sexta-feira, 24 de junho de 2016

CRÓNICAS GASTRONÓMICAS X - FISH AND CHIPS



Na noite em que o Reino Unido decide se fica ou sai da União Europeia, noite que coincide com o São João, vou aqui falar de um dos mais tradicionais pratos britânicos, se não mesmo o mais tradicional: fish and chips (cada país tem o comer que merece). Como toda a gente sabe, e quem não sabe fica a saber, fish and chips é um pobre e proletário prato de feixe frito acompanhado de batatas fritas a que os mais puristas acrescentam um acompanhamento de ervilhas esmagadas. Nós temos o costume de comer peixe frito com arroz de tomate, mas a combinação com batatas fritas é perfeita. Come-se por toda a Inglaterra, mas se for a Albufeira, no Algarve, tem lá restaurantes que conseguem um filete de peixe envolto num perfeito polme feito com farinha, ou não fosse aquilo terra de ingleses.
Chamei-lhe prato proletário porque a sua disseminação pelo país se deveu em grande parte ao crescimento da classe operária numa Inglaterra que iniciava a Revolução Industrial, e que o consumia das bancas improvisadas à porta das casas humildes que aumentavam assim o seu rendimento. O hábito de comer peixe frito em Inglaterra deve-se à Inquisição e à expulsão dos judeus da Península Ibérica. Foram os judeus expulsos da península, de Portugal e da Andaluzia, quem levou aos ingleses o hábito de comer um frito de peixe envolto em farinha. Como se vê os ingleses só têm lucrado com os restantes europeus.
A primeira loja de fish and chips é disputada entre a barraca de madeira no mercado da cidade de Mossely, no Lancahire, e o estabelecimento que existiu na Cleveland street em Londres, entre 1860 e 1863, no entanto Charles Dickens, no seu romance “Oliver Twist” publicado em 1839, refere já um armazém de peixe frito no East End, a zona operária de Londres. O sucesso foi tal que em 1931, uma loja de Bradford viu-se forçada a contratar segurança para o controlo da fila durante as horas de ponta. Foi o único prato que não sofreu racionamento durante a 2ª guerra. Quando chegava o peixe, vendia-se até esgotar.
Para fazer o prato esqueça tudo o que sabe sobre o polme das nossas avós. E esqueça os ovos, tudo porque o polme leva farinha, fermento em pó (ou bicarbonato de sódio) e… cerveja. Usa-se a cerveja lager que é a cerveja que fermentou de fundo e armazenada a baixas temperaturas, seja lá o que isso quer dizer. Deixando de frescuras, a nossa sagres é uma lager e a superbock também.
Vamos então à receita. O peixe pode ser qualquer um usado em filetes, mas o mais clássico é o bacalhau fresco ou o hadoque que é primo daquele. Comece por preparar o polme juntando a farinha, o fermento, sal e pimenta. Bata com a vara de arames muito bem, juntando a cerveja de modo a ficar com a consistência das natas e a cobrir as costas de uma colher de pau. Seque bem os filetes, tempere-os, cubra ligeiramente com farinha antes de os mergulhar no polme para que agarre melhor, e deixe escorrer o excesso. Frite em óleo quente durante 8 a 10 minutos ou até dourar. Deixe escorrer sobre papel absorvente e guarde-os quentes no forno aquecido. Para que tivessem o gosto clássico seria necessário fritá-los em banha de porco, mas a tanto não me atrevo a aconselhar, até porque os ingleses têm um tipo de banha especial para estas coisas. Em todo o caso, será péssimo para o colesterol ao que dizem. O polme assim feito e frito deverá inchar e ficar separado do peixe para que seja perfeito. Parece fácil mas não é.
Se quiser acompanhar com as ervilhas em puré faça assim: numa caçarola coloque uma noz de manteiga, deite as ervilhas e uma mão cheia de hortelã picada. Tape e deixe cozinhar durante 10 minutos. Regue com sumo de limão e tempere de sal e pimenta. Esmague as ervilhas com um garfo ou com a varinha. Já experimentei e não achei piada.
Acompanhe com batatas fritas temperadas com sal e um toque de vinagre. Os filetes também ficam óptimos com um toque de vinagre. Se gosta da autenticidade proletária, faça uma cornucópia com papel de jornal, o The   Guardian, de preferência que é a favor da União, mas caso não tenha imprensa inglesa, pode usar um diário português, mas nunca o CM que é azia garantida e não se recomenda desde o episódio do microfone. Meta na cornucópia o peixe e as batatas fritas e faça um piquenique à beira mar, de chinelos nos pés, calções e camisa às flores. Se a ASAE implicar não diga que vai da minha parte.


imagem "roubada" daqui:
http://www.urbanpixxels.com/eating-london-food-tour/

5 comentários:

  1. Gostei da receita e dos conhecimentos mas acho que vamos ter que fazer o nosso polme Com a decisão que tomaram vai ser difícil imitarmos o polme deles

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    1. O problema é que a decisão foi pelas piores razões. O racismo, o xenofobismo e o chauvinismo. Podia ser pelas boas razões (a falta de democracia na Europa e maior transparências das instituições) mas não foi. Sei de casos EM que os próprios imigrantes já estabelecidos e nacionalizados, votaram a favor da saída por não quererem outro imigrantes. Não sirvas a quem serviu, não peças a quem pediu.

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  2. Gostei da receita e dos conhecimentos mas acho que vamos ter que fazer o nosso polme Com a decisão que tomaram vai ser difícil imitarmos o polme deles

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  3. Cá na terra da pobre cerâmica, onde o dinheiro nem sempre abunda, troca-se o peixe pelo feijão verde e resulta em peixinhos da horta,um prato vegetariano dos tempos antigos.

    Quanto à desunião não é nenhuma novidade. Afinal a cerâmica indiana sempre teve mais interesse para os nossos aliados mais antigos que as peças de barro pobre, fabricado nos restantes países europeus (tirando Portugal, claro).

    Mas ainda há muita louça a ser partida antes da verdadeira saída dos súbditos da Ti Belinha.

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    1. O Sr. Farage, um dos artífices do Brexit, chamou idiota ao filho da Tia Bélinha. A coisa ainda não fica assim. A cerâmica indiana (não existe tal coisa, mas enfim) foi oferecida por nós aos ingleses. Ingratos!

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