Génesis 9, 3: “Tudo o que se move e tem vida servir-vos-á de alimento; dou-vos tudo
isso como já vos tinha dado as plantas verdes.”
Génesis
9, 20: “Noé, que era agricultor, foi o primeiro a plantar a vinha.”
Depois
de Caim ter morto Abel as coisas não correram muito bem para a humanidade que
se começou a portar muito mal (onde é que eu já ouvi isto?). O bom Deus,
deprimidíssimo, decidiu afogar aquilo tudo e mandou que se abrissem as
torneiras do céu. Isto do Dilúvio é uma história da treta, etc, e tal, dizem
pr’ái uns entendidos. A lenda é assíria e suméria, que nos fala do Gilgamesh,
como nós falamos do Noé. O certo é que até os gregos e os romanos têm uma
história do dilúvio, mas em vez de uma família dentro de um barco puseram dois
homens com os ossos de suas mães. Só mesmo os gregos, tá bom de ver.
Chamavam-se Decalião e Pirra e quando foi preciso povoar a Terra, atiraram com
os ossos das mães para trás das costas e assim a modos que uma clonagem,
nasceram homens e mulheres. Se os gregos corroboram esta catástrofe planetária
com patetices (dois homens num barco,
onde é que já se viu) já os Maias, do outro lado do mundo, falavam muito
seriamente de um dilúvio universal. Certo, certo é que os cientistas dizem que
sim senhor, pelo menos no Crescente Fértil, a coisa aconteceu.
Quando
Noé e a família saíram da arca, estava tudo destruído e naquele ano não houve
colheitas. Não teve outro remédio o Senhor Deus senão a autorizá-los a comer
carne, mas sem o sangue! E pronto, foi o fim dessa chatice de vegans e outros
aborrecimentos.
Não vos
trago uma receita de carne, ainda, pois o estômago delicado de Noé suportava
mal aquela novidade. Farto de tanta água, o patriarca não se lembrou de outra
coisa que não fosse pôr-se a plantar uma vinha. Dizem as más línguas que a
cultura dos cereais não se deu para fazer pão, mas cerveja, embora os lusitanos
a fizessem das bolotas. Noé, que era agora um cavalheiro, inventou o vinho e
apanhou uma carraspana que teve consequências que chegaram a explicar o
apartheid na África do Sul, mas isso são outras histórias.
Ora a
mulher de Noé (não lhe sabemos o nome que naquele tempo ainda não havia
igualdade de género) era muito poupadinha e enquanto o marido se embebedava talvez
se tenha lembrado de aproveitar as folhas das videiras para criar um prato
famosos em todo o Médio Oriente. A receita que vos trago é da Arménia, em cujas
encostas nasceu a primeira vinha da história porque foi ali que encalhou a
barca, e quem sabe se a receita não é desde os tempos da famosa arca.
Este
prato chama-se dolmades e costumam pôr arroz, que talvez tenha substituído a cevada,
pois seria o mais adequado nos tempos de Noé em que ainda não havia essas
chinesices. Também podem acrescentar carne picada que agora já é permitido. No
recheio ou à parte.
Antes de
sulfatar, colha algumas folhas de videira e reserve (também pode comprar de
conserva). Frite, sem queimar, bastante cebola, depois junte a cevada a dourar
ligeiramente, a seguir salsa picada, endro picado, hortelã picada, passas,
paprika, especiarias e pinhões. Misture bem e deixe cozinhar um pouco
acrescentando uma pinga de água. Se usar arroz não é preciso cozinhar que ele
irá cozer depois. Cubra um tacho com folhas de videira picadas para evitar que
os dolmades queimem. Esquente um pouco as folhas de videira. Eu aconselho mesmo
a cozê-las um pouco num tacho com água, pois são muito duras. Coloque uma folha
de videira com a parte áspera para cima e o pé virado para si. Coloque uma
colher da mistura junto ao pé e comece a enrolar os dolmades, começando por
enrolar o pé sobre a mistura, depois as laterais para dentro e só depois enrola
o resto, para que fiquem bem presos. Repita para as restantes folhas e
coloque-as no tacho com a última dobra para baixo. Coloque um prato por cima
para que os dolmades não fiquem a boiar. Acrescente sumo de limão e água até
atingir a borda do prato. Cozinhe em lume brando durante hora a hora e meia (as
folhas são muito duras como disse). Deixe esfriar no tacho sem lhe retirar o
prato. Pode servir com quartos de limão, ou com um molho grego de ovos e limão
em honra dos dois rapazes que ficaram sozinhos num barco, e que é muito
parecido com o nosso molho para um fricassé, ou com molho de iogurte ou natas.
Desçam à
adega a chamar o Noé para que a “touriga nacional” não lhe caia na fraqueza.
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