Felizmente para a nossa
cultura ocidental a Igreja foi, desde sempre, forte mecenas das artes: da
música mas também da escultura e da pintura. Para além de satisfazer o gosto
estético dos homens da Igreja servia maravilhosamente para contar e falar da
Boa Nova. Mas não quer isto dizer que o artista tivesse liberdade para recriar
os temas bíblicos como lhe aprouvesse. Qualquer sugestão interpretativa que
fugisse aos cânones estabelecidos podia valer a carreira do artista quando não
a vida. Por isso os reis magos tornaram-se num motivo apetecido pelos artistas.
A Bíblia nada diz sobre quem eram, o que representavam e nem quantos eram. Limita-se
a falar de uns sábios homens que ofereceram ao menino, ouro, incenso e mirra. Se
a Bíblia não conta também não desconta! E assim toda a liberdade criativa é
possível tornando-se a adoração dos magos num dos temas preferidos dos
pintores. Em contraste com um menino embrulhado nuns farrapos, o artista pode,
sem medo de errar, colocar três homens sábios levando presentes, como aparecem
já em elementos escultóricos das catacumbas, como pode pintá-los como reis
representando as idades do Homem ou as partes do mundo conhecidas: A Europa, a
Ásia e a África. O certo é que a exuberância pode imperar, como a condição real
e os presentes permitem sugerir. É uma festa para o pintor e para o espectador.
Abandona-se toda a simplicidade e os reis aparecem com séquitos mais ou menos esplendorosos,
cortesãos, homens de armas, animais, etc., e em vez de uma fralda branca de
algodão egípcio sobre as palhinhas, lá temos, sedas, brocados, veludos,
bordados, peles, dobras de mantos em jogos de luz e sombra, o açafrão para os
tons dourados, o cobalto e a púrpura para os azuis da realeza, coroas, chapéus,
plumas... Uma festa! A narrativa bíblica da natividade é muito mais pastores e
anjos: uma monotonia de asas e cajados! Os artistas escolheram, naturalmente, o
glamour de nada mais nada menos do
que três séquitos reais inexistentes (mas sugeridos) na narrativa.
A liberdade é tanta que o
nosso Grão Vasco, em pleno século XVI, não hesita e transforma o africano
Baltazar em índio Brasileiro, e o cacique Tupiniquim entra na lapinha de Belém
com a mesma autoridade que aqueles ossos que se encontram na catedral de
Colónia. Isto é: total liberdade para se dizer e fazer o que se queira porque,
seja o que for, será sempre lisonjeiro para os guardiães da Igreja Universal. E
nada há mais seguro para garantir a liberdade do que a lisonja aos poderosos!
E para continuarmos
livres de sermos donos do que é nosso, participe nesta campanha de angariação
de fundos para adquirirmos o quadro “Adoração dos Magos” de Domingos Sequeira, que
eu mostro acima, e que o Museu Nacional de Arte Antiga lançou. Basta ir ao
seguinte link.
Não percebi muito bem a figura 13 e a 5... Afinal qual é o rei mago que oferece a mirra?? :)
ResponderEliminarEstá a falar da imagem do link que aparece na subscrição pública. Deve ser erro deles. Não há qualquer registo “oficial” sobre o nome, número, raça ou idade dos magos. A tradição foi-lhes acrescentando atributos ao longo dos anos. Devido aos presentes atribuiu-se o número três, depois os nomes de Gaspar, Belchior e Baltazar. Mais tarde Gaspar será o mais novo e de raça amarela, entrega o incenso, símbolo da divindade. Belchior, o mais velho será branco e entrega o ouro, símbolo da realeza. Baltazar será o do meio e de raça negra, oferecendo mirra, símbolo da imortalidade. Na catedral de Colónia, trazido de Constantinopla pelos cruzados, encontram-se as relíquias dos três reis, o que é, como facilmente se percebe, uma daquelas infindáveis relíquias que enchiam os tesouros de Veneza ou Constantinopla e careciam de autenticidade. Em Istambul cheguei a ver a vara de Moisés e o turbante de José do Egipto que ainda é anterior a Moisés. Não é verdade, mas é bem apanhado. Afinal também acreditamos que temos dinheiro no banco, e não há nada mais falso.
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