A única tirania que
suporto é a que os meus gatos exercem sobre mim. Partilho com os muçulmanos
este amor pelos gatos. Conta-se que o Profeta Maomé, que a paz e bênção de Alá
estejam sobre ele, ao ouvir o chamamento à oração, cortou a manga das suas
vestes para não incomodar o gato que adormecera sobre ela. Além do amor pelos
gatos partilho com o Islão, o gosto pelo convívio da rua. Intriga-me a relação
dos homens com a mesquita e com a oração, e o canto do muezzin no alto dos
minaretes, maravilha-me. Entre mim e o Islão vai, no entanto, a diferença entre
a carta aos Coríntios de S. Paulo (Tudo
me é permitido, mas nem tudo é conveniente… 1 Cor 6, 12), a carta aos Romanos
(É na nova existência do Espírito que
somos servos e não na existência caduca da letra da lei. Rm 7,6) e a
tirania da Charia.
Quando visitei Istambul
fiquei maravilhado com os gatos da cidade. Há-os por todo o lado. Nas ruas mais
movimentadas, nos cafés, nos museus, dentro da própria Hagia Sophia, nos cemitérios. Ao contrário do mundo católico, que
pela pobreza de espírito de um Papa os associou à bruxaria, o mundo islâmico
reconhece a nobreza do gato aparentado com o leão, a sua limpeza e o seu
inestimável serviço como guardião de celeiros. O
amor pelos gatos levou os turcos a fundar hospitais para os tratar. Seguindo o
conselho de Mark Twain, outro amante de gatos, dispus-me logo a considerar os
turcos como amigos e companheiros (quando
um homem ama os gatos, torno-me de imediato seu amigo e companheiro sem
precisar de qualquer apresentação).
Foi também por isso, pelo
respeito aos turcos, amantes de gatos, que visitei o túmulo de Maomé II, o
conquistador de Constantinopla, junto à mesquita de Fatih, apesar de
representar, na História, “o inimigo”. No tempo em que o Islão era um elemento
civilizador, Maomé II conquistou a última capital do velho império romano cujos
defensores perdiam tempo discutindo o sexo dos anjos (como hoje). Ao entrar na
Igreja de Hagia Sophia, deitou terra sobre o turbante em sinal de respeito.
Depois, e sendo ele próprio descendente de princesas gregas, casou com uma
fidalga grega (bizantina), deu cargos importantes aos sobrinhos e herdeiros do
último imperador bizantino (seus potenciais opositores), chamou a população em
fuga e nomeou o patriarca cristão ortodoxo, governador da cidade. Sendo já
sultão dos muçulmanos, entendeu manter a grandeza de Roma autoproclamando-se
César de Roma, soberano supremo dos cristãos. Não podia deixar de prestar a
homenagem devida a tão grande homem. O Islão carece de homens assim. A
cristandade (ou o ocidente) também.
Ao contrário de o
conquistador de Constantinopla, que soube transformar inimigos em companheiros,
Erdogan elimina inimigos e imagina opositores. O seu autoritarismo chega ao
ponto de querer acabar com os gatos nas ruas de Istambul.
Erdogan não gosta de
gatos!
imagem: cemitério dos monges derviche do mosteiro Mevlevi (sufi) em Galata (Istambul)
Eu adoro gatos e espero que lá para Istambul também continuem a adorar.
ResponderEliminarEles gostam mesmo dos gatos. Dão-lhes de comer e aturam-lhes as traquinices. O Erdogan é que parece que não.
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