Há alturas em Portugal que os
políticos, como aves necrófilas, aproveitam a morte e a desgraça dos outros
para alimentarem querelas estéreis. O ministro da saúde, que juntamente com os
responsáveis políticos e técnicos da área demonstrou um grande sentido de
responsabilidade e eficiência durante o surto da doença do legionário que
afectou a zona de Vila Franca de Xira, resolveu manchar o bom trabalho fazendo
o que me pareceu, nada mais nada menos, uma chantagem sobre os enfermeiros,
apelando ao fim da greve por causa da desgraça provocada pela legionella: ou aceitavam o seu repto ou
tinham a população contra eles, ficando ele, o ministro, bem colocado na fotografia. Como se as greves dos enfermeiros
alguma vez tivessem posto em risco os cuidados de saúde necessários no internamento e
na urgência dos hospitais. Como se as más políticas no sector da saúde não
fossem muito mais graves para a saúde de todos nós do que as greves de um
sector tão maltratado. Por sua vez, os políticos da oposição afiaram o dente
para se atirarem ao governo culpando-o das mortes e do surto, provocados, no
seu entender, pelas alterações legislativas que eles, distraídos com discussões
sobre bustos de presidentes ou sobre se os rapazes devem ou não continuar a fazer
xixi de pé, se esqueceram de criticar na altura e momento dessa alteração. Os
que morreram e os que adoeceram não mereciam tal espectáculo.
Passou despercebida, e compreende-se,
a descida de uma sonda europeia sobre a superfície de um cometa. Muitos acharão
o dispêndio de dinheiro destes programas uma futilidade. Se pensarmos que os
cometas poderão ter sido o veículo que trouxe à Terra os ingredientes químicos
necessários à vida, percebemos que o seu estudo poderá ser de superior
importância na compreensão do processo da vida, do qual aquela bactéria
conhecida por legionella faz parte. A
eficiência demonstrada pelos nossos técnicos no estudo e resolução do surto de
Vila Franca de Xira e o sucesso daquela viagem ao cometa demonstram bem a
importância primordial que devemos dar à educação e à investigação. Talvez
fosse bom que o ministro da Saúde lembrasse isso ao seu colega da Educação em
vez de arengar contra os enfermeiros. Talvez fosse bom pensar que a sangria da
nossa inteligência em direcção ao
estrangeiro é muito mais perigosa que uma greve.
E a semana trágica continuou, como se
os antigos tivessem razão que os cometas só trazem desgraças. Morreu um Poeta e
um Nobre: Manoel de Barros e Fernando de Mascarenhas. Um brasileiro a quem a
língua portuguesa deve e um português que nascendo aristocrata se revestiu de
nobreza com o exemplo da sua vida, demonstrando que a ética não é monárquica
nem republicana. Ficámos todos mais pobres.
…
A
mãe reparou que o menino
gostava
mais do vazio, do que do cheio.
Falava
que vazios são maiores e até infinitos.
…
A
mãe reparava o menino com ternura.
A
mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você
vai carregar água na peneira a vida toda.
…
Manoel de Barros
1916-2014
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