quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A INFLUÊNCIA DE PANGLOSS NO ESTADO DA NAÇÃO


Durante muitos anos vivi, sem o saber, sob a influência dos ensinamentos do doutor Pangloss e, qual Cândido, julgando viver no melhor dos países possíveis. Esta é, talvez, a contribuição mais marcante que a educação do Estado Novo me deixou inculcada na alma. Tão forte era a sua marca que, ainda menino, julguei que o próprio Deus procurara para incarnar uma virgem de Entre-o-Douro e Minho (compreendam… foi há muitos anos…). Com o passar do tempo, e ao contrário do bom Pangloss sempre optimista, mas cuja vida fez jus ao adágio: nada é tão mau que não possa piorar; fui-me tornando cínico.
Como Leibniz, mentor estimado do professor da corte do barão Thunder-ten-Tronckh, fiz-me engenheiro. Ou, como manda a modéstia, obtive um diploma em engenharia. Nessa qualidade tive a oportunidade de ir apreciando como as doutas e sábias cabeças que administram o país vão gerando e parindo regulamentos e normativos vários. Por estes pequenos exemplos se vai percebendo o que por aí se foi fazendo.
Um dia, numa conferência ou seminário sobre ambiente, um certo secretário de estado, muito dado à polémica e por isso mandado rapidamente para Bruxelas, sentado à mesa de honra e baloiçando no ar as pernitas, gritava sério e rubicundo que Portugal estava atrasado porque gastava pouca energia e que era preciso urgentemente aumentar os nossos gastos energéticos. Eu, que ainda via ministros e secretários de estado aureolados como santos em altar, afundei-me como pude pela cadeira abaixo envergonhado de ainda correr a apagar as luzes do corredor. Não faltou muito tempo (talvez assustados com as marcas dos cascos) que não gritassem que era preciso diminuir a nossa pegada ecológica, desdizendo o que antes berraram.
De outra vez, surgindo a necessidade de em determinada aldeia do sopé da serra se construir um jardim-de-infância, vieram os técnicos com seus regulamentos ministeriais verificar o local. Apertados com a falta de espaços disponíveis, arranjara a autarquia um lugar mesmo azado para o efeito e juntinho à escola primária. Ficavam ali como Deus e os anjos. Gritaram que não, arrepanharam os cabelos e pouco faltou para rasgarem as vestes: onde já se viu, juntar criancinhas saídas do colo da mãe com matulões da primária. Titubeei que andavam todos juntos na única rua da aldeia e que juntos brincavam no adro da igreja. Fuzilaram-me com o olhar. Tempos depois era permitido que se juntasse a pré com a primária e as duas com o secundário: as regras mudaram, disseram-me. Não se admire o leitor se as vir junto à universidade: pelo andar das coisas já pouca diferença há entre o aluno da pré e o caloiro que se sujeita à praxe.
Numa estimável tentativa do ministério da educação em ensinar engenheiros a construir escolas, aprendi num curso que as vedações devem ser baixas. Argumentei que assim as bolas fugiam e perdiam-se por pomares, quintais e estradas, pois não saberiam os doutores do ministério que os miúdos jogavam à bola? Ficam traumatizados, explicaram-me, pensarão que estão num presídio. Tempos depois o mesmo ministério exigia vedações altas e devidamente quadriculadas de forma a impedir que as crianças pusessem nelas o pé e pulassem a cerca. Não era o perigo da bola, era o perigo de fugirem!!! Isto tudo muito bem verificado por um oficial do exército que juntava à reforma, a assessoria na segurança das construções escolares. Onde antes não podia haver grades, passava a haver a guerra das trincheiras…
Ao ver o estado em que esta gente deixou o país, e ao ver a forma como esta mesma gente (são sempre os mesmos, embora mudem de nome e de cara) tenta remediar o mal, cada vez me convenço mais que, como disse há dias o bispo do Porto, já não vêem um palmo à frente do nariz. Já não vêem e nunca viram!
Obama ganhou a uma terça-feira de Novembro, porque assim ficou decidido há mais de duzentos anos de acordo com a agenda agrícola duma América rural. Só mudarão quando houver razões de peso que não a míngua da ruralidade actual.
Nós, à míngua de tudo, não tarda estamos, como antigamente, agarrados à rabiça do arado, aguilhoando o muar. Prevendo esses tempos, e como dizia o Cândido, aconselhado por Pangloss, que precisamos de cuidar do jardim, nada melhor do que recorrer ao velho e imutável Borda d’Água, que diz para Novembro:
“No jardim estercar covas para a plantação na Primavera de árvores ou arbustos (se for preciso aproveitem o esterco que se tem feito). Estacar as plantas contra o vento. Plantar bolbos de flores. Podar as roseiras e plantar novas. Na horta semear agrião, alface, cenoura, couves. Plantar batatas, alho, couve temporã, tremoço. Semear fava, ervilha, e em camas quentes, alface, beterraba, cebola, nabiça, nabo, rabanete e tomate”.
E porque estamos cerca do São Martinho, há que “verificar as vasilhas do vinho novo”, que este ano promete ser do melhor. Valha-nos isso.



