sábado, 28 de fevereiro de 2015

Crónicas Gastronómicas VII - BACALHAU À AVÔ DA GUARDA

               Ninguém sabe de onde vem o bacalhau.
            Quero dizer, o bacalhau, toda a gente sabe, navega ali junto ao Ártico pelo Atlântico Norte embora tenha primos no Pacífico, mas ninguém sabe porque chamamos bacalhau ao bacalhau. Os italianos chamam-lhe bacalà, só com um l, e os catalães acrescentam-lhe mais um l. Para os espanhóis é bacalao e para os croatas bakalar. Os gregos, que estão na moda, dizem bakaliáros e os russos labardan o que não fica nada bem. Dizem que os culpados do nome são os bascos que lhe chamam bakailao mas a verdade é que os indígenas da Terra Nova já usavam o termo bacal quando o italiano John Cabot ali chegou em 1497. Aquelas gentes do Norte já o secavam ao ar permitindo assim conservá-lo para as longas viagens que faziam, mas foram os povos do Sul que levaram o sal, que aquela gente não conhecia apesar de viverem afogados em água salgada. Dizem que foram os italianos que primeiro o fizeram só porque um mercador veneziano, Pietro Querini, se fez naufragar junto à costa da Noruega, ainda antes da descoberta da Terra Nova, passando a comer o peixe que os indígenas que o socorreram lhe ofereciam. Resolveu o veneziano comerciá-lo para Itália iniciando assim a salga do fiel amigo. Quando Cabot chegou à Terra Nova e os irmãos Corte-Real procuravam a passagem do Norte, os portugueses foram para ali pescar fazendo o mesmo: secando e salgando o bacalhau. A coragem e o sacrífico dos nossos pescadores, a quaresma e o interdito de carne à sexta-feira e véspera de Natal, transformaram o Gadus morhua, que é o verdadeiro bacalhau, no fiel amigo das mesas portuguesas vai para mais de quinhentos anos.
            E é a Quaresma o momento ideal para aqui deixar a receita que o avô dos meus filhos faz quando reúne a família na Guarda. Depois de demolhadas as postas dá-lhes um apertão em leite a ferver. Às batatas descascadas e cortadas aos quartos faz o mesmo mas com água a ferver até quase cozê-las. A seguir cobre uma travessa de ir ao forno com rodelas de cebola e bacon cortado aos bocados, que têm os portugueses a esperança secreta de que Deus ande distraído e não descubra o porco amancebado com o bacalhau entre a cama de batatas e cebola. Depois de escorridas as postas, banha-as em ovo inteiro batido, seca-as com pão ralado e leva-as a deitar na cama de cebolas e bacon aconchegando com as batatas meio cozidas. Rega tudo com azeite ou óleo de forma a chegar até ao fundo da travessa. Rega também com vinho branco ou cerveja fazendo figas para que Deus, Nosso Senhor, se distraia de novo, e acrescenta nozinhas de manteiga. Leva ao forno até acabar de cozer as batatas e corar o bacalhau, e os netos fazem o resto!
            É a Noruega a pátria do bacalhau, por isso deixo-vos com a música do seu mais famoso compositor: Edvard Grieg que, por ser filho de um comerciante do famoso peixe, dizia que a sua música sabia a bacalhau.


2 comentários:

  1. Gostei, vou experimentar e adorei saber mais alguma coisa que me enriquece

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