Um jornalista vasculha a
vida sexual dos outros, enquanto um ex-primeiro ministro lhe apresenta o livro
que não leu. O país ouve um coro de protestos. Que é o abrir de uma caixa de
Pandora, diz outro jornalista, desmemoriado, esquecendo-se que há tempos, outra
jornalista, resolveu retirar do armário os esqueletos de pessoas já falecidas.
É claro que a jornalista é de esquerda e os esqueletos de direita, pelo que
tudo se perdoa e se esquece. Agora o jornalista parece ser de direita e os
esqueletos vão da direita à esquerda, passando pelo centro. Que se vendam
muitos livros para benefício da receita fiscal, agora que os políticos andam a
dizer que é preciso tirar dinheiro a quem poupa, quando deveriam dizer que é
preciso tirar dinheiro a quem o ganha com o suor do rosto dos outros.
Jorge Jesus recusa
calar-se e vai dizendo que futebol não é ópera nem fado, onde o silêncio é
obrigatório. Grita Jesus, que o mal está no pouco gritar.
E quando andamos assim
distraídos, não é que um garoto de 14 anos, em Calais, resolveu tentar saltar
para cima de um camião que rumava ao ferry para Inglaterra?! O irmão vive lá e
isso dava-lhe o direito de para lá ir sem acrobacias. Cansou-se de esperar, que
as burocracias não são só cá. Quem é que gosta de esperar quando se tem 14
anos? Caiu na auto estrada, foi atropelado e morreu. Era do Afeganistão, terra
de gente feroz que em tempos jogava polo a cavalo, com a cabeça dos inimigos,
no meio de muita gritaria que lá não há ópera nem fado.
Um dia se escreverá um
livro, um fado e uma ópera sobre o assunto. Entretanto constrói-se um muro que
é para que mais miúdos não se atrevam a ter pressa. E choraremos quando o pano
cair, para não termos de perguntar por quem os sinos dobram, porque temos medo
da resposta que já conhecemos.
Porque tudo é espectáculo
a que assistimos impávidos e serenos. Devíamos fazer como Jesus e gritar com os
árbitros, com os jornalistas, com os políticos, com todos, até que percebam que
isto não é nem ópera nem fado.
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