Porque hoje é dia da França
que tem um galo como símbolo, tal como nós, e que ficou um pouco depenado,
veio-me à saudade um dos pratos típicos da minha terra: galinha à cafreal.
Um dos alimentos mais
comum em Moçambique é a galinha. De tal maneira que os técnicos dos caminhos de
ferro que estudaram a ligação ferroviária para a Zâmbia, na zona de Tete, tendo
unicamente aquela ave como sustento, lhe dedicaram um monumento que
julgo que por lá estará ainda.
À cafreal porque feita
por negros, tal como o golo que nos deu a vitória no Euro, e que deixou os
franceses com um grande galo. Cafreal é uma palavra de origem semita que se
referia aos agricultores que semeavam, escondendo a semente na terra. A palavra
passou então a designar aquele que esconde ou cobre. Após o aparecimento do islão
os árabes passaram a designar assim todos aqueles que recusavam a fé islâmica,
nomeadamente os indígenas a sul do Sahara. Os portugueses, que conseguem confundir
os franceses, julgaram que a palavra designava os negros, passando então para o
português como referência àqueles e à zona de África por eles habitada. O termo
em inglês tem, no entanto, uma significação mais racista e acintosa.
A galinha à cafreal é
assim um churrasco feito à moda dos negros. Lembro-me de um criado, numa das
praias de Inharrime (sul de Moçambique), que assava assim as galinhas,
pintando-as, cheio de paciência, com uma pena molhada de azeite. Ficavam deliciosas.
Na cidade comiam-se na cervejaria Laurentina, que julgo ainda existir. A interculturalidade
da cidade de então obrigava a cervejaria a aceitar que os muçulmanos trouxessem
as suas próprias galinhas, mortas de acordo com o preceito religioso, e
assavam-nas então da maneira que trazia fama ao restaurante: vários bidons
abertos ao meio cheios de brasas com uma rede por cima, no páteo do restaurante
(não existia a ASAE). Lembro-me ainda de, em miúdo no mato, ir comprar galinhas
ao terreiro de uma velha negra que as entregava vivas depois de lhes arrancar
umas penas da cauda, para qualquer feitiço ou sortilégio que desconheço.
O segredo é de
polichinelo. Sal, alho e piripiri ligados com azeite. Deixa-se repousar
temperada para tomar o gosto e depois vai a assar na brasa. A temperatura das
brasas é um segredo que só a experiência ensina. A suficiente para assar
lentamente. Durante a assadura vai-se “pintando” com azeite e sumo de limão.
Uma curiosidade: a
galinha, ou o frango, não se abrem pelo peito como se vê por aí, mas pelas
costas, deixando que o peito fique inteiro. Convém bater um pouco com um
martelo para que fique bem espalmada. Depois é só comer acompanhada de uma
sagres ou superbock na falta da laurentina.
De referir que o azeite é uma inovação colonial, pelo que o método tradicional era usar óleo de palma. A receita tradicional é feita com galinha do mato, daí o hábito de a abrir pelas costas pois tem o peito maior.
ResponderEliminarSó tu! Não existes
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