O homem chamava-se José,
podia ser português mas não era, e a sua mulher tinha acabado de dar à luz um
filho. Quem mandava na sua terra decidiu um dia mandar matar todas as crianças
do sexo masculino. O horror era indescritível. Os soldados agarravam as
crianças pelas pernas ou pelos braços e degolavam-nas perante o grito alucinado
das mães. Algumas abraçavam-se de tal modo aos filhos que se tornava impossível
retirar-lhes as crianças e eram então mortas juntamente com eles. Um horror
nunca visto. O mesmo horror que vemos nos noticiários das televisões mas que, por
tão repetido, nos entorpece fazendo com que nos pareça banal.
José sabia que mais
cedo ou mais tarde chegaria a vez do seu filho e fez o que qualquer pai no seu
lugar faria. Fugiu com o menino e mais a mãe que se chamava Maria e podia ser
portuguesa mas não era. Tomaram a direcção do Egipto, muito contra a vontade de
Maria que alvitrou Portugal como destino de refúgio. José disse-lhe que nem
pensar. Podiam ter-lhe feito rainha e padroeira, levar a sua imagem de porta em
porta, postar no facebook fotos dela
acompanhadas de músicas ternurentas, mas isso é porque a julgavam no Céu a
fazer milagres. Chegasse ao pé deles assim toda suja e rasgada e veria como lhe
fechavam a porta na cara. Não, o Egipto era mais seguro e mais perto.
A fuga através do
deserto foi difícil pois além do calor havia soldados por todos os lados. Só
conseguiram escapar porque uma pequena e esvoaçante lavandeira, voando em redor
deles, poisava no caminho e com a cauda e com o bico vassourava-lhes as pegadas,
o que fez com que Maria a abençoasse. Foi com grande sofrimento que chegaram à
fronteira do Egipto e logo se levantou, por tudo quanto é rede social, um grande
clamor contra a sua chegada.
Que era um grande
perigo receber aqueles judeus foragidos, diziam, que logo a seguir viriam
outros e mais outros. Os mais preocupados com a situação dos pobrezinhos da sua
terra diziam que não, que fossem para outro lado ou que aguentassem na sua
terra, porque eles tinham os seus pobres, os seus sem abrigo e para fazer
caridade já lhes chegava o que tinham em casa que a vida está má para todos.
O pior foi quando
apareceu um mais intelectual e começou a escrever no facebook: Nem pensar em os
receber. Então já se esqueceram do que essa gente é capaz? Foi a um judeu como
eles, que até se chamava José como este, que os nossos antepassados deixaram
vir para cá porque era perseguido pelos irmãos que o queriam matar. Logo que se
viu instalado mandou vir a família toda e o que é que nos aconteceu? Foram as
pragas do Egipto, os gafanhotos que comeram as searas, as rãs que empeçonharam
as ruas, e o sangue que envenenou as águas, os piolhos, a sarna, o granizo… e
não contentes com isto, um dos seus terroristas, um tipo chamado Moisés,
ajudado pelo anjo do Senhor, matou todos os primogénitos do Egipto. Foi uma
sangueira nunca vista e vocês agora querem recolher esta família de judeus,
para que vos aconteça o mesmo? Eles que se amanhem.
A lembrança das
patifarias que o Moisés tinha feito no Egipto foi como que o golpe final. A pobre família de refugiados já se preparava para voltar sabe-se lá para onde. José começou então a preparar
uma pobre e desconjuntada jangada para se meterem ao Mediterrâneo, mas o
burrito recusou-se a enfiar-se em tal casca de noz. Foi quando um guarda da
fronteira, abrindo a cancela, os mandou entrar.
Quem mandava no Egipto
era pessoa fina, educada nos melhores princípios do classicismo grego, herdeira
do sonho de Alexandre, O Grande, que queria um mundo sem fronteiras. Decidiu que o Povo
murmurava sem razão e que a família de refugiados que se instalasse e que nada
lhes faltasse. Os pobres certamente não ficariam pior já que havia tanta gente disposta a olhar por eles, escreveu ele no
twitter.
Maria, com o menino ao
colo, chorava comovida reclinada sobre o peito de José que, acariciando-lhe a
cabeça, disse:
- E querias tu ir para
Portugal. Assim que te vissem descalça, suja e desamparada, nem te deixariam
pôr o pé em terra. Com alguma sorte deixavam-te poisar sobre os ramos de uma
azinheira!
Só tu para escreveres uma história tão linda e tão recente, espero que seja lida por muita gente principalmente pelos milhares de visitantes da azinheira. Obrigada por nos abrires os olhos.
ResponderEliminarÀs vezes esquecemo-nos daquilo que é óbvio. E se somos contra que eles nos imponham os valores deles, saibamos nós impor os nossos, que começa logo por amar o próximo e fazer o bem sem olhar a quem.
EliminarCom todo o respeito a historia esta bem escrita e toca mas povo há que abrir os olhos que países com a mesma mentalidade não os recebe e nos recebemos e com os anos temos de mudar nossas culturas para eles se sentirem bem ... isso já se passa em UK,Franca,e agora Alemamha ...
EliminarCaro anónimo. Uma coisa é recebermos quem foge da guerra e da desgraça. Outra coisa é o multiculturalismo que eu não alimento. Em Roma sê romano. O problema da nossa cultura é que poucos no mundo ocidental têm convicções fortes sobre a sua cultura e por isso defendem-na pouco. A culpa não é de quem chega mas de quem recebe. Receber o próximo é um valor maior da nossa cultura cristã, sejamos ou não cristãos, mas esse valor está inscrito na nossa maneira de ser. Obrigado por comentar.
EliminarSó tu para escreveres uma história tão linda e tão recente, espero que seja lida por muita gente principalmente pelos milhares de visitantes da azinheira. Obrigada por nos abrires os olhos.
ResponderEliminarExcelente!
ResponderEliminarFoi das crónicas que mais gostei de ler.
Fico de cabelos em pé só de ouvir e ler tudo o que se tem escrito acerca deste assunto.
Como é que é possível o meu povo que sempre foi solidário, agora verem um terrorista em cada refugiado. Fico doente.
Já para não falar dos outros que há uns anos atrás tiveram de fazer o mesmo e hoje recusam ajudar quem está neste desespero.
Mas pensando bem....será que o que esse homem traz no regaço é uma criança, ou um boneco recheado de explosivos????? (eu tentando sendo irónica, pois claro)
O medo faz-nos muito mal. Não é a maldade das pessoas mas o medo que elas sentem que faz dizer e escrever tantos disparates. Por isso é preciso combater essa sensação de medo que facilmente se apodera de tudo e de todos. Obrigado pelo comentário, Manuela.
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