Quando Zeus, transformado em águia,
raptou o jovem Ganimedes, tornou o acto pederasta num modelo de beleza e de
amor erótico para a literatura, escultura e pintura até ao dealbar dos nossos
dias. E nem a música escapou quando Schubert cantou o poema que Goethe dedicou
ao jovem. Se o deus podia...!
Todos os artistas retrataram a cena
ora com sensualidade exuberante, ora contida, mas sempre idílica como a
escultura de Fernandes de Sá no jardim da Cordoaria no Porto. Rembrandt, no
entanto, já no século XVII, e em contracorrente, pintou o rapto como uma cena
atroz: a águia escura e monstruosa e o pequeno pastor transformado em bebé que
se mija aterrorizado quando elevado nos ares. Não faço ideia se quem encomendou
a obra ao pintor holandês ficou satisfeito com o resultado pouco erótico, mas o
facto é que Rembrandt expressou naquela obra os sentimentos do nosso tempo a
propósito do abuso dos velhos sobre os novos.
Num mundo tão licencioso como o nosso,
assustado com a própria liberalidade, que inventa listas que não evitarão os
abusos sobre as crianças, há sempre o perigo de confundir afectos com “raptos”,
e antes que acabemos todos, à americana, a acusar as próprias crianças de
assédio, neste estapafúrdio caso da professora e do aluno convém lembrar que
nem todos os adultos são águias, nem os adolescentes, Ganimedes mijões. Se nos
pomos a imitar Rembrandt acabamos a borrar a pintura.
na imagem: "O rapto de Ganimedes" de Rembrandt, roubado daqui:
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