terça-feira, 30 de dezembro de 2014

JANUS, o deus das duas caras

 
Sempre me intrigou que o ano começasse no primeiro de Janeiro, um dia sem qualquer significado astronómico que justificasse a coroação como o primeiro de um ciclo. Poupando esforços ao leitor deitei mãos ao estudo para meu próprio esclarecimento e do caro leitor, que a época é de partilha.
O calendário que seguimos e que foi, por assim dizer, imposto ao resto do mundo, é o calendário gregoriano que por sua vez se limitou a copiar o calendário romano com pequenas alterações e iniciando-se com o nascimento de Jesus. O calendário romano começou por ser lunar e por isso pouco certo, que isto de andar na lua tem as suas desvantagens. Mais tarde o rei romano Numa Pompílio, tentando acertar com a coisa, introduziu o mês de Janeiro que calhava, mais ou menos, onde calha actualmente.
É Janeiro o mês do deus Janus, o que tem duas faces: uma olhando o futuro, outra olhando o passado, que o presente é uma abstracção. É também o deus dos portões e por isso das saídas e das entradas. O símbolo ideal para terminar um ano e iniciar um novo. Janeiro seria então o mês inicial. Mas como isto de luas nunca anda muito certo e sendo o primeiro dia do ano demasiado importante para ficar ao deus dará, Júlio César, conhecido pelo gosto por mulatas egípcias e por isso danado para a brincadeira, decidiu e decretou que o primeiro dia do ano e do mês de Janus se iniciasse na primeira lua Nova após o solstício de inverno, coisa que naquele ano aconteceu, vá-se lá saber porquê, oito dias depois. O Sol macho dava assim a ordem mas só quando a fêmea Lua aparecesse é que podiam começar as festividades, porque festa sem mulher pode ser muito moderno mas torna-se monótono.
Está agora o meu caro leitor a fazer contas de cabeça e a verificar que a coisa não dá certo e tem razão: é que de 21 de dezembro a 1 de janeiro oito dias não são contados. Qualquer homem que tenha esperado por mulher para uma festa sabe o quão incerto é o tempo que terá a espera. O mesmo acontece com a Lua. Se demorou oito dias para Júlio César não significa que mantivesse essa constância, pelo que esperar pela Lua Nova revelou-se um transtorno. Nenhum sindicato conseguia marcar as greves dos transportes a tempo do réveillon e o champagne acabava por aquecer. Alguém previdente resolveu então fixar um tempo razoável para a cura da ressaca das festas do solstício e evitar o congestionamento das marcações no cabeleireiro: onze dias fixos se contariam desde o solstício que alguma Lua apareceria nesse ínterim, rezando para que não fosse a da fase do quarto minguante que é sempre de evitar, e não se falou mais nisso. Nós, que às festas do solstício chamamos agora de Natal, agradecemos, pois o corpo não aguenta tanto excesso seguido sem intervalo adequado.
Como curiosidade saiba o leitor que a primeira Lua Nova após o solstício de Inverno de 2013 aconteceu precisamente a 1 de janeiro de 2014 iniciando-se assim o ano conforme a vontade de César. Já a primeira Lua Nova após o solstício de Inverno de 2014 deu-se exactamente um dia depois, a 22, pelo que o começo do ano de 2015 será em quarto crescente a caminho da Lua cheia o que só pode trazer bons presságios.
Um bom ano para todos e tenham cuidado com os excessos que a austeridade ainda não acabou.



terça-feira, 23 de dezembro de 2014

O PRESÉPIO


        Quando no século XI os turcos seljúcidas atacaram o que restava do velho império romano ameaçando Constantinopla, os estados europeus ameaçados a leste e a oeste, deram início ao movimento das Cruzadas para libertar a Terra Santa e pô-la de novo sob domínio cristão. Durou séculos esse movimento e no final perderam os cristãos.

Neste ambiente de cruzadas para libertar a terra Santa aparece aquele de quem Dante disse ser uma luz que brilhou no mundo: Francisco de Assis, menino rico e revolucionário que depressa percebeu que a revolução só é possível se for feita dentro de cada um de nós. Recusou a riqueza que possuía e, durante a 5ª cruzada, partiu para o Egipto para pregar aos cruzados o fim das guerras. Não lhe deram ouvidos e resolveu passar para o lado dos muçulmanos onde encantou, com o seu verbo e atitude, o sultão do Egipto.

Combate a guerra, bradava ele. Os amigos diziam-lhe que a guerra era necessária para libertar os locais onde Jesus nascera. Francisco, que há muito sabia que em vez de actuarmos em nome de Jesus devemos fazer como Jesus, e contrariando a ideia de libertar pela guerra o lugar onde o menino nasceu, foi para a floresta de Greccio, na Itália, e ali construiu o primeiro presépio em barro, para ensinar aos simples e aos pobres que o local onde Jesus quer nascer é dentro dos nossos corações, pelo que não importa de que lado está Belém.

A árvore de Natal simboliza a esperança no renascimento da primavera, mas o presépio simboliza a esperança de ver o menino Jesus nascer no coração dos homens, numa primavera luminosa.

