domingo, 1 de junho de 2014

COMO TRATAR UMA CABRA

 

          Porque Junho é o mês dos casamentos, vou aqui ensinar o método antigo e eficaz de tratar uma cabra de forma a torná-la comestível. A história mete vinho tinto, freiras em convento e militares franceses em campanha. Uma combinação explosiva que fez com que na região à volta de Coimbra se passasse a servir, nos banquetes de casamento, cabra dura e velha cozinhada em vinho tinto. Chamam-lhe chanfana e tem berço no Convento de Semide de Miranda do Corvo, na encosta da serra da Lousã, diga o que disser a confraria que a registou em Vila Nova de Poiares.

Governavam a região, com justiça e mão forte, as abadessas do convento, pelo que o povo, religiosamente, no fim do Verão, ali ia entregar as carnes devidas por imposto. Sabe o povo, quando oprimido, descobrir as manhas para aligeirar a canga que lhe põem em cima e o convento, em vez de carneirinhos suaves, abarrotava de cabras velhas e duras de roer. Se o povo tem manhas, mais as têm as mulheres obrigadas à reclusão de um convento. Aprenderam a suavizar as cabras mergulhando-as em vinho tinto. Adoçavam-se ao trato e mantinham-se Inverno fora. Quantos de nós não sabemos por experiência própria o que um bom tinto é capaz de fazer quando se quer ferrar o dente e em vez de cabritinha meiga e doce, nos sai cabra sabida e rebelde!

Quando os soldados de Napoleão irromperam por aquelas serras, sem respeito por nada nem ninguém, pilhando galinhas, ovelhas e a virtude das moças, decidiu o povo, por vingança, empeçonhar os poços, porque o que o diabo tem de levar, antes se dê a Deus. Matava-se a bicheza, fornecedora de viandas, mas agonizavam os franceses. Ficaram só as cabras que sobem aos montes para beber o orvalhado das ervas negando as águas dos vales. Se as boas freiras de Semide conseguiram salvar a virtude face à investida do marechal Massena não sabemos - o que o vento traz, o vento leva - mas salvaram-se da fome. A delas e a do povo que lhes seguiu o exemplo cozendo a cabra com vinho já que a água matava.

Pegue-se então na cabra aos bocados, salvo seja, mete-se numa caçoila de barro preto e ofereçam-lhe um dia num SPA. Bem massajada em azeite, banha, alhos pisados com casca, pimenta, sal, colorau, salsa, louro e noz-moscada, coberta de vinho tinto bem encorpado, deixem-na banhar-se de um dia para o outro. No começo da noite anterior à boda, acenda-se o forno de cozer o pão, deixando-lhe dentro as brasas. Mete-se a caçoila bem coberta com folhas de couve, tapa-se a porta com cinza ou massa de farinha e fica a cozer até que os noivos regressem do altar onde se prometeram. Diga lá o leitor se haverá cabra que resista a um tratamento destes?

No fim da boda, antes dos noivos se recolherem, devem as mães da noiva e do noivo, cuidar que ficam bem aconchegados para que não haja negaças. Para isso vão entremeando fatias de pão com couves cozidas, sendo a última camada de couves. Rega-se tudo com o molho que sobrou e os restos de carne que houver e vai ao forno a tostar. Chama-se a isto a sopa do casamento e se o noivo lamber os beiços e molhar a sopa, ouvir-se-ão os primeiros vagidos lá para a Primavera.



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