quinta-feira, 22 de outubro de 2015

ROMA


“Os sentidos do nosso corpo abrem-nos à presença de Deus no instante do mundo”, diz Tolentino Mendonça, e Roma desperta-nos todos e cada um dos sentidos enquanto Deus nos espreita do alto da cúpula que é de Bramante, mas também de Rafael e de Miguel Ângelo.
Em Roma o cheiro do incenso confunde-se com o do prosciutto e do pomodoro, enquanto os sinos harmonizam com o ruído aparentemente caótico do trânsito que não merece um único rasgo de impaciência à matrona que aproveita o semáforo para retocar a maquilhagem que vemos no rosto patrício. Mas é o espírito que transforma a matéria daquela pedra em carne de Proserpina que as mãos rudes de Plutão apertam e apalpam, e é Verão e Primavera, e é Outono e Inverno por causa disso.
Ide ver o pé desnudo de santa Teresa que cupido (e Bernini), disfarçado de anjo, leva ao paroxismo de um êxtase. E que dizer (ousadia de Rubens) de santa Madalena pegando a mão de um Cristo morto. Ressuscitará o Senhor ao ver-lhe o seio desnudo? Heresia?! Heresia seria não ver o céu do panteão e não afagar a pele sensual daquela incrível colunata onde o olhar joga às escondidas com a extravagância de um guarda suíço, ali, onde o Santo Padre canta em latim, enquanto babamos, deliciados, a pizza quente e picante saída do forno.
Se a beleza ordenada do palazzo Farnese nos lembra a sensualidade pecaminosa dos Bórgias, lá está Caravaggio usando a luz que vence as trevas gritando de dentro do barroquismo das igrejas: O que querem? O mundo é carnal, enquanto a cabeça de Golias nas mãos de David acrescenta: e tridimensional!
Afinal o que é Roma?... Apesar da idade das pedras do Palatino, é ainda o adolescente que se oferece com um cesto de fruta.

Imagem: “rapaz com cesto de fruta”, de Caravaggio, galeria Borghese, Roma

3 comentários:

  1. Enquanto uns aproveitaram a romântica Roma outros ficaram com o prosciutto a cheirar mal e os pomodoros quase podres, que lutaram (e lutam) para que a taça de barro fino de S. Bento ficasse bem apetrechada.

    Espero que tenham aproveitado bem esses momentos que a partir de hoje a cacaria voltará em força, hajam portugueses com sangue suficiente e pensos QB.

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    1. Caro anónimo, eu bem vi em Roma o estado em que aquilo ficou depois da passagem dos bárbaros. Temo bem que venham aí mais cacos, já que o oleiro que nos calhou em sorte a presidir à fábrica tem uma língua que faz mais estragos que um pau nas mãos de um vândalo.

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    2. Mas "o oleiro que nos calhou" tem mais queda para vidreiro. E do chinês.

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