A ver se
a gente entende: doar milhões de euros para a reconstrução de Notre Dame, resolve o problema da
reconstrução de Notre Dame.
Doar
milhões de euros para acabar com a fome em África não resolve o problema da
fome em África. Só adia a resolução desse problema. A fome em África resolve-se
com políticas de paz e de gestão de recursos. Não é uma questão de dinheiro,
mas de boas ideias e de boa vontade: que não há.
Reconstruir
Notre Dame não é reconstruir uma
igreja. Igrejas há muitas e Deus não precisa de templos (nós precisamos). Eu,
que sou católico, talvez só desse dinheiro para a igreja da minha comunidade,
não para a “igreja” de Notre Dame se
só estivesse em causa a reconstrução de um lugar para o culto. Mas reconstruir Notre Dame é salvar o património da
humanidade, de crentes e não crentes. É salvar a história de 1000 anos da civilização
europeia, da nossa história comum, dos nossos valores: dos valores capazes de
salvar da fome as crianças de África. É salvar a história da arquitetura, da
engenharia e da arte. É salvar a nossa memória que gostamos de imaginar
eterna!
Morrer,
todos morremos. Uns mais cedo que outros, mas todos iremos. Na televisão uma
mulher chorosa dizia que o que mais lhe custava era pensar que já ali não
poderia entrar mais pois não tinha tempo de vida para ver as obras acabadas.
Por isso gostamos de pensar que a nossa memória é eterna. Por isso sentimos
vontade de reconstruir Notre Dame,
para que seja aparentemente eterna, porque nós não somos.
Misturar
fotos de Notre Dame a arder com
criancinhas a morrer de fome e comparar doações, é só presunção beata, para não
dizer pateta e estúpida. As pessoas que fazem isso seriam talvez as primeiras a
protestar se algumas medidas de fundo, necessárias, tivessem que ser tomadas
para salvar da fome as crianças de África, porque aí é que lhes iam ao bolso e aos privilégios.
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