sábado, 25 de julho de 2015

COMO NÃO FALAR PORTUGUÊS


Há dias ouvi a um político, que outro político dissera uma “inverdade”. Percebi que teve medo que o outro se ofendesse. No mesmo nível de falta de alguma coluna vertebral está a frase: “com todo o respeito…”, que se diz quando se expressa opinião contrária, como se ter opinião fosse algo de que tivéssemos de nos desculpar. Tive saudades do tempo em que os políticos se batiam em duelo, e pensei que aquelas cenas de violência típicas de alguns parlamentos asiáticos, talvez fossem, afinal, uma boa forma de discutir opiniões em vez deste atropelo à língua para não ofender. Seja como for o político televisivo afirmou que o colega mentira.
É que a palavra “inverdade” não existe. Ou se diz uma verdade ou o seu contrário: uma mentira. Inverdade é língua de verme, animal sem coluna vertebral. Não é sequer um eufemismo, é só estupidez e assassinato da língua.
É assim que se vai matando a língua. Com a era informática o massacre agudizou-se. Não só pelos anglicismos inevitáveis mas pela confusão em distinguir o virtual do real. Tira-me do sério quando o computador e os colegas me pedem para “visualizar” o que aparece na pantalha. Que raio, nunca precisei de computadores para visualizar o que quer que fosse pois imaginação não me falta, mas sei muito bem ver o que me põem diante dos olhos. No computador vejo o que lá aparece, na minha cabeça, com a capacidade imaginativa, visualizo, até de olhos fechados, o parvalhão que entendeu substituir o ver por visualizar. E já não vou falar de “contratualizar”, outra inexistência, porque parto para a violência.
É uma gabela gentiaga que nunca saboreou o bordado de um Aquilino ou de um Camilo. À falta de riqueza de vocabulário, afofam-se e alçam o bestunto só porque “contratualizam” o alquilé das bestas. E assim, com a altivez e a ignorância ajoujadas, vão lendo os “aitâmes” do contracto. Pelo amor da santa! Quando é que vão perceber que item é latim e não inglês, essa língua de bárbaros? Insulta-se Séneca e Virgílio para fazer cócegas a Shakespeare.

Um dia destes, se me aparece uma seresma ou um taranta, a pedir-me que visualize um raio que os parta ou a inglesar o latim, mando-lhe com os guantes aos gorgomilos. Depois não digam que fui eu quem começou a zanguizarra!

sábado, 18 de julho de 2015

EM AGOSTO, DESGOSTO

O mês de Agosto é um mês aziago, e não é porque o acordo ortográfico obrigue a escrevê-lo com a inicial minúscula. Agosto é o mês de César Augusto, o primeiro imperador romano, e não se desse o caso de recusar o desacordo a que nos obrigam, era razão suficiente para lá colocar a inicial maiúscula. Não pelo imperador mas por Roma que foi a primeira ideia de Europa. Estamos em Julho que é do antecessor de Augusto, Júlio César, que nunca foi imperador mas deu o nome aos imperadores que se lhe seguiram: César, Kaiser, Czar ou Tsár, e logo, logo chega Agosto. Por isso fica o aviso.
Agosto é aziago, como já referi. Comprovadamente! Por exemplo, ninguém se casava em Agosto, porque os homens partiam para as viagens marítimas e deixavam as noivas suspensas em casamentos “brancos” o que era um grande azar, para a noiva e para o noivo. Depois o calor enerva e à falta de casamentos fazem-se guerras, como a primeira mundial que começou em Agosto seguindo-se logo a segunda também no mesmo mês. E mesmo aqui ao pé de nós, as batalhas da Roliça e do Vimeiro foram em Agosto o que foi um grande azar para os franceses, cuja rainha mandou matar os protestantes na noite de S. Bartolomeu, quando o diabo anda à solta em Agosto.
Foi em Agosto que Tito começou a destruir o Templo de Jerusalém, para azar dos judeus, e que se deitou a primeira bomba atómica sobre o Japão e se deu o desastre de Alcácer Quibir, onde os três reis envolvidos na batalha morreram. Cristóvão Colombo, um alentejano tão azarento que o tomaram por italiano devido ao sotaque, iniciou a sua viagem para o Ocidente em Agosto, o que foi um azar para os americanos.
Neste mês do imperador, inicia-se a construção do muro de Berlim, nasce Bill Clinton e a Gioconda de Leonard da Vinci é roubada do Louvre e, por azar, é encontrada, dois anos depois, em Setembro, tornando o museu numa perfeita nulidade porque os turistas não precisavam de tanto espaço só para verem um quadro. É muito azar junto.
Em Agosto a ópera ficou de luto por Enrico Caruso e foi encontrada morta a actriz Marylin Monroe. E o azar do mês de Agosto continua: em Portugal é criado, no século XIX, o ministério da Economia e Portugal nunca mais teve dinheiro nem economias. Mais de um século depois é divulgado o documento de Melo Antunes, apoiado pelo grupo dos nove, que diz que a economia não é comunista nem capitalista, talvez socialista… e sobre o dinheiro nada se disse. Ainda não é suficiente para acreditarem? Então levem com esta: em Agosto fundou-se a Confederação Suíça dando origem ao país mais chato do Universo. Acreditam agora?
O que fazer então? Pergunta-me o caro leitor, e eu respondo: Nada!
Se for do governo, para bem de todos nós, faça-se de morto e vá gozar férias para um sítio bem afastado, como por exemplo o Pacífico, e não se preocupe com tufões ou tsunamis. Evite as ilhas gregas que elas já têm azar que chegue.
Se não for do governo não faça nada, pela sua saúde. Em agosto deite-se à primeira sombra que encontrar e não mexa uma palha. Não faça rigorosamente nada e pode ser que o azar não dê por si. É aliás a única razão porque em Agosto se pagam fortunas em férias à beira mar: para morrer de tédio e afugentar o azar por inanição.
Vão ver como Agosto passa depressa, e com ele o azar. Em Setembro já não teremos crise, os Gregos rir-se-ão de tudo isto, e o Alberto João vai conseguir que alguém pague as despesas de Agosto.
A única coisa que é preciso é que não faça nada em Agosto. Senão sai asneira!
Boas férias.

