domingo, 18 de setembro de 2016

NEM ÓPERA NEM FADO


Um jornalista vasculha a vida sexual dos outros, enquanto um ex-primeiro ministro lhe apresenta o livro que não leu. O país ouve um coro de protestos. Que é o abrir de uma caixa de Pandora, diz outro jornalista, desmemoriado, esquecendo-se que há tempos, outra jornalista, resolveu retirar do armário os esqueletos de pessoas já falecidas. É claro que a jornalista é de esquerda e os esqueletos de direita, pelo que tudo se perdoa e se esquece. Agora o jornalista parece ser de direita e os esqueletos vão da direita à esquerda, passando pelo centro. Que se vendam muitos livros para benefício da receita fiscal, agora que os políticos andam a dizer que é preciso tirar dinheiro a quem poupa, quando deveriam dizer que é preciso tirar dinheiro a quem o ganha com o suor do rosto dos outros.
Jorge Jesus recusa calar-se e vai dizendo que futebol não é ópera nem fado, onde o silêncio é obrigatório. Grita Jesus, que o mal está no pouco gritar.
E quando andamos assim distraídos, não é que um garoto de 14 anos, em Calais, resolveu tentar saltar para cima de um camião que rumava ao ferry para Inglaterra?! O irmão vive lá e isso dava-lhe o direito de para lá ir sem acrobacias. Cansou-se de esperar, que as burocracias não são só cá. Quem é que gosta de esperar quando se tem 14 anos? Caiu na auto estrada, foi atropelado e morreu. Era do Afeganistão, terra de gente feroz que em tempos jogava polo a cavalo, com a cabeça dos inimigos, no meio de muita gritaria que lá não há ópera nem fado.
Um dia se escreverá um livro, um fado e uma ópera sobre o assunto. Entretanto constrói-se um muro que é para que mais miúdos não se atrevam a ter pressa. E choraremos quando o pano cair, para não termos de perguntar por quem os sinos dobram, porque temos medo da resposta que já conhecemos.
Porque tudo é espectáculo a que assistimos impávidos e serenos. Devíamos fazer como Jesus e gritar com os árbitros, com os jornalistas, com os políticos, com todos, até que percebam que isto não é nem ópera nem fado.

Sem comentários:

Enviar um comentário