quarta-feira, 18 de maio de 2016

AEROPORTO JOÃO TORTO



Dizia Eça de Queiroz que “A antropologia psicológica não aceita como grandes homens senão os criadores da arte, da ciência ou da filosofia”, no entanto, em Portugal, há uma tendência de engrandecer os políticos que está na proporção inversa da importância que se dá aos homens das ciências ou das artes, e a filosofia é coisa para tontinhos. Esta tendência fez-se notar de novo no rebatizamento do aeroporto de Lisboa, tendo o país perdido a oportunidade de homenagear a quem Portugal tanto deve no campo da ciência aeronáutica e cujos nomes se enchem de pó nas gavetas fechadas da memória colectiva deste Povo. Razão tinham os romanos quando situaram o rio Letes, o rio do esquecimento, no território nacional.
Humberto Delgado merece todas as homenagens devidas pela coragem de ter mudado de opinião e de ter confrontado o regime presidido por Salazar. A coragem dos homens é sempre um bom motivo para homenagear e quero crer que a vontade de rebatizar o aeroporto de Lisboa com o seu nome se deveu a esse gesto corajoso. A sua carreira ligada à aviação, no entanto, foi mais dedicada à gestão aeronáutica que à ciência da mesma, e foi feita quando ainda se entusiasmava com o Homem Novo de um Estado Novo. Perceber-se-ia o gesto se na História do país não houvessem tantos pioneiros da aviação que também mereciam essa distinção e, sobretudo, ser lembrados pela Pátria, como Bartolomeu de Gusmão, Abreu de Oliveira, Cipriano Pereira Jardim (o esquecido inventor do balão dirigível), Alberto Sanches de Castro, Jorge de Sousa Gorgulho, Gago Coutinho, Sacadura Cabral, e muitos outros. Não foi por falta de nomes da aviação portuguesa que se atribuiu o nome de um político ao aeroporto. Não faltam praças, avenidas, escolas, edifícios que possam servir para homenagear e lembrar o político que queria demitir Salazar, mas aeroportos há poucos e esses deviam servir para lembrar os pioneiros da aviação, porque os homens da técnica, da ciência e da arte também merecem ser lembrados. Por incrível que pareça o único aeroporto que tem o nome de Bartolomeu de Gusmão situa-se no Rio de Janeiro e encontra-se desactivado.
Fosse eu quem mandasse e o aeroporto de Lisboa receberia o nome de João Torto, um humilde enfermeiro e mestre escola de Viseu que, poucos anos após Leonardo da Vinci ter desenhado as suas máquinas voadoras, engendrou uma geringonça e subiu com ela à torre da Sé de Viseu na esperança de alcançar o céu, lançando-se dali em pleno vôo, cheio de coragem e atitude. O telhado da capela de S. Luís, onde o malogrado enfermeiro aterrou, foi assim a primeira pista de aterragem de Portugal. Era o seu nome que merecia ser imortalizado no aeroporto da capital.
Dizem-me que tal não podia ser porque afinal o João Torto não alcançou os objectivos a que se propôs…, pois, mas tal como Humberto Delgado também ele teve a coragem de tentar!

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