Diz-se que a língua
portuguesa faz hoje oitocentos anos, mas não é correcto. Simbolicamente
comemoramos hoje a nossa língua por ter sido nesta data, há oitocentos anos,
que se redigiu um documento oficial. Era no entanto falada e escrita há muito
mais tempo. Anterior ao testamento de Afonso II foi descoberto outro documento
de 1175: uma nota de fiadores com as dívidas do pobre Pelagio Romeu, atingido
pela crise, triste sina de quem na Europa fala português.
Portugal tem tratado
mal a sua língua, desde logo com o malfadado acordo ortográfico, não divulgando
no ensino, como mereciam, os nossos poetas e escritores, e permitindo a
introdução de neologismos absurdos que nada acrescentam à compreensão e à
comunicação, muito pelo contrário, como recentemente aconteceu na televisão
pública. Ouviu-se e leu-se a palavra clutch
para designar uma pequena carteira de senhora. Só a apresentadora e uma
concorrente de entre seis conheciam a inglesa palavra que em português
significa embraiagem, um galicismo, e que a televisão pública decidiu ser uma
pequena carteira de senhora, talvez por decisão de alguma marca comercial de
acessórios, violando as regras mais elementares de um concurso falado em
português. Assim se corrompe uma língua com mais de oitocentos anos.
Não nos admiremos pois
que a comunidade dos países de língua oficial portuguesa também se tenha
rendido aos negócios vendendo a língua a uma ditadura que viola
sistematicamente os direitos humanos. Fecha-se o negócio no próximo mês, para
não apagar o lustre das festas.
Para as comemorações,
recomendo então que se mande cantar nos Jerónimos uma missa de Requiem!
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