                          

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Crónicas Gastronómicas VIII - É CANJA


        Correndo o risco de nos vermos todos gregos com a crise, não chega gritar ao vento que não somos iguais a eles. Manda o bom senso que usemos de cautelas. É que prudência e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Julgo assim chegada a altura de escrever sobre um caldo a que chamamos canja e que nos veio da China, como quase tudo. E olhem que não foi fácil.
E agora saltam de indignação os meus queridos leitores perante a heresia de insinuar que o nosso amável caldo de galinha e arroz não é de origem lusitana. Mas não! A sua origem não é portuguesa. Foram os chineses, ou o velho povo Tamil, que a inventaram que já andam nisto há muitos e bons anos. Diz a tradição que, há quase cinco mil anos, o “filho do Céu” Huang Di, um dos primeiros cinco imperadores chineses, cozinhou a primeira congee (do Tamil kanji), tendo usado painço que é mais antigo que o arroz e o trigo. Por isso, meus caros leitores, da próxima vez que comerem canja não se esqueçam de a servir em digna loiça de porcelana, que também é coisa chinesa, porque o humilde caldo tem mais pedigree que a maior parte dos candidatos a marqueses que por aí vemos.
A congee ou kanji, um caldo de arroz quase em papa, chegou-nos a bordo das caravelas, como referiu Garcia de Orta, e talvez tenham sido os portugueses a introduzir-lhe as carnes e a aligeirar a textura do caldo, que não se anda a roubar pelo mundo fora só para comer arroz. Serão os portugueses a dar a conhecer ao mundo o caldo de arroz e frango aportuguesando o tâmil kanji para canja. Livrem-se portanto de fazer canja com “massinha” que isso é heresia capaz de nos lançar no fogo dos infernos. Os portugueses adoram, os ingleses chamam-lhe um mimo e o imperador do Brasil não a dispensava na ópera: que não se atrevessem a iniciar o 3º acto antes que sua Majestade terminasse de chupar o último osso da perna. ( – Assim que abrir a temporada, Maria, no lugar das bolachinhas ou dos rebuçados para a tosse, que não falte um tupperware com canja no camarote do S. Carlos. Tenho dito!).
Arthur Wellesley, o famoso duque de Wellington que venceu Napoleão, aprendeu a arte de comer e os modos de estar à mesa, em Portugal. Riquíssimo depois do saque indiano, conseguiu, à terceira tentativa, a mão da menina Catharine Pakenham que viria a ter papel importante na história da canja. Quando o famoso general britânico cá chegou, para expulsar os franceses, era já um homem abstémio, que reduzira o consumo de vinho a uma mísera garrafa diária, e um esforçado desportista que não dispensava o cross diário matinal de 50 metros frente à sua tenda. Ao desembarcar na foz do Mondego, Wellesley hospedou-se em casa do pároco de Lavos, cuja mesa encantou o irlandês (mesa de abade, já se sabe!). O desembarque foi complicadíssimo, devido ao mau tempo, e durou três dias, pelo que o senhor ficou assim a modos que mal encarado. Uma mulher do povo, talvez cozinheira do padre António de Macedo, ofereceu-lhe uma canja de tal modo saborosa que o general, pelo seu próprio punho, escreveu a receita e enviou-a à esposa (há quem diga que foi a um amigo e não à esposa mas eu nesse triângulo não me meto, que não tenho jeito para hipotenusa). Cartas de amor com receitas culinárias, só mesmo de um homem apaixonado!
E agora temos um problema sério. Diria mesmo, seríssimo. Na receita que por aí se afirma ser a que consta do livro de memórias da extremada esposa de Wellington, substituiu-se o arroz por massa capote. Sabendo nós que o arroz se cultiva no baixo Mondego desde os tempos de D. Dinis, só podemos pensar que o general se perdeu na tradução, que isto de beber uma única garrafa de vinho por dia, depois de correr 50 metros, pode cair mal na fraqueza de um homem. Entre o sotaque figueirense da cozinheira, o latim do pároco e a caligrafia do general, alguma coisa deve ter acontecido que explique a heresia. Servir massa em Portugal no início do século XIX, quando se vivia rodeado de arroz, parece-me estranho, mas talvez a presença do pároco explique o luxo, ou a confusão.
A canja de galinha é, comprovadamente, milagrosa e cura qualquer doença menos a estupidez dos políticos que nos meteram nesta crise. Para constipações, diarreias e recuperação de parturientes não há melhor. Receitas há muitas mas, como estamos a poucos dias de comemorar o desembarque de Arthur Wellesley (8 de Agosto), deixo-vos a que serviram ao enjoado general irlandês:
Cozem-se numa panela com água, uma galinha do campo, orelha de porco salgada, pé de porco, chouriço velho, chouriço novo, toucinho salgado e toucinho fresco. Na mesma água da cozedura, tiradas as carnes, abre-se então a massa (ou o arroz) e junta-se hortaliça e cebola. Serve-se com um pouco de hortelã conforme o gosto, tudo misturado ou com as carnes à parte. Vinho tinto a acompanhar (não abusar que o general é abstémio) e como sobremesa: laranjas, como ofereceram ao duque de Wellington, ou não fosse o vale de Mondego, terra de citrinos, outra chinesice como a canja.

