Sempre aprendi que só se
devem fazer as perguntas para as quais se sabem as respostas e estas nos
convêm, por isso não compreendo que se tenha desperdiçado a oportunidade para
um referendo à monarquia em Espanha. Perdendo-se a oportunidade pode muito bem
acontecer que sejam obrigados a perguntar quando já não souberem a resposta ou
esta não convir ao príncipe. Mandava o bom senso, simpatizante monárquico o
confesso, que se referendasse a monarquia derrotada em 1931, uma vez que em
1977 não houve alternativa capaz. Paradoxalmente talvez seja, afinal, o bom
senso que impede esse referendo. É que o mesmo correria o risco de se tornar
num encapotado referendo à independência da Catalunha. Embora nada indique que
a monarquia perdesse na totalidade da Espanha, podia perder naquela Comunidade
Autónoma. A Espanha vive assim um dilema e Filipe VI ou será hábil ou não será
rei por muito tempo. Se a actual dinastia dos Bourbons se iniciou com o reinado de Filipe V que marcou o declínio
da Espanha na Europa e no mundo, pode muito bem ser que termine com este Filipe
VI marcando o declínio da Espanha… na Espanha.
Muitos
dos que exigem o referendo são os mesmos que afirmam faltar democracia às
monarquias constitucionais. Criam assim o paradoxo de querer referendar um
sistema não democrático, o que não abona a seu favor. Jacobinos serôdios e
românticos, prisioneiros da febre que varreu o século XIX, gritam que a
Monarquia não é democrática por o rei não ser eleito. Não querendo entrar no
conceito de república versus democracia que é cheio de ambiguidades, sempre
direi que não vejo onde possa haver qualquer decréscimo de democraticidade numa
monarquia constitucional onde o rei é só o representante do Estado e da Nação,
conforme uma constituição devidamente referendada. Convém lembrar que nas
nossas democracias um dos órgãos de soberania, os Tribunais, não é eleito.
Em
democracia interessa que o poder executivo e legislativo seja eleito e que
represente a maioria dos eleitores, ao mesmo tempo que garanta a
representatividade das minorias. Eleger um presidente com 50% dos votos mais
um, carece, a meu ver, de legitimidade por não estarem representadas as
minorias, transformando a democracia numa imposição maioritária.
Deixar a representação
da Nação, que não o governo, aos caprichos da natureza sobre uma família que
simbolicamente liga o passado com o futuro da Nação, livre de ideologias
partidárias, parece-me muito mais racional por paradoxal que seja, enquanto
considerarmos a família como a célula principal da sociedade, como se toda a
nação fizesse parte dessa mesma família. Parece-me também muito mais
representativa: não sendo eleita por ninguém, também não é imposta por alguém.
Não há imposição de uma maioria sobre uma minoria. A cama e o travesseiro
sempre foram bons conselheiros, diz o Povo! Não se é rei por mérito, dirão, e é
verdade. Nasce-se para rei como se nasce português ou espanhol. Não há nem
mérito nem escolha. Depois aprendemos a ser parte da nação que não escolhemos
como o príncipe aprende o cargo que não escolheu. Vemos nascer, educar e morrer
o rei, como algo que é de todos nós. Como o filho a quem não escolhemos a cor
dos olhos ou do cabelo. Aprendemos a ser Nação pelos afectos. Não pelo voto nem
pela razão.
Uma Espanha dividida
pelas suas diferenças precisa de um rei que simbolize as suas semelhanças. As
da história, da cultura e das tradições. Cervantes pertence aos espanhóis como
Picasso e Dali. Não de castelhanos, andaluzes ou catalães. Um andaluz, Lorca,
escreveu belíssimas canções na língua galega, tal como Gil Vicente e Camões
escreveram em castelhano e Afonso X em português.
Como Fernando Pessoa,
considero o sistema monárquico como o mais próprio para os povos ibéricos mas,
tal como Fernando Pessoa, considero-o completamente inviável em Portugal. Por
carência de monárquicos e excesso de toureiros, fadistas, e tios e tias com
tiques aristocráticos. É que marquesas nem as dos hospitais.
Viva
el Rey!
E então, que sistema Pessoa propôs para nós? :) Gostei muito deste texto; muito mais que um manifesto pela monarquia, faz-nos pensar na falta de garra que há em nós, ibéricos modernos. É um desapego à nação pegado pela globalização. E porque não se pode tomar um comprimido para se gostar de touradas, reis e príncipes ou danças folclóricas, resta-nos ser nativos do globo e gostarmos todos do mesmo, que é mais fácil...
ResponderEliminarPessoa era cheio de contradições. Um tradicionalista, cuja pátria era a língua portuguesa e no entanto escreveu excelente poesia em inglês. Não investiguei para saber porque Pessoa achava que a monarquia era inviável aqui apesar de achar que seria o melhor. Se calhar é porque nós nunca aceitamos aquilo que é melhor para nós.
EliminarDá muito menos trabalho sermos "nativos do globo", como diz a Rita. Gostei muito do texto, muito pertinente, embora eu não me reveja (ainda) no conservadorismo. Mas gosto tanto dessa precisão de argumentos disfarçada de sátira que faz saber bem beber da História contada por si... :) BF
ResponderEliminarConservar o que vale a pena conservar. Sou conservador nesse sentido porque embirro com a ideia de que o moderno é sempre melhor só porque é a última moda. As monarquias souberam reformar-se e dão hoje uma melhor resposta que as representações do Estado saídas do século XIX. Obrigado pelo comentário BF, é sempre um gosto saber que somos lidos e "criticados".
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