo poder se sobrepôs aos interesses da nação, mas o momento simbólico da morte da pátria deu-se quando a elite do país ficou para sempre nos campos do Norte de África.
Porque não temos governo mas um bando de meninos a quem os pais vestiram casaco como para um casamento ou baptizado, como diz António Lobo Antunes, não houve política capaz de impedir que a geração mais bem preparada se exilasse, agora a bordo das aeronaves lowcost. O trágico é que houve governantes que pensaram que isso era bom porque o nosso nome ficaria bem visto lá fora e aprenderíamos a sair da nossa zona de conforto. Seria bom se partissem para regressar com novos saberes com o país a recebê-los de braços abertos. Não foi e não será o caso.
Mais trágico é haver quem contraponha com os emigrantes reformados ricos que para cá vêm gastar o dinheiro, que nós, transformados em estalajadeiros, recebemos de mão estendida, enquanto nos seus países se fabrica prosperidade à custa do nosso saber.
A nossa tragédia tem já um guião que nem a lista de vinhos com que se parece o governo, nas palavras irónicas de Lobo Antunes (Aguiar Branco, Poiares Maduro…), impediram que se parecesse com um trabalho de estudante do programa Erasmo, onde a única ciência visível terá sido o hábil uso do programa Word, fazendo-o parecer maior do que é.
Nenhuma reforma do estado terá sucesso se não for capaz de conseguir estancar a hemorragia e fazer retornar à pátria o ouro da nação.