Dizia Erasmo, enquanto
elogiava a loucura, que dos maus costumes nascem as boas leis.
Os maus costumes variam,
a mais das vezes, com a latitude e com a época. É um mau costume de
consequências trágicas uma esquimó andar de peito à vela enquanto que para a
mulata dos trópicos a consequência é uma bela canção ou um mau poema. Voltando
às boas leis para os maus costumes tivemos, por exemplo, os conventos onde, a
par dos bons costumes, se arrumavam os maus que faziam perder a virtude. Ainda
me lembro dos filhos de pais incógnitos e dos filhos ilegítimos. Já não me
lembro, mas ouvi falar, das prisões para os garotos de Lisboa que tinham o mau
costume de jogar à bola na rua. Divórcio era um costume péssimo e, para uma
mulher, bom costume era ser mãe extremosa. Sair de casa para arranjar emprego
num escritório era mau costume. Marido que o consentisse candidatava-se a ver a
testa enfeitada pois era sabido que a mulher teria o costume de se sentar ao
colo do patrão todas as tardes, mau costume para a mulher mas bom costume para
o patrão. Era o que se ouvia nos meus tempos de garoto.
Fazer filhos fora do
tálamo conjugal (em falando de costumes convém subir o nível) era um mau
costume que qualquer mulher escondia bem escondidinho. Inventou-se a roda para evitar a má língua que impedia
a uma menina de boas famílias cuidar desse filho
da curiosidade. Ficava a mãe sem filho e o filho sem mãe, mas salvavam-se
os costumes. Caiu a roda em desuso
porque hoje não há costume que impeça uma mulher de aparecer em casa com uma
criança nos braços sem que ninguém, nem mesmo a mulher, saiba quem é o pai. Ninguém
na vizinhança se atreverá a propor o corte dos cabelos na praça pública.
Se um homem discutir
com o farmacêutico as virtudes das fraldas descartáveis, coisa muito mal vista
pelo meu avô que nunca viu uma fralda, não levantará qualquer suspeita sobre os
seus costumes. Qualquer mãe sensata estudará com a filha a bula da carteira de anticoncepcionais
sem que o pai recorra ao velho costume de lhe procurar vaga no convento mais
próximo.
Era mau costume deitar-se
um homem com outro. A lei, que era boa, proibia, mas temia-se mais a condenação
dos costumes que a da justiça, ou a falta dela. As mulheres também o faziam, mas
com tal recato que não se notava e aos costumes diziam nada. Os homens,
perdidos naquele terrível costume, viviam vidas de boémia e dissipação para
inveja daqueles que os costumes obrigavam ao recato do lar e a uma única amante
com casa posta em Arroios. Agora que a Lei não proíbe, virou bom costume e
portam-se bem. Cumprimentam a vizinha no elevador e esta dá-lhes a receita do
bolo de chocolate porque já não andam na borga, estão de casa e pucarinho, e o valor imobiliário do prédio subiu em flecha.
Oiço agora aos pais e
as mães, à porta da creche onde deixaram os filhos, coisa de muito mau costume
há cinquenta anos atrás, que será um mau costume as criancinhas terem dois pais
ou duas mães. Que não aguentarão a pressão, dizem. Que se comprometerá a
sociedade do futuro, que a querem igual à sociedade do passado. Fico sem saber
se estarão a propor o fecho das creches.
Dou comigo a pensar se
as crianças aguentaram a roda, os
colégios internos, as escolas industriais vitorianas, a prisão por causa do
jogo da bola, o divórcio dos pais, a ausência do pai no ultramar ou na França,
a falta de mama da mãe, o incógnito e a ilegitimidade no BI, o Dr. Spock, o
Daniel Sampaio e os técnicos de educação desde os três meses de idade… talvez
aguentem dois pais ou duas mães sem que o futuro se torne mais sombrio.
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