Porque Junho é o mês dos casamentos,
vou aqui ensinar o método antigo e eficaz de tratar uma cabra de forma a
torná-la comestível. A história mete vinho tinto, freiras em convento e
militares franceses em campanha. Uma combinação explosiva que fez com que na
região à volta de Coimbra se passasse a servir, nos banquetes de casamento,
cabra dura e velha cozinhada em vinho tinto. Chamam-lhe chanfana e tem berço no Convento de Semide de Miranda do Corvo, na
encosta da serra da Lousã, diga o que disser a confraria que a registou em Vila
Nova de Poiares.
Governavam a região, com
justiça e mão forte, as abadessas do convento, pelo que o povo, religiosamente,
no fim do Verão, ali ia entregar as carnes devidas por imposto. Sabe o povo,
quando oprimido, descobrir as manhas para aligeirar a canga que lhe põem em
cima e o convento, em vez de carneirinhos suaves, abarrotava de cabras velhas e
duras de roer. Se o povo tem manhas, mais as têm as mulheres obrigadas à
reclusão de um convento. Aprenderam a suavizar as cabras mergulhando-as em
vinho tinto. Adoçavam-se ao trato e mantinham-se Inverno fora. Quantos de nós
não sabemos por experiência própria o que um bom tinto é capaz de fazer quando
se quer ferrar o dente e em vez de cabritinha meiga e doce, nos sai cabra
sabida e rebelde!
Quando os soldados de
Napoleão irromperam por aquelas serras, sem respeito por nada nem ninguém,
pilhando galinhas, ovelhas e a virtude das moças, decidiu o povo, por vingança,
empeçonhar os poços, porque o que o diabo
tem de levar, antes se dê a Deus. Matava-se a bicheza, fornecedora de
viandas, mas agonizavam os franceses. Ficaram só as cabras que sobem aos montes
para beber o orvalhado das ervas negando as águas dos vales. Se as boas freiras
de Semide conseguiram salvar a virtude face à investida do marechal Massena não
sabemos - o que o vento traz, o vento
leva - mas salvaram-se da fome. A delas e a do povo que lhes seguiu o
exemplo cozendo a cabra com vinho já que a água matava.
Pegue-se então na cabra
aos bocados, salvo seja, mete-se numa caçoila de barro preto e ofereçam-lhe um
dia num SPA. Bem massajada em azeite, banha, alhos pisados com casca, pimenta,
sal, colorau, salsa, louro e noz-moscada, coberta de vinho tinto bem encorpado,
deixem-na banhar-se de um dia para o outro. No começo da noite anterior à boda,
acenda-se o forno de cozer o pão, deixando-lhe dentro as brasas. Mete-se a
caçoila bem coberta com folhas de couve, tapa-se a porta com cinza ou massa de
farinha e fica a cozer até que os noivos regressem do altar onde se prometeram.
Diga lá o leitor se haverá cabra que resista a um tratamento destes?
No fim da boda, antes
dos noivos se recolherem, devem as mães da noiva e do noivo, cuidar que ficam
bem aconchegados para que não haja negaças. Para isso vão entremeando fatias de
pão com couves cozidas, sendo a última camada de couves. Rega-se tudo com o
molho que sobrou e os restos de carne que houver e vai ao forno a tostar.
Chama-se a isto a sopa do casamento e
se o noivo lamber os beiços e molhar a sopa,
ouvir-se-ão os primeiros vagidos lá para a Primavera.
Sem comentários:
Enviar um comentário