Desculpar-me-á o leitor
por começar esta crónica com uma referência ao livro do Génesis, mas de todos
os da Bíblia é um dos meus preferidos, para não dizer mais, para não ofender a
riqueza teológica de outros. Logo nas primeiras páginas daquele livro
encontramos a história do início da alta costura. Alta porque, efectivamente
vinda do alto.
Estavam Adão e Eva no
Paraíso quando decidiram comer o fruto da árvore proibida (esqueçam a maçã que
nunca fez mal a ninguém e não aparece no livro que cito). Aconteceu o que
acontece a muita gente que come o que não deve, sentiram-se envergonhados por
se descobrirem nus. Vai daí e puseram à volta da cintura uns saiotes feitos com
folhas de figueira (esqueçam as parras de videira que não são suficientemente
grandes para esconderem os atributos dos pais da humanidade e também não são
citadas no livro). Continuando a narrativa do Génesis, o Senhor Deus resolveu
passear-se, pela brisa da tarde (o que prova que o Paraíso não devia ser longe daqui, da zona oeste) e deparou com o estado deplorável, sem gosto, dos saiotes dos
nossos antepassados. Condoído, o Senhor Deus fez-lhes umas túnicas com a pele
de uns animais (os animais tinham já morrido de velhice, pronto), que devem ter
ficado lindíssimas, as túnicas, pois o gosto estético do Criador é incontestável.
Serve assim a roupa, com
gosto ou sem ela, para esconder a vergonha de nos sentirmos nus. É assim, e
sempre foi assim. Obrigar alguém a despir-se só porque os outros não têm
vergonha, nem o Senhor Deus se atreveu mesmo quando se envergonharam do corpo
que Ele lhes deu.
Logo
após a revolução francesa, foi decretada uma Lei que dizia: "nenhuma
pessoa de qualquer sexo poderá constranger qualquer cidadão a vestir-se
de uma maneira específica sob pena de ser considerada e tratada como suspeita e
perseguida como perturbadora da ordem pública: cada pessoa é livre para
vestir-se de acordo com o seu sexo como lhe convém”.
Sábia lei esta dos
revolucionários que nem sempre se lembraram da frase de Cícero: “Não basta
conquistar a Sabedoria, é preciso usá-la”.
Estamos habituados a ver nos franceses um elevado sentido e gosto estético, pese embora a falta de
estética na escolha dos seus presidentes (com honrosas excepções para as
primeiras damas), mas também a admirar o seu gosto pela liberdade. Proibir
o acesso às praias do país a mulheres vestidas da cabeça aos pés é um insulto à
História, à Liberdade e ao Bom Senso. O ridículo de tamanha estupidez revela-se
quando o fato (não o facto) que pretendem proibir é em tudo idêntico ao fato
dos surfistas. Que se proíba alguém de tapar a cara terá todo o meu apoio. É uma
questão de segurança e nem sequer pode ser questionado em termos religiosos. O Islão
não obriga a tapar a cara nem as mãos. A obrigação é um hábito cultural que nós
consideramos um abuso. Quem não quiser ser visto, fique em casa.
Outra coisa é obrigar alguém
a despir-se. Tenham paciência. Quem defende tal coisa só pode ser um idiota. Repito:
IDIOTA, com todas as letras. Eu quero ter o direito de ir à praia de calças,
meias e sapatos e camisola de gola alta, embora as não consiga usar, e de
barrete enfiado na cabeça. É assim, aliás, que vejo muitos pescadores na nossa
praia da Foz do Arelho.
Há muitos anos, quando
era jovem adolescente (foi há tanto tempo), li um conto de Edgar Alan Poe cujo
título era “The Sistem of Dr.Tarr and
Prof. Fether”. Apesar do título e da cidadania americana do escritor, a
história passa-se no Sul de França. Não imaginava eu que tantos anos depois o
Sul de França me trouxesse à lembrança aquele conto. Nele, que traduzido dá: “o
sistema do Doutor Alcatrão e do Senhor Pena”, Edgar Poe conta-nos a história de
um manicómio onde se tratavam os idiotas com demasiada brandura. De tal forma
que não tardou que os idiotas tomassem conta do hospital e prendessem os sábios,
tratando-os a alcatrão e penas. Foi o que nos aconteceu. Os idiotas tomaram
conta disto tudo e transformam este mundo num imenso manicómio. Se duvidam
leiam as últimas sobre a nomeação dos gestores da CGD.
Apetece-me terminar como
termina o conto de Egar Poe referindo-se ao sistema de alcatrão e penas, mesmo
correndo o risco de vos dar ideias sobre o tratamento a dar aos idiotas que nos
governam, aqui e no Mundo!
“… um sistema
verdadeiramente excelente, de facto...
simples… asseado… sem complicações … delicioso deveras… Era…”
Lindo, João! A idiotice está a ganhar terreno em todos os cantos e recantos do nosso mundo! Nada melhor que uma dose de reflexão e humor para repor as coisas no sítio!! O meu país de liberdade está a perder os sentidos, a tornar-se numa fantochada de imbecis incentivando o ódio!
ResponderEliminarEstá tudo doido, Marine. Gostei de te ver por aqui. Beijinhos.
EliminarPois é João, quando vi que o burkini ia ser proibido também pensei nos surfistas.
ResponderEliminarEnfim, mais uma acha para a fogueira.
A mim, por vezes (vou pouco à praia) até me faz mal ver certos corpos mal escondidos em biquínis e que o burkini até lhes vinha a calhar, mas nunca me passaria pela cabeça proibir o que quer que fosse.
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