“Génesis 4, 2: «Depois, deu também à luz Abel, irmão de Caim. Abel foi pastor, e Caim,
lavrador.”
Caim
matou Abel por inveja. Como é que Abel era pastor e Caim lavrador, quando o
estágio humano se limitava ainda à recolecção, é um mistério. Mas o importante
da história é que Adão pastoreava o seu gado não estabelecendo fronteiras, percorrendo
o território e preservando a sua bio diversidade, enquanto Caim estabelecia a
posse da Terra, controlando-a. É conhecida a velha querela entre pastores e
agricultores, porque os rebanhos não conhecem limites e invadem as searas. O
resultado é sabido: Caim matou Abel, irmão contra irmão. Mas deixemos o malvado
Caim amargurar-se no fel do ódio alimentado pela posse dos frutos da Terra, e
vejamos o que comia o livre Abel.
Abel
tinha rebanhos, é certo, mas como estávamos ainda no período pré Noé, não havia
autorização para o consumo da carne. Então por que raio Abel tinha rebanhos,
perguntam-me vocês. E eu por acaso conheço os segredos insondáveis do Bom Deus?
Abel tinha rebanhos porque gostava do pelo macio das ovelhas, pronto! Se não
comia a sua carne, talvez bebesse o leite enquanto a mãe Eva lhe tricotava uma
túnica de lã para as noites frias da serra. Para transportar o leite ao longo
de veredas e penhas, usava o estômago dos animais mortos. O leite em contacto
com o ácido sabemos todos que coalha, e temos o queijo. Terá acontecido o mesmo
a Abel. Muito surpreendido, verificou que o leite armazenado no estômago tirado
a uma cabra velha, coalhou com os ácidos estomacais. Abel gostou e chamou-lhe,
queijo na língua que ele falava. Os pastores da Serra da Estrela, mais finos
que Abel, em vez do fel do estômago, usam a flor do cardo, e também lhe chamam
queijo… ao leite coalhado, mas em português.
Estava
Abel olhando as estrelas, pensando como seria bom ter uma namorada com quem
compartilhar a ceia, coisa difícil naqueles primeiros tempos, quando decidiu
preparar um petisco. Desta vez usou o forno que o pai Adão já tinha,
finalmente, construído. Tomando um queijo mal cheiroso de cabra, cortou-o às
rodelas colocando-as sobre uma laje de pedra. A seguir desceu a encosta até
junto a um ribeiro que corria alegre colina abaixo, e colheu as nozes que
frutificavam na árvore que assentava o pé no chão calcário regado pela água do
ribeiro. Descascou-as e partiu o miolo aos bocados, espalhando-o sobre as
fatias de queijo. Adão, que desde que provara os figos melados de Eva
dedicara-se a guardar colmeias para lhe extrair a doçura, forneceu ao filho um
corno de carneiro cheio do doce néctar. Abel regou generosamente as fatias de
queijo e nozes com o mel que seu pai lhe deu, e depois usou o forno para assar
as fatias de queijo, nozes e mel. Ficaram uma delícia! Ainda pensou oferecer ao
irmão Caim, mas este estava demasiado preocupado a afugentar os corvos que lhe
comiam as sementes.
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