“Os
sentidos do nosso corpo abrem-nos à presença de Deus no instante do mundo”, diz Tolentino Mendonça, e Roma
desperta-nos todos e cada um dos sentidos enquanto Deus nos espreita do alto da
cúpula que é de Bramante, mas também de Rafael e de Miguel Ângelo.
Em Roma o cheiro do
incenso confunde-se com o do prosciutto
e do pomodoro, enquanto os sinos
harmonizam com o ruído aparentemente caótico do trânsito que não merece um único
rasgo de impaciência à matrona que aproveita o semáforo para retocar a
maquilhagem que vemos no rosto patrício. Mas é o espírito que transforma a matéria
daquela pedra em carne de Proserpina que as mãos rudes de Plutão apertam e
apalpam, e é Verão e Primavera, e é Outono e Inverno por causa disso.
Ide ver o pé desnudo de
santa Teresa que cupido (e Bernini), disfarçado de anjo, leva ao paroxismo de
um êxtase. E que dizer (ousadia de Rubens) de santa Madalena pegando a mão de
um Cristo morto. Ressuscitará o Senhor ao ver-lhe o seio desnudo? Heresia?!
Heresia seria não ver o céu do panteão e não afagar a pele sensual daquela incrível
colunata onde o olhar joga às escondidas com a extravagância de um guarda suíço,
ali, onde o Santo Padre canta em latim, enquanto babamos, deliciados, a pizza
quente e picante saída do forno.
Se a beleza ordenada do
palazzo Farnese nos lembra a sensualidade pecaminosa dos Bórgias, lá está
Caravaggio usando a luz que vence as trevas gritando de dentro do barroquismo
das igrejas: O que querem? O mundo é carnal, enquanto a cabeça de Golias nas mãos
de David acrescenta: e tridimensional!
Afinal o que é Roma?... Apesar
da idade das pedras do Palatino, é ainda o adolescente que se oferece com um
cesto de fruta.
Imagem: “rapaz com
cesto de fruta”, de Caravaggio, galeria Borghese, Roma
Enquanto uns aproveitaram a romântica Roma outros ficaram com o prosciutto a cheirar mal e os pomodoros quase podres, que lutaram (e lutam) para que a taça de barro fino de S. Bento ficasse bem apetrechada.
ResponderEliminarEspero que tenham aproveitado bem esses momentos que a partir de hoje a cacaria voltará em força, hajam portugueses com sangue suficiente e pensos QB.
Caro anónimo, eu bem vi em Roma o estado em que aquilo ficou depois da passagem dos bárbaros. Temo bem que venham aí mais cacos, já que o oleiro que nos calhou em sorte a presidir à fábrica tem uma língua que faz mais estragos que um pau nas mãos de um vândalo.
EliminarMas "o oleiro que nos calhou" tem mais queda para vidreiro. E do chinês.
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