Fiz
todo o meu percurso académico pré-universitário durante o período da ditadura
do Estado Novo. Fi-lo, graças a Deus que me fez pobre, em escolas públicas, de
longe com instalações e equipamentos superiores à de qualquer colégio privado
existente na cidade onde vivia e onde, apesar da ditadura, se respirava (nessas
escolas públicas) um ambiente muito mais livre do que em colégios privados. Naquele tempo ninguém
contestava o valor da qualidade do ensino público, como hoje ninguém contesta a
qualidade do ensino público universitário em confronto com as privadas, com
honrosa excepção para a católica. A opção de escolha para o privado tinha a ver
com status, evitar misturas com a
populaça e, no caso de internato, corrigir os filhos corrécios ou resolver questões que se prendiam com a emigração ou
com a falta de escola junto ao local da residência. Os colégios de freiras
garantiam a necessidade de virtude das meninas antes do casamento, razão maior para
os pais do que a suposta qualidade do ensino. Os pobres da província, na falta
de liceu público, mandavam os filhos para o seminário, que dava um ensino de
qualidade grátis, na esperança de obter pastores, o que nem sempre se
concretizava.
Nunca
se punha a questão da qualidade do ensino público, incontestada pela certeza de
que Salazar zelava pela coisa pública, e demonstrada pela qualidade dos
professores e alunos do público: Aquilino Ribeiro, Vergílio Ferreira, Mário de
Sá Carneiro, Edgar Cardoso. Alguns minando dentro de portas o próprio regime,
contrariando a tese de que o ensino público garante a ideologia de quem detém o
poder. Um burguês rico que se preocupasse com a qualidade do ensino e que
vivesse às portas do Liceu Camões, inaugurado por um perigoso socialista de
nome Manuel II de Bragança, jamais pensaria em colégios privados para os
filhos.
Toda
esta discussão em redor de escolas privadas, que nasceram como cogumelos num
período em que as estatísticas demonstravam à saciedade que no futuro (que
agora chegou), as escolas públicas existentes chegariam e sobrariam, está
inquinada. Tão inquinada como a pretensa superioridade do seu ensino face às
públicas, principalmente se pensarmos nos colégios que nasceram unicamente para
receber os alunos do público e onde não foi preciso esforço algum de qualidade
para captar o mercado que o Estado garantia. Não falo, como é evidente, dos
colégios que existiam antes desta ideia peregrina de pôr os privados a
construir escolas a 600 metros de uma pública, a 1300 metros de uma segunda e a
1600 metros de uma terceira.
Se
tenho muitas dúvidas sobre este assunto, tenho porém uma só certeza para além
de que nada mudou desde o século XIX: ninguém está preocupado com a qualidade
do ensino. Nem antigamente, nem agora.
Imagem: Santa Ana ensinando a Virgem Maria – igreja na cidade alta de
Bergamo
Para quem tem dificuldades de leitura, a imagem de Santa Ana ensinando a Virgem Maria, simboliza o único ensino privado que eu apoio, havendo oferta do público: o dos pais ensinarem os filhos.
ResponderEliminarO nascimento das escolas privadas faz-me lembrar o nascimento das clínicas privadas. O intuito é o mesmo, o interesse e lucro de alguém. Se espiolharmos bem quem são os donos chegamos facilmente à conclusão do que lhes interessa.
ResponderEliminarNada contra o ensino privado, totalmente contra sermos nós a patrociná-lo.
Em lugares onde não há escolas, o estado que arranje transportes que sai mais barato que colégios.
Bom fim de semana.
A construção do Colégio Dona Leonor tão perto da Raul Proença, com o patrocínio do Estado, foi um escândalo. Agora se os colégios dão determinadas valências que o Estado não dá, como por exemplo as escolas de música, acho que deve contribuir em prol do ensino das artes. O resto não.
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