A 20 de
maio de 1977 o Coliseu dos Recreios de Lisboa vinha abaixo por causa da “cena
da loucura” da ópera Lucia di Lamermoor de Donizetti, uma ária de
exigência superior cantada e interpretada por Elizette Bayan. Como refere a
crónica do Diário de Notícias da altura, foi de tal forma que o próprio Alfredo
Krauss, o grande e famoso tenor espanhol que a acompanhava, no próprio palco e
no meio da cena, resolveu aplaudir também. Cinco meses depois tive a graça de a
ouvir e ver em Coimbra, na mesma ária e ópera, agora já sem Krauss, que o
dinheiro em Portugal nunca chega à Província, com o teatro Gil Vicente a vir
abaixo com os aplausos e com espectadores de lágrimas nos olhos. Era uma
cantora portuguesa. Uns meses antes, a canção “Portugal no Coração” com música
de Fernando Tordo, cantada pelo grupo “Os Amigos” ganhava o Festival da Canção.
No
programa de sala daquela noite memorável no Gil Vicente de Coimbra, que guardo
religiosamente, nada diz sobre a biografia daquela grande cantora. Voltei a
ouvi-la mais vezes. Na rápida pesquisa na net soube que foi condecorada por
Sampaio e pronto. Desconheço se ainda está entre nós, porque no coração de quem
a ouviu está com certeza.
O teatro
Nacional de São Carlos, a casa que em Portugal representa a excelência do canto,
onde ela foi a cantora principal, recebe hoje Fernando Tordo, um cantor que,
zangado com Portugal porque, na opinião dele, o votava ao esquecimento, rumou
ao Brasil na altura Meca para alguns artistas vitimados e injustiçados desta
Nação. Agora que aquela Meca foi invadida por hordas “almorávidas” acolhem-se
de novo ao coração da Pátria.
Portugal
tem hoje muitos e bons cantores de música popular que aprenderam com Fernando
Tordo e, superando o mestre, ganharam o Festival da Eurovisão. Na ópera, jovens
cantores fazem já percursos notáveis e a seguir, mas nenhum, que eu saiba, se
atreve à Lucia. Fico à espera que Elizette Bayan, se ainda cá estiver,
seja um dia convidada a subir ao palco do São Carlos para ouvirmos a orquestra
tocar para ela, como vai hoje fazer para Fernando Tordo. E, já agora, a Elsa
Saque, a Zuleika Saque, a Palmira Troufa, o José Fardilha, o Jorge Vaz de
Carvalho, e tantos, tantos outros, e já não vão a tempo do grande Álvaro Malta.