segunda-feira, 14 de setembro de 2015

HISTÓRIA DE UMA FAMÍLIA DE REFUGIADOS


O homem chamava-se José, podia ser português mas não era, e a sua mulher tinha acabado de dar à luz um filho. Quem mandava na sua terra decidiu um dia mandar matar todas as crianças do sexo masculino. O horror era indescritível. Os soldados agarravam as crianças pelas pernas ou pelos braços e degolavam-nas perante o grito alucinado das mães. Algumas abraçavam-se de tal modo aos filhos que se tornava impossível retirar-lhes as crianças e eram então mortas juntamente com eles. Um horror nunca visto. O mesmo horror que vemos nos noticiários das televisões mas que, por tão repetido, nos entorpece fazendo com que nos pareça banal.
José sabia que mais cedo ou mais tarde chegaria a vez do seu filho e fez o que qualquer pai no seu lugar faria. Fugiu com o menino e mais a mãe que se chamava Maria e podia ser portuguesa mas não era. Tomaram a direcção do Egipto, muito contra a vontade de Maria que alvitrou Portugal como destino de refúgio. José disse-lhe que nem pensar. Podiam ter-lhe feito rainha e padroeira, levar a sua imagem de porta em porta, postar no facebook fotos dela acompanhadas de músicas ternurentas, mas isso é porque a julgavam no Céu a fazer milagres. Chegasse ao pé deles assim toda suja e rasgada e veria como lhe fechavam a porta na cara. Não, o Egipto era mais seguro e mais perto.
A fuga através do deserto foi difícil pois além do calor havia soldados por todos os lados. Só conseguiram escapar porque uma pequena e esvoaçante lavandeira, voando em redor deles, poisava no caminho e com a cauda e com o bico vassourava-lhes as pegadas, o que fez com que Maria a abençoasse. Foi com grande sofrimento que chegaram à fronteira do Egipto e logo se levantou, por tudo quanto é rede social, um grande clamor contra a sua chegada.
Que era um grande perigo receber aqueles judeus foragidos, diziam, que logo a seguir viriam outros e mais outros. Os mais preocupados com a situação dos pobrezinhos da sua terra diziam que não, que fossem para outro lado ou que aguentassem na sua terra, porque eles tinham os seus pobres, os seus sem abrigo e para fazer caridade já lhes chegava o que tinham em casa que a vida está má para todos.
O pior foi quando apareceu um mais intelectual e começou a escrever no facebook: Nem pensar em os receber. Então já se esqueceram do que essa gente é capaz? Foi a um judeu como eles, que até se chamava José como este, que os nossos antepassados deixaram vir para cá porque era perseguido pelos irmãos que o queriam matar. Logo que se viu instalado mandou vir a família toda e o que é que nos aconteceu? Foram as pragas do Egipto, os gafanhotos que comeram as searas, as rãs que empeçonharam as ruas, e o sangue que envenenou as águas, os piolhos, a sarna, o granizo… e não contentes com isto, um dos seus terroristas, um tipo chamado Moisés, ajudado pelo anjo do Senhor, matou todos os primogénitos do Egipto. Foi uma sangueira nunca vista e vocês agora querem recolher esta família de judeus, para que vos aconteça o mesmo? Eles que se amanhem.
A lembrança das patifarias que o Moisés tinha feito no Egipto foi como que o golpe final. A pobre família de refugiados já se preparava para voltar sabe-se lá para onde. José começou então a preparar uma pobre e desconjuntada jangada para se meterem ao Mediterrâneo, mas o burrito recusou-se a enfiar-se em tal casca de noz. Foi quando um guarda da fronteira, abrindo a cancela, os mandou entrar.
Quem mandava no Egipto era pessoa fina, educada nos melhores princípios do classicismo grego, herdeira do sonho de Alexandre, O Grande, que queria um mundo sem fronteiras. Decidiu que o Povo murmurava sem razão e que a família de refugiados que se instalasse e que nada lhes faltasse. Os pobres certamente não ficariam pior já que havia tanta gente disposta a olhar por eles, escreveu ele no twitter.
Maria, com o menino ao colo, chorava comovida reclinada sobre o peito de José que, acariciando-lhe a cabeça, disse:

- E querias tu ir para Portugal. Assim que te vissem descalça, suja e desamparada, nem te deixariam pôr o pé em terra. Com alguma sorte deixavam-te poisar sobre os ramos de uma azinheira!

7 comentários:

  1. Só tu para escreveres uma história tão linda e tão recente, espero que seja lida por muita gente principalmente pelos milhares de visitantes da azinheira. Obrigada por nos abrires os olhos.

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    1. Às vezes esquecemo-nos daquilo que é óbvio. E se somos contra que eles nos imponham os valores deles, saibamos nós impor os nossos, que começa logo por amar o próximo e fazer o bem sem olhar a quem.

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    2. Com todo o respeito a historia esta bem escrita e toca mas povo há que abrir os olhos que países com a mesma mentalidade não os recebe e nos recebemos e com os anos temos de mudar nossas culturas para eles se sentirem bem ... isso já se passa em UK,Franca,e agora Alemamha ...

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    3. Caro anónimo. Uma coisa é recebermos quem foge da guerra e da desgraça. Outra coisa é o multiculturalismo que eu não alimento. Em Roma sê romano. O problema da nossa cultura é que poucos no mundo ocidental têm convicções fortes sobre a sua cultura e por isso defendem-na pouco. A culpa não é de quem chega mas de quem recebe. Receber o próximo é um valor maior da nossa cultura cristã, sejamos ou não cristãos, mas esse valor está inscrito na nossa maneira de ser. Obrigado por comentar.

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  2. Só tu para escreveres uma história tão linda e tão recente, espero que seja lida por muita gente principalmente pelos milhares de visitantes da azinheira. Obrigada por nos abrires os olhos.

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  3. Excelente!
    Foi das crónicas que mais gostei de ler.
    Fico de cabelos em pé só de ouvir e ler tudo o que se tem escrito acerca deste assunto.
    Como é que é possível o meu povo que sempre foi solidário, agora verem um terrorista em cada refugiado. Fico doente.
    Já para não falar dos outros que há uns anos atrás tiveram de fazer o mesmo e hoje recusam ajudar quem está neste desespero.
    Mas pensando bem....será que o que esse homem traz no regaço é uma criança, ou um boneco recheado de explosivos????? (eu tentando sendo irónica, pois claro)

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    1. O medo faz-nos muito mal. Não é a maldade das pessoas mas o medo que elas sentem que faz dizer e escrever tantos disparates. Por isso é preciso combater essa sensação de medo que facilmente se apodera de tudo e de todos. Obrigado pelo comentário, Manuela.

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