quarta-feira, 17 de abril de 2019

NOTRE DAME E AS CRIANCINHAS EM ÁFRICA



A ver se a gente entende: doar milhões de euros para a reconstrução de Notre Dame, resolve o problema da reconstrução de Notre Dame.
Doar milhões de euros para acabar com a fome em África não resolve o problema da fome em África. Só adia a resolução desse problema. A fome em África resolve-se com políticas de paz e de gestão de recursos. Não é uma questão de dinheiro, mas de boas ideias e de boa vontade: que não há.
Reconstruir Notre Dame não é reconstruir uma igreja. Igrejas há muitas e Deus não precisa de templos (nós precisamos). Eu, que sou católico, talvez só desse dinheiro para a igreja da minha comunidade, não para a “igreja” de Notre Dame se só estivesse em causa a reconstrução de um lugar para o culto. Mas reconstruir Notre Dame é salvar o património da humanidade, de crentes e não crentes. É salvar a história de 1000 anos da civilização europeia, da nossa história comum, dos nossos valores: dos valores capazes de salvar da fome as crianças de África. É salvar a história da arquitetura, da engenharia e da arte. É salvar a nossa memória que gostamos de imaginar eterna!  
Morrer, todos morremos. Uns mais cedo que outros, mas todos iremos. Na televisão uma mulher chorosa dizia que o que mais lhe custava era pensar que já ali não poderia entrar mais pois não tinha tempo de vida para ver as obras acabadas. Por isso gostamos de pensar que a nossa memória é eterna. Por isso sentimos vontade de reconstruir Notre Dame, para que seja aparentemente eterna, porque nós não somos.
Misturar fotos de Notre Dame a arder com criancinhas a morrer de fome e comparar doações, é só presunção beata, para não dizer pateta e estúpida. As pessoas que fazem isso seriam talvez as primeiras a protestar se algumas medidas de fundo, necessárias, tivessem que ser tomadas para salvar da fome as crianças de África, porque aí é que lhes iam ao bolso e aos privilégios.

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