Começou a feira do Livro
de Lisboa. Uma feira de livros era impensável há 500 anos porque o livro
era uma jóia cara, valiosa, e perigosa! Não se deixava assim à mão de semear.
Hoje só não lê quem não quer.
É sempre uma alegria
poder percorrer o parque por entre as bancas de livros e, havendo dinheiro, um
prazer comprá-los. Lê-se pouco e mal, infelizmente, e todos os dias deparamos
com o resultado: a ignorância. Quando esta é reconhecida por quem a tem, estamos
na presença de um sábio, quando não, temos um néscio pela frente. É o que
sucede a muitos tudólogos que proliferam por aí e por aqui. Antes dizia-se: “de
médico e de louco todos temos um pouco”, mas agora é ver quem bota faladura nas
redes sociais, sobre tudo e coisa nenhuma: eles são médicos que conhecem a
dieta milagrosa, financeiros que têm o segredo contra a austeridade, políticos
que sabem o melhor para a comunidade, historiadores que julgam que Afonso
Henriques está enterrado em Guimarães, botânicos que entendem de poda e acham
que sementes causam alergias, confundindo-as com pólens, estetas que afirmam
que uma árvore frondosa e de copa natural se parece com um monstro (juro que
li). Ignorância disfarçada de cultura.
O livro mais antigo que
se conhece é a epopeia de Gilgamesh, um herói lendário dos tempos sumérios.
Escrito em verso sobre 12 tábuas de barro há quase quatro mil anos, manteve-se
desaparecido até que os arqueólogos o desenterraram em 1840 perto da cidade de
Mossul. Poder-se-ia pensar que por isso este épico não influenciou a história,
ou pelo menos a história do Ocidente. Nada mais falso. O seu teor transparece
nas lendas do Próximo e Médio Oriente e no texto bíblico do livro do Génesis e
do Eclesiastes. Se Gilgamesh é, talvez, o primeiro texto registado, a Bíblia é
o primeiro livro a ser impresso e foi beber às mesmas fontes. Ler os primeiros
livros da Bíblia é assim estar próximo do mais antigo texto alguma vez escrito
e das primeiras cosmogonias conhecidas. Ninguém poderá ser suficientemente
culto se não tiver lido, pelo menos, o livro do Génesis da Bíblia,
independentemente do seu interesse ou desinteresse religioso.
E já agora leiam a
epopeia de Gilgamesh. Quem sabe a encontram na feira!? Deixo-vos este pequeno
excerto tão parecido com o Eclesiastes.
…
Gilgamesh,
para onde vai a tua pressa? Nunca encontrarás essa vida que procuras. Quando os
deuses criaram o homem, atribuíram-lhe a morte; mas a vida, essa ficou para
eles. Quanto a ti, Gilgamesh, enche a barriga de coisas boas; de dia e de
noite, de noite e de dia, dá-te a danças e alegrias, a festas e a júbilos. Que as
tuas roupas sejam novas, banha-te na água, acarinha o menino que te pega na mão
e torna feliz tua mulher no teu abraço; porque também isso cabe ao homem.
Excerto
de GILGAMESH, versão de Pedro Tamen do texto inglês de N.K.Sandars, colecção:
Sinais da Escrita Vega, 2ª edição em 2000
Como gostei mais uma vez de ir beber á tua fonte de conhecimento, não me canso de aqui vir
ResponderEliminarFonte de conhecimento não sou. Talvez tanque que enche com as fontes que encontro. Virem cá beber enche-me de alegria.
EliminarCá vim eu também beber.
ResponderEliminarMais uma lição aprendida.
Obrigado pelo apoio, Manuela. Mas lá diz o Gilgamesh que devemos encher a barriga com coisas boas e se não fosse a preguiça e a falta de talento, bem podíamos aprender consigo: http://coisasimplesaoreceita.blogspot.pt/
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