Henrique Raposo é um
historiador “amestrado” em Ciências Políticas (a piada não é minha mas vem
assim escrito no site da empresa que lhe vende os livros). É também cronista em
jornais e revistas, mantendo uma crónica semanal no Expresso, sendo esta a
qualidade que o torna conhecido. Escreveu um livro onde conta coisas do seu
Alentejo, ao que parece no mesmo tom com que escreve as crónicas: provocador. Como
toda a gente sabe o Alentejo é aquela zona do país que foi adoptada pela
burguesia como ersatz de um campo que
nunca vivenciou. Tal como os adoçantes substituem o açúcar sem engordar, o
Alentejo permite que os burgueses da capital sujem as botas com a lama que
salpica dos jeeps, evitando assim o cheiro do chiqueiro dos porcos que nunca
conheceram. O Alentejo vinga-se tornando-se hoje na zona do país onde se pode
comer e beber a preços semelhantes aos dos boulevards
de Paris, sem que a qualidade corresponda sempre ao preço exorbitante. Por isso
o Henrique Raposo, apesar de alentejano, não podia meter-se com o Alentejo.
Caiu o Carmo e a Trindade e já quiseram proibir-lhe o livro. Parece que diz
muitos disparates, tal como o Orçamento do Estado deste governo e de todos os
governos que o antecederam. Diz ele que as alentejanas deixam-se violar por
desconhecerem termo em português que defina o acto e acrescenta que os
alentejanos se suicidam muito por causa de coisas que não correspondem à
verdade no parecer dos especialistas. Isto, é claro, foi o que eu ouvi dizer
porque, à semelhança dos que querem proibir-lhe o livro, não o li nem faço
tenção de o ler.
Raquel Varela, que é tão
inteligente como bonita, isto é: muito, licenciou-se em Direito e fez pós
graduações em História, dedicando-se à investigação dos fenómenos sociais. Do
alto da sua cátedra, no programa da RTP3: “O Último Apaga a Luz”, desancou no
Henrique Raposo, que deve estar habituado pois há muito que é o saco de boxe da
Esquerda pensante do país. Afirmou que o senhor só dizia disparates mas que lhe
reconhecia o direito de os dizer e, por isso, era contra qualquer tipo de
censura. Afirmou que quer as mulheres do Norte quer as do Sul nunca falam em
violação porque dizem “aquilo”, e quem não sabe disto é tolo. Eu acho que
Raquel Varela tem razão (entre o Henrique Raposo e a Raquel Varela eu escolho
sempre a Raquel), mas escusava, para fazer valer o direito ao disparate, de
afirmar disparates. Que diabo, que um cronista de jornais diga disparates, a
gente percebe, mas que a Professora Titular Visitante da Universidade Federal
Fluminense faça análise social sem se desligar dos seus preconceitos
ideológicos e anti-religiosos, para além de disparatado é pouco científico.
Ainda às voltas com o levantamento popular generalizado dos colonizados nas
ex-colónias que a Professora diz ter havido sem que nós, os colonos, tenhamos
dado por isso, ouvi agora na TV, a professora dizer que o Alentejo tem muitas
razões para explicar os numerosos suicídios, e adiantou um: O Alentejo é mais
pagão (sic), muito por influência (no pensar dela) das raízes islâmicas, pelo
que a Igreja não impôs ali o medo do pecado e assim, os alentejanos podiam, sem
culpa, suicidar-se, ao contrário dos do Norte que se arrastavam pela vida sem
lhe pôr termo com medo das penas do Inferno (desconheço se Raquel Varela alguma
vez leu Torga que escreveu sobre o “abafador” que as gentes do norte usavam
como eutanásia). Eu, que não sou do norte nem do sul, mas do XXXsul, sempre
adianto que quer a imensidão da planície quer a pequenez do vale entre serras
me aumentam a pulsão suicida. Por isso prefiro o mar ficando a aguardar que
Raquel Varela me explique porquê.
Ora sendo o Islão, tal
como o Judaísmo, a religião que mais combateu e combate o paganismo, acusando
mesmo os católicos, fazendo coro com judeus e protestantes, de contemporizarem
em demasia com o paganismo, daí o culto das imagens, há de a professora Raquel
Varela explicar como foi que o Alentejo ficou pagão. E há de explicar ainda,
sendo o Norte tão católico, por que razão associamos a Galiza, Minho e
Trá-os-Montes a bruxas, aos maus-olhados e aos responsos, trazendo ao de cima
todo o paganismo celta mal apagado pelo fervor inquisitorial católico. Confunde
Raquel Varela descrença com paganismo, o que é um disparate pois não há nada
mais religioso que o paganismo.
O Alentejo não é muito
religioso, parece ser um facto (não sou especialista) mas é por isso que não
pode ser pagão, porque é descrente. Raquel Varela, tal como Henrique Raposo,
tem o direito ao disparate. Como Professora não tem o direito de colocar a
ciência de lado para fazer valer o preconceito ideológico que a toma por
inteiro. Pode errar mas não pode disparatar.
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