Depois de falar de
Cristiano Ronaldo seria imperdoável não escrever sobre o “nosso” Eusébio, meu
conterrâneo. Já todo o panegírico foi gasto pelo que me limitarei a fazer a
defesa do seu direito a herói nacional, e o lugar dos heróis é no panteão. A
palavra panteão significa o conjunto (pan) dos deuses (théos). Nascido e
criado numa comunidade monoteísta não resta ao povo senão eleger os seus
heróis como deuses, e é ao povo quem cabe escolher os deuses a quem presta
culto. Geralmente fá-lo por via da afectividade ou do temor.
Clamam as pessoas
cultas e intelectuais do país que é uma vergonha e que o povo devia “aprender”
a amar mais os seus escritores, cientistas ou políticos. Ora tal como não se
aprende a amar, também os políticos não precisam do amor do povo para nada e
bandeiam-se para o panteão com a ajuda dos demais políticos. Pergunto-me que
raio de herói é um presidente da república, cargo mais amorfo e cinzento não
há, para ter lugar no templo dos deuses? Estão lá quatro!
Herói é aquele que pela
sua coragem, destreza, atributos físicos ou morais, é autor de grandes feitos.
Não vou discutir se um grande escritor, cientista ou artista pode ou não
transformar a sua obra num grande feito que seja reconhecido como tal pelo povo
a quem deve servir esse feito. É claro que pode, principalmente quando põe o
seu prestígio e saber de intelectual ao serviço desse povo. Não basta ser muito
bom ou o melhor na sua arte.
Mas o herói tem de
ganhar sobretudo a estima do povo e isso é a afectividade em acção. Nisso não
somos melhores nem piores que as outras nações. Arriscaria a afirmar que Pushkin
é idolatrado pelo povo russo muito mais por causa dos vinte e nove duelos que
travou, o último dos quais em defesa da honra de marido ofendido e que lhe
causou a morte, do que pelos poemas que poucos lerão.
Eusébio morreu no
passado dia cinco e o povo demonstrou com sinceridade o amor e afecto que lhe
tinha. Merece ou não ser chamado de herói nacional? Merece ou não ir para o
panteão?
Nestas ocasiões fica
sempre bem chamar em socorro o velho Camões, cuja opinião é incontestável
porque representa o grau máximo da nossa cultura, seja isso o que for, pelo que
fico assim defendido do ataque dos intelectuais.
Heróis para Camões
foram os doze de Inglaterra, uns moços belicosos cujo único feito notável foi
terem viajado para as ilhas britânicas para andarem à porrada por causa da
honra de uma senhora inglesa que nunca tinham visto e que ninguém se atrevia a
defender. Por maioria de razão cantaria Camões os feitos de Eusébio que na
mesma Inglaterra salvou a honra da pátria em risco de se perder por causa de
três miseráveis golos metidos na nossa baliza sem resposta. Eusébio pegou no
estandarte caído no relvado e marcou quatro de resposta deixando o quinto para
o José Augusto. Foi feito que bastasse para ascender às honras de herói.
Por essa altura
Portugal tinha outros heróis que foram chamados a dar a vida pelos interesses
da Pátria na guerra do Ultramar. Em vez de perdermos tempo a contestar a merecida entrada
de Eusébio em Santa Engrácia seria melhor organizarmo-nos para honrar os
nossos heróis dessa guerra injusta cuidando-lhes dos túmulos perdidos no sertão
africano. Com tanto português emigrado em Angola e Moçambique talvez fosse
possível arranjar uma associação que tratasse do assunto. Os africanos não se
oporiam e os heróis agradeceriam.
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