Um bom Natal!



sábado, 20 de dezembro de 2014

CUBA LIBRE


       Ao contrário do que certa esquerda moderna apregoa, nomeadamente as novas correntes que grassam por Espanha, não existe um “leninismo amável”. Direi mesmo que juntar Lenine e amável numa frase é um oximoro, uma contradição dos termos. Não há, nunca houve, e não pode haver um leninismo amável, no entanto temos tendência a pensar o regime cubano como amável, esquecendo a prisão e a tortura. Julgo que tal facto se deve à empatia fácil que temos com as suas gentes e à forma alegre e divertida com que enfrentam e enfrentaram uma ditadura feroz e sanguinária, que lançou não só opositores na prisão como quis reeducar quem não se regia pelas regras do novo regime, como a prisão de homossexuais, para falar de temas tão caros a uma certa esquerda desmemoriada.
A onda de entusiasmo que varreu as ruas de Cuba face aos esforços de aproximação aos Estados Unidos significa somente que os cubanos sabem que a ditadura tem os dias contados e que cairá de forma pacífica se todos souberem estar à altura das circunstâncias, coisa que os republicanos americanos teimam em não estarem, preocupados com a falta de democracia cubana (a direita é tão desmemoriada quanto a esquerda), enquanto se esquecem que as ditaduras a que estão aliados não cairão tão fácil e tão depressa como cairá a cubana com quem não se querem aliar.
É velho cliché dizer que Cuba e os EUA estão condenados a darem-se bem, mas não deixa de ser uma verdade indesmentível. Foi a intransigência dos EUA quem pôs Cuba no colo do bloco soviético. É hora de assumirem as suas responsabilidades de potência dominante daquela zona do globo e darem a mão a um país que só procurava recuperar a dignidade naquele réveillon de 1959.
 


quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

BOLOS E TOLOS


Os bolos são como as pessoas: há-os belos por fora mas sensaborões por dentro, os que ficam assim com ar de quem recebeu uma carta do director das finanças mas que os pasteleiros exibem com vaidade dando-lhe o nome de “escangalhado” porque apesar das aparências são deliciosos. Depois há os de chocolate, de nozes, de maçã, de ananás, de chiffon, de mármore (salvo seja). Há-os recheados, ensopados e os cobertos de açúcar, de maçapão, de doce de ovos… e ainda há o “pão-de-ló”, que se for húmido come-se que é um regalo mas se for seco embucha. Uma coisa têm, no entanto, em comum: dão-se mal com o salgado!
Não fique o leitor embuchado e se tiver uma ou mesmo duas irmãs que passem as noites a cozinhar bolos, não faça como o outro e defenda-as, porque os bolos, ao contrário dos bancos, mesmo falidos servem para um tiramisu disfarçado ou um pavê requintado.

Na foto:
as irmãs dos banqueiros, toda a noite fazendo bolos!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

AS CARTAS, O VERMELHO E OS FERIADOS

 
 

Quando intitulei este meu blog de: Cartas das Caldas, estava longe de imaginar que o estilo epistolar iria renascer nas planuras do Alentejo.

Se as cartas de Valmont e madame Merteuil nos remetem para a intriga, já as do marquês de Sade, da marquesa de Alorna e do conde de Assumar nos lembram as agruras do cárcere, como as do preso mais famoso de Portugal (que ninguém se tenha lembrado de promover estudos sobre a apetência dos políticos da república para copiarem os tiques aristocráticos é coisa que me espanta). Não sabemos com que cor escrevia a freirinha Mariana Alcoforado desde a prisão de um convento, não de Évora, mas de Beja, mas tendo em conta o estado do seu amoroso coração, bem podia ter sido o vermelho. Não será, portanto, por a tinta ser vermelha que a coisa se torne mais inédita ou popular. Convém lembrar que o conde de Assumar escrevia a vermelho, porque só lhe restava o próprio sangue como tinta, ao passo que Jack, o estripador e o serial killer polaco Staniak gostavam de assinalar com aquela cor a própria psicopatia. Entre tiques aristocráticos e psicopatias vai um salto e reparo agora que esta história das cartas me foi desviando dos feriados que queria assinalar.

Cartão vermelho é o que este governo leva com a história dos feriados, confundindo produtividade com horas de trabalho, talvez levado pelo facto de que facilmente se esmaga a formiga trabalhadora enquanto que à cigarra cantadeira dificilmente alguém a apanha. Andou bem a Igreja católica quando, encostada à parede como em Savona, salvou o 8 de Dezembro em detrimento do 1º de Novembro (a Igreja tem a sabedoria milenar e ser Napoleão não é para quem quer, mas para quem pode). Os mortos não deixarão de ser lembrados e a festa da nossa mãe, padroeira, e rainha na sequência daquele 1º de Dezembro também ele roubado, é demasiada importante para ser descurada, não fosse ter ela sido antecedida pelas famosas deusas lunares pagãs da Lusitânia (a Lua lá está, e a serpente…). Povo sem os seus totems é amálgama de gente sem identidade, pelo que é caso para dizer: ide brincar com o xxxxxxo do vosso pai, que os feriados são importantes demais para chocarrices de gente sonsa.

Toda a minha vida estive ligado, de certa forma, a Nossa Senhora da Conceição, ilustre madrinha de baptismo de meu pai. Desde o baptismo feito na mesma igreja onde meus pais se casaram e que lhe está consagrada até à terra onde actualmente trabalho, e que tem aquela representação da Virgem como orago. Caldas da Rainha, onde vivo, tem a Senhora do Pópulo como orago mas a sua matriz, onde baptizei a minha filha, está consagrada a Nossa Senhora da Conceição. Eu e a minha mulher começámos a namorar pela festa da Imaculada Conceição e o nosso primeiro filho foi baptizado na igreja de Nossa Senhora de Lourdes, cuja aparição se identificou a Bernadette como sendo a Imaculada Conceição. Coincidência ou não, sinto-o como privilégio.

Nos dias de chuva, eu e a minha irmã mais velha, junto à janela onde se pendurava o ramo bento para livramento de trovoadas, rezávamos, não a santa Bárbara mas à Senhora da Conceição para que fizesse sol, chuva não.
 
Nossa Senhora da Conceição
faça sol e chuva não.
Está a chover, está a pingar
e a raposa no quintal
a apanhar laranjinhas,
para o dia de Natal!
 

… é tempo de ir ao musgo para o presépio!