A propósito das
recentes eleições na Catalunha ouvi um cidadão daquela região dizer para as
câmaras de televisão, que desejava para a sua terra a independência, tal como
Portugal a tinha conseguido em 1640, ano em que a Catalunha viu a sua pretensão
derrotada na sequência do caso da “guerra dos segadores”. Tal comparação é
recorrente e utilizam-na como vitimização a puxar à boa consciência das almas
sempre prontas ao sobressalto perante os povos oprimidos. No entanto a mesma é
pouco rigorosa senão mesmo ofensiva, para nós portugueses. Os casos português e
catalão não são idênticos e nunca o foram.
Desde logo a
falta de rigor nas palavras: independência, para nós europeus pós-coloniais,
faz lembrar a libertação do jugo colonial, como o das nações africanas e
asiáticas. O mesmo termo foi contudo utilizado anteriormente para designar o
que aconteceu às colónias americanas apesar de a situação não ser idêntica. Em
África, os povos colonizados, não representados na potência colonizadora,
assumiram os seus destinos libertando-se da potência estrangeira. Na América
foram os colonos quem decidiram separar-se da pátria mãe. Os casos são
manifestamente diferentes e não é uma palavra que os torna iguais.
Quanto aos
sobressaltos, estes dependem mais dos motivos do que da vontade dos povos.
Assim, quem verte lágrimas pela situação catalã não as verteria certamente em
defesa da vontade da Carolina do Sul durante a guerra de secessão americana.
Porque afirmo
então que aquela comparação me pareceu quase insultuosa? Porque Portugal teve
de aceitar, por fatalidade, um rei que, embora português de direito (e de
coração), trazia consigo a carga de outro trono e de outros interesses que
colidiam com os nossos. Não foi Castela quem nos tirou soberania, foi a Espanha
constituída pela união de Castela e Aragão, que é o mesmo que dizer, Castela e
Catalunha. Se esta queria a secessão, que não independência, nós queríamos
ver-nos livres de um rei que parecia e actuava como estrangeiro. Não
restaurámos a independência porque nunca a perdemos de jure e nunca fomos Espanha como a Catalunha.
Na verdade, fizemos
um golpe de estado onde restaurámos a independência do nosso rei. Isto é,
exigimos um rei que fosse livre e independente de outros interesses que não os
portugueses. “Somos livres porque nosso
rei é livre…”
Que se saiba a
Catalunha, desde a reconquista aos mouros, não foi colónia mas potência
colonizadora dos territórios sob domínio mouro e do Mediterrâneo, cujo senhorio
viu ameaçado com a conquista de Constantinopla pelos turcos que assim assumiram
o predomínio naquele mar.
Perde o
Mediterrâneo importância e por Sevilha se abre uma porta ao Atlântico e às
riquezas do Novo Mundo que um alentejano, baptizado de italiano, oferece de
bandeja. Castelhanos e Catalães juntam-se em casamento com comunhão de bens que
chegam das colónias americanas e asiáticas.
E são Castela
e Catalunha unidas de comum acordo, e com igual cota, que conquistam o reino de
Granada, último suspiro andaluz, e usufruem juntas das suas riquezas e juntas
formam, finalmente, a Espanha. Lá estão, no último rincão ibérico, na cripta da
capela real da catedral da Encarnação em Granada, repousando em paz, Fernando e
Isabel, com Joana, a Louca, Filipe, o Belo e Miguel da Paz, príncipe de Portugal
e das Astúrias e sonhador da união ibérica.
Catalunha e
Castela uniram-se porque quiseram, Portugal foi unido querendo ou não. Gritam
agora os Catalães da secessão contra os que estão em Madrid, num provincianismo
ferido porque a capital da Espanha de Fernando e Isabel já não está em Sevilha,
mas no centro de Castela.
Lembrar-se-á a
Andaluzia da sua posição de colonizada, confirmada pelas estátuas jazentes de
Castela e Catalunha no túmulo de pedra da catedral de Granada?
Tornar-se-á
Isabel numa viúva de pedra, apagando-se a estátua de Fernando como se fazia nas
fotografias da antiga União Soviética, na tentativa de esconder a História?
Não. A
restauração que agora comemoramos não é comparável a secessões. Sairão os
Catalães da Espanha que construíram, como entraram: querendo. Nós não saímos
porque não chegámos a entrar.
Mas não
esqueçamos que foram co-fundadores da Espanha, no momento mais alto da sua
história, onde partilharam glória e riqueza. Ao saírem no momento em que essa
Espanha deles precisa, não saem como vítimas…
Mais uma vez uma grande lição de História
ResponderEliminarobrigada
Não será grande lição. É mais uma chamada de atenção para evitar equívocos.
EliminarObrigado eu pela paciência em me leres.