Bom apetite.
P.S.: eu gosto de massinha na canja.

Receita roubada daqui:
http://www.gastronomias.com/receitas/rec0262.htm


segunda-feira, 6 de julho de 2015

SILOGISMOS GREGOS




Numa Ágora onde não esteve presente a coragem para rupturas, Atenas venceu Esparta. Esqueceu, porém, que só um espartano disposto a morrer pôde conter o avanço dos persas nas Termópilas. Entretanto Pirro faz escola.



sexta-feira, 3 de julho de 2015

FALAR DA GRÉCIA


Pediram-me para falar da Grécia. Que sei eu de finanças e de economia para falar da Grécia? Lembrei-me de Saramago, que era um excelente escritor (ganhou um Nobel), mas um péssimo leitor: disse que a Bíblia era um manual de maus costumes. Ou Saramago não leu a Bíblia ou não soube lê-la. Ora vejam se o falar da Grécia não seria um pouco diferente se lêssemos o que diz este pequeno trecho do capítulo 15 do livro do Deuteronómio. Bem sei que o Antigo Testamento, ao contrário do Novo, não foi escrito em grego, mas serve:

Deuteronómio, capítulo15: Ano do perdão das dívidas 1«De sete em sete anos, cumprirás a lei do perdão das dívidas. 2Eis a explicação deste perdão: nenhum credor poderá exigir o empréstimo que tiver feito ao seu próximo. Não exercerá contra o seu próximo e contra o seu irmão violência alguma, quando for anunciada a remissão em honra do SENHOR. 3Ao estrangeiro poderás exigir, mas quanto às dívidas do teu irmão farás a remissão.
4Em verdade, não deve haver pobres entre vós, porque o SENHOR te abençoará na terra que Ele próprio te há-de dar em herança para a possuíres; 5mas só se ouvires a voz do SENHOR, teu Deus, para guardares e cumprires todos estes preceitos que eu hoje te ordeno. 6Então o SENHOR, teu Deus, te abençoará como prometeu: poderás emprestar a muitos povos, mas não terás necessidade de pedir emprestado; dominarás muitos povos, mas eles não te dominarão.
7Se houver junto de ti um indigente entre os teus irmãos, numa das tuas cidades, na terra que o SENHOR, teu Deus, te há-de dar, não endurecerás o teu coração e não fecharás a tua mão ao irmão necessitado. 8Abre-lhe a tua mão, empresta-lhe sob penhor, de acordo com a sua necessidade, aquilo que lhe faltar. 9Guarda-te de alimentar no teu coração um pensamento perverso, dizendo: ‘O sétimo ano, o ano do perdão das dívidas, está próximo’, recusando-te sem piedade a socorrer o teu irmão necessitado. Ele clamaria ao SENHOR contra ti, e aquilo tornar-se-ia para ti um pecado.

Afinal falei do Saramago e da Bíblia. Falo agora da tropa. Quando lá andei ensinaram-me que ou chegamos todos juntos, ou não chega nenhum. Não se deixam os companheiros pelo caminho e não se diz: eram 19, ficam 18!
Falei da Grécia? Talvez!