Formosas são as tuas faces entre os brincos, e o teu pescoço com os colares…, diz a Bíblia daquela por quem Salomão se apaixonou. Ainda precisam saber para que servem os brincos?
Quando Napoleão se preparava para enfrentar o exército dos mamelucos que detinham o poder no Egipto a coberto do império Otomano, vendo as pirâmides nas areias do deserto, incentivou as suas tropas gritando-lhes: Soldados! Do alto destas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam!
Ganhou a batalha e o Egipto.
Napoleão sabia o valor do simbolismo do passado e usou-o para conquistar o presente e construir o futuro. É para isso que servem os museus. Fazer de ponte para que o presente atravesse do passado para o futuro.
Os pequenos museus das nossas vilas não possuem a porta de Ishtar da Babilónia nem os frisos de mármore do Partenon. As nossas vilas, ao contrário dos sítios onde se guardam aqueles tesouros, são contemporâneas dos persas e dos gregos que fizeram as portas e os frisos, e que as visitavam encantados com as belezas e riquezas que nelas encontravam. E se temos de ir a Madrid para ver no Prado um Velásquez, foi porque numa vila como a nossa nasceu a princesa portuguesa que o tornou possível.
Os museus das nossas vilas têm a ara romana e a coluna dórica que nos dizem que já invocávamos Júpiter e Apolo, e ecoavam nos trigais e vinhedos os versos de Virgílio, quando Berlim era ainda um pântano onde só se ouvia o coaxar das rãs. Dizem-nos ainda que por aqui se bebia a água dos aquedutos e se viajava nas estradas empedradas de Trajano, quando Moscovo nada mais era que um ponto lamacento de passagem do rio na rota das caravanas. Descobrindo-nos assim no museu da vila, fitaremos, olhos nos olhos, os grandes do mundo.
Não temos jóias que ofusquem o tesouro de Veneza nem o brilho das sedas de Gengis Khan, mas temos os honestos brincos das mulheres que nos castros das nossas serras encorajavam os guerreiros celtas a combater para sermos o que somos, e que nos inspiram para construirmos o que queremos ser.
Quando discutirmos em Bruxelas havemos de nos lembrar
da mó árabe e da beleza curvilínea da relha do arado que no museu da nossa vila
vimos. Há-de essa memória aguçar o nosso engenho e imaginação para sabermos
exigir os meios para o fabrico do pão de amanhã. Se hoje ainda não conseguimos,
foi porque a falta da visão da beleza de um museu gerou filisteus incapazes de negociar com quem se agiganta ouvindo Wagner
em Bayreuth.
Sem as nossas pedras, os nossos ossos e os nossos
adornos seríamos ninguém. Como as nossas avós a quem roubassem as arrecadas de
ouro pendentes das orelhas, ficaríamos despidos perante a adversidade e a
oportunidade. Sabermos quem somos e como fomos é importante para criarmos a identidade e a força que precisamos para enfrentar os desafios do futuro, por isso não podemos baixar os braços quando o museu fica deserto. Há que abri-lo. Mudá-lo se preciso for, para ir ao encontro das populações… Para que saibam!
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