LENTILHAS, ou o Conflito do Médio Oriente explicado à mesa!
Em época natalícia fica sempre bem
falar de comida. De comida e de história ou estórias. Para que o Natal chegasse
conta-nos o livro do Génesis, o primeiro e mais interessante da Bíblia, as
origens da família, tribo e nação de José e Maria. Descontados o Adão, o Noé e
todos os patriarcas mais mitológicos, comecemos a história com Abraão que é
considerado o pai dos povos. Dos semitas, pelo menos: árabes e judeus. Da história
das pessoas faz também parte a história da comida e embora Abraão fosse mais
pastor que agricultor, já nesta época e local se consumia a lentilha, uma das primeiras
leguminosas a serem “domesticadas” no Médio Oriente. Mas, como todas as histórias,
convém começar do princípio.
Teve Abraão dois filhos
(que se soubesse), e por esta ordem: Ismael e Isaac. Ismael era filho de uma
escrava e Isaac da legítima que também era meia-irmã do marido (razão tinha o
Saramago que a Bíblia não é livro recomendável). Zangaram-se as mulheres e
Abraão viu-se obrigado a expulsar Ismael e sua mãe para o deserto. Ficou Isaac
que casou, já homem feito, com Rebeca que teve gémeos. Logo no ventre da mãe as
crianças se agitavam uma contra a outra prenunciando o que por aí vinha. Esaú
nasceu primeiro e logo a seguir Jacob que segurava com força os calcanhares do
irmão. Esaú era ruivo, peludo e muito macho, passando o dia em caçadas: era o
preferido do pai. Jacob era tranquilo e efeminado preferindo a companhia das
mulheres, tendo ganho o favor da mãe. Nas tendas do mulherio aprendeu a
cozinhar, e ganharia duas estrelas Michelin
se elas já tivessem sido inventadas à época.
Um dia regressava de uma
caçada, Esaú, o primogénito, cansado e cheio de fome. Ao passar junto à tenda
do irmão, inebriou-se com o cheiro do guisado de lentilhas que Jacob, de
malícia, preparava sabendo que o irmão não resistiria. Pediu Esaú de comer a Jacob
e este que sim, mas primeiro que lhe vendesse o direito de primogenitura. A
fome é má conselheira, já se sabe, e Esaú vendeu por um prato de lentilhas a
herança de seu pai (diz o texto sagrado, que ainda se acrescentou um bocado de
pão…). A história teve mais desenvolvimentos com um gostoso ensopado de cabrito
pelo meio, feito ainda por Jacob, dessa vez para enganar o pai Isaac. No fim
Esaú viu-se forçado a abandonar a tribo e buscar refúgio junto dos filhos do
tio Ismael que fora expulso para o deserto como eu já tinha contado. Por lá
casou e fundou a nação árabe, enquanto Jacob fundava a nação judaica. E cá
estão as lentilhas como culpadas do conflito que ainda hoje grassa naquela
parte do mundo.
São as lentilhas muito
importantes e saudáveis (embora por causa delas tenha morrido muita gente). Podem
ser escuras, verdes ou alaranjadas. Na Bíblia, Esaú chama ao guisado do irmão,
guisado vermelho, pelo que Jacob deve ter preferido as avermelhadas, não por
questões ideológicas mas por serem mais sedutoras, digo eu.
As lentilhas não
precisam de ser demolhadas. Lavam-se bem e num crivo escolhem-se e limpam-se de
impurezas e pedras. Cozem-se no dobro da água, escorrem-se e depois é usá-las
como em qualquer guisado de feijão, ou na sopa. Caprichem no refogado de cebola
e alho, especiarias, sal e pimenta, cenoura, tomate, etc. Podem pôr chouriço
mas não digam nada a judeus nem a árabes, que ao menos nisso estão de acordo em
serem do contra. Coloquem o vosso esforço e toda a alma de forma a comprarem,
senão um reino, o coração de quem vai saborear as lentilhas. No Brasil, Chile e
Venezuela comem-se na Véspera de Ano Novo porque acreditam que traz fortuna!
Bom apetite e ofereçam o
guisado sem esperar nada em troca. Lembrem-se que é Natal!
O que eu aprendo nestas Cartas.
ResponderEliminarAgora, sempre que olhar para lentilhas vou-me lembrar dos manos.
Obrigada por mais um ensinamento.
Obrigado eu pela paciência de me ler. De facto a história da comida é a história dos homens e das nações.
Eliminar