Agora que chega o Verão é
necessário começar a pensar no que levar para o pic-nic, pelo que aqui darei
conta de uma famosa receita de sandes que devem o seu nome ao conde de Sandwich
que ao jogar às cartas mandou que lhe servissem a carne entre duas fatias de
pão para que não tivesse de interromper o jogo. Virou moda e toda a gente
passou a pedir “o mesmo que o Sandwich” e o bom do nosso pastor serrano nunca
chegou a saber que aquilo que trazia no bornal e que a boa da Maria lhe
preparava, tinha nome tão fino.
Na Inglaterra
continuamos para então vos falar das famosas sandes da rainha Alexandra, mulher
de Eduardo VII que tem parque ali ao marquês onde florescem os jacarandás. Trata-se
de uma receita apropriada a senhoras de estirpe e agora que o parque se cobriu
de roxo e azul, sempre podem merendar à sombra.
Era Alexandra mulher
belíssima quando foi recebida em apoteose pelos ingleses que assim saudavam a
noiva vinda da Dinamarca, contrariando Shakespeare que dizia nada de bom vir
daquele reino. Menina prendada viveu em tempo de carestia apesar de serem os
pais presuntivos reis da Dinamarca. Habituou-se assim ao rigor e à economia pelo
que poupava no comer.
Casou-se com o então
príncipe de Gales, filho da rainha Vitória, numa cerimónia que foi marcada pelo
caos, não porque faltasse a comida mas pelos maus fígados da rainha. Insistiu
que o casamento se fizesse durante a quaresma e na apertada capela do castelo
de Windsor, birra de viúva que se
recusava a sair de casa. Os outros que viessem até ela, que não se é Senhora do
Mundo sem razão.
Encafuados na aldeia dos
arredores de Londres, reis, príncipes e imperadores lutaram por um lugar onde
se visse alguma coisa e houve mesmo um lord que julgando estar em Khyber pass, no Afeganistão, saltou por
cima das filas de bancos para conseguir o livrinho da cerimónia para a sua
lady. Durante a cerimónia, sem conseguir parar quieto, o futuro Kaiser alemão, neto garoto da rainha, não
achou nada melhor para se entreter do que ferrar os dentes de leite nas pernas
do tio que o kilt escocês
desnudava, demonstrando desde cedo o gosto de morder nas canelas dos ingleses,
prática que manteria em adulto. Terminada a cerimónia e já na boda, o duque de
Cambridge, cumprindo a tradição, atirou o sapatinho da noiva que foi bater na
cara do primo, o príncipe de Gales que era o noivo, fazendo com que o mordomo
proferisse a célebre frase, “não vai mais vinho para aquela mesa!”
No fim do repasto a
estação abarrotou com a fina flor da aristocracia europeia que então viajava de
comboio. O arcebispo da Cantuária que presidiu à cerimónia, viu-se envolvido
num autêntico combate corpo a corpo para conseguir entrar na carruagem principal.
Chamou em seu socorro o guarda da estação que lhe recomendou que se agarrasse à
carruagem seguinte se queria chegar a horas de ouvir tocar as Vésperas na
catedral de São Paulo. A esposa do primeiro-ministro deu-se por satisfeita com
um lugar na terceira classe mas teve que levar o marido ao colo enquanto a simples
carruagem se iluminava com o brilho dos diamantes no valor de mais de
500 000 libras da marquesa de Westminster. Nada como os ingleses para
organizarem uma festa!
Mulher de hábitos simples,
Alexandra saía para os jardins e bosques em redor do palácio levando na cesta
as suas célebres sandwichs que preparava do seguinte modo: batia muito bem um
bom punhado de manteiga sem sal com uma pinga de sumo de limão e mostarda bem
picante. É o melhor para uma relação, manteiga suave e escorregadia, apimentada
com um pouco de mostarda. O príncipe, apesar do jejum da quaresma, sempre lhe
fez cinco filhos, mas depressa fugiu para outras paragens indo alambazar-se com
linguado au cognac no Maxim’s de Paris, porque não era homem
de sandes. Ainda se fosse um prego ou uma bifana… Alexandra julgou que era azia
e acreditou sempre que era ela quem ele amava pois só a trocara por actrizes e
vendedoras de flores. Gostava do chinelo e gostos não se discutem, dizia a
bondosa princesa a uma amiga íntima que acumulava a profissão de actriz com a
de amante do príncipe.
Depois de bem misturada
a manteiga com o limão e a mostarda, guardem-na no frigorífico, como a relação
dos príncipes de gales. Desfiem a carne de um frango ou galinha que sobrou de
outras refeições, ou cozam uma para o efeito, e com um garfo misturem com
mayonnaise fazendo uma pasta que vai a temperar com um pouco de pimenta preta
moída na altura e molho picante, de preferência, tabasco.
Barrem fatias de pão de
forma escuro com a manteiga de mostarda e coloquem uma fina fatia de borrego
assado ou língua estufada. Sobre esta fatia espalhem a pasta de galinha e
mayonnaise e, por se tratar de sangue azul, convém terminar com uma coroa de folhas
de rebentos de mostarda ou, em substituição, folhas frescas de agrião, que não
sendo tão aristocrata é burguês que baste. Coloquem outra fatia de pão por cima
e cortem a sandes em quadrados mais pequenos que a gente fina come como os
passarinhos.
Coloque as sandes na
cesta onde guardou a toalha aos quadrados e uma manta para estender, escolha um
bom vinho para acompanhar e vá até à mata mais próxima. Convide o
guarda-florestal que sempre é mais seguro que um príncipe, e se vir o lobo mau,
convide-o também!
Só tu para me fazeres sorrir a imaginar as cenas com as senhoras cheias de folhos a tentarem arranjar um lugar no trem, quanto às sanduíches gostei vou experimentar mas sem guarda florestal pois aqui perto de casa não os há
ResponderEliminarTudo o que escrevi é verdadeiro. A ficção está só na forma de contar. Se não tens guarda florestal podes sempre procurar o lobo mau.
EliminarEsse já o tenho escondido cá em casa mas não gosta de piqueniques
ResponderEliminar:))
EliminarEstá muito bom! :) Fiquei com curiosidade de saber mais histórias do mordedor :)
ResponderEliminarO mordedor foi o Kaiser (imperador) da Alemanha, Guilherme II, o último que a Alemanha teve e que na altura tinha 4 anos. Protagonista da 1ª guerra mundial lutou contra os tios e primos ingleses. Defeituoso de nascença, tinha um braço mais curto que o outro o que o impedia de comer de garfo e faca.
EliminarExcelente, excelente.
ResponderEliminarO que me ri ao lê-lo. Adorei a descrição.
Obrigado, Manuela. Também me divirto a escrever e ainda mais quando gostam do que escrevo.
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