quinta-feira, 28 de maio de 2015

FEIRA DE LIVROS


Começou a feira do Livro de Lisboa. Uma feira de livros era impensável há 500 anos porque o livro era uma jóia cara, valiosa, e perigosa! Não se deixava assim à mão de semear. Hoje só não lê quem não quer.
É sempre uma alegria poder percorrer o parque por entre as bancas de livros e, havendo dinheiro, um prazer comprá-los. Lê-se pouco e mal, infelizmente, e todos os dias deparamos com o resultado: a ignorância. Quando esta é reconhecida por quem a tem, estamos na presença de um sábio, quando não, temos um néscio pela frente. É o que sucede a muitos tudólogos que proliferam por aí e por aqui. Antes dizia-se: “de médico e de louco todos temos um pouco”, mas agora é ver quem bota faladura nas redes sociais, sobre tudo e coisa nenhuma: eles são médicos que conhecem a dieta milagrosa, financeiros que têm o segredo contra a austeridade, políticos que sabem o melhor para a comunidade, historiadores que julgam que Afonso Henriques está enterrado em Guimarães, botânicos que entendem de poda e acham que sementes causam alergias, confundindo-as com pólens, estetas que afirmam que uma árvore frondosa e de copa natural se parece com um monstro (juro que li). Ignorância disfarçada de cultura.
O livro mais antigo que se conhece é a epopeia de Gilgamesh, um herói lendário dos tempos sumérios. Escrito em verso sobre 12 tábuas de barro há quase quatro mil anos, manteve-se desaparecido até que os arqueólogos o desenterraram em 1840 perto da cidade de Mossul. Poder-se-ia pensar que por isso este épico não influenciou a história, ou pelo menos a história do Ocidente. Nada mais falso. O seu teor transparece nas lendas do Próximo e Médio Oriente e no texto bíblico do livro do Génesis e do Eclesiastes. Se Gilgamesh é, talvez, o primeiro texto registado, a Bíblia é o primeiro livro a ser impresso e foi beber às mesmas fontes. Ler os primeiros livros da Bíblia é assim estar próximo do mais antigo texto alguma vez escrito e das primeiras cosmogonias conhecidas. Ninguém poderá ser suficientemente culto se não tiver lido, pelo menos, o livro do Génesis da Bíblia, independentemente do seu interesse ou desinteresse religioso.
E já agora leiam a epopeia de Gilgamesh. Quem sabe a encontram na feira!? Deixo-vos este pequeno excerto tão parecido com o Eclesiastes.
Gilgamesh, para onde vai a tua pressa? Nunca encontrarás essa vida que procuras. Quando os deuses criaram o homem, atribuíram-lhe a morte; mas a vida, essa ficou para eles. Quanto a ti, Gilgamesh, enche a barriga de coisas boas; de dia e de noite, de noite e de dia, dá-te a danças e alegrias, a festas e a júbilos. Que as tuas roupas sejam novas, banha-te na água, acarinha o menino que te pega na mão e torna feliz tua mulher no teu abraço; porque também isso cabe ao homem.


Excerto de GILGAMESH, versão de Pedro Tamen do texto inglês de N.K.Sandars, colecção: Sinais da Escrita Vega, 2ª edição em 2000

4 comentários:

  1. Como gostei mais uma vez de ir beber á tua fonte de conhecimento, não me canso de aqui vir

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    1. Fonte de conhecimento não sou. Talvez tanque que enche com as fontes que encontro. Virem cá beber enche-me de alegria.

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  2. Cá vim eu também beber.
    Mais uma lição aprendida.

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    1. Obrigado pelo apoio, Manuela. Mas lá diz o Gilgamesh que devemos encher a barriga com coisas boas e se não fosse a preguiça e a falta de talento, bem podíamos aprender consigo: http://coisasimplesaoreceita.blogspot.pt/

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