5 comentários:

  1. Só tenho 2 coisitas a comentar:1) AINDA PODE (E VAI) PIORAR BASTANTE.
    2)TENHO-ME FARTADO DE CAVAR (SÓ NÃO PERCEBI AINDA O QUE RAIO É PLANTAR EM CAMA QUENTE, E ACHO QUE NÃO PODEMOS USAR O TAL ESTERCO...É TOXICO DE CERTEZA...)

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  2. Caro anónimo,
    Eu sei que isto está mal e pode piorar, mas julgo que não é caso para se pôr a gritar comigo.
    Se o meu amigo não sabe o que é plantar em cama quente, então tem perdido o que de melhor há e, por enquanto, livre de impostos.):

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    1. Um dos nossos problemas tem sido muitas vezes a irresponsabilidade dos que cavam muito sem saber o que é fazê-lo em cama quente.Para mim quer dizer que há muita gente a meter o nariz onde não deve e por isso se acobertam com o anonimato.
      Haja coragem ao menos para assumir as próprias ideias.
      Senhor João Alves apreciei bastante as suas observações.Portugal é uma conjuntura... infelizmente.

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    2. Álvaro Órfão
      Muito obrigado pelo seu comentário.
      Quanto ao anonimato não se preocupe. Este é um espaço de liberdade e todos aqui podem vir sem constrangimentos, daí por vezes o anonimato ser útil. Desde que tudo seja feito no respeito pelas ideias de cada um, mas nunca fugindo à polémica.

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    3. Caro senhor Órfão:
      Juro que não percebo o alcance do seu comentário (ao meu comentário)! Nem porque se amofinou tanto...
      Primeiro, o João está farto de saber quem eu sou (tenho o prazer - ás vezes :) - de privar com ele todos os dias de trabalho) e, se me fico pelo anónimo, é porque não tenho (ou pelo menos acho que não e nem quero saber se sim) nenhuma das outras opções esquisitas que aparecem na lista.
      E o meu comentário nada tinha de esotérico: estou literalmente a cavar uma horta (das com couves,que a crise manda)e tinha dificuldade em perceber o que era a "cama quente" mencionada no tradicional "Borda d'água", preciosíssima e intemporal ajuda a todos os ignorantes com pretensões a lavrador. Aliás ele por outra via já teve o cuidado de me elucidar, com uma excelente descrição de uma deliciosa mistura de esterco novo e velho, folhas e palha, em rigorosas proporções.
      Portanto, não se leve nem a mim nem a si tão a sério (eu não levo, certamente), nem tome a nuvem por Juno, porque era mesmo só uma nuvem.
      E para que não restem dúvidas sobre quem sou, e como me recuso a sair do anónimo para um livejournal ou um typepad ou outra coisa qualquer que nem imagino o que seja,
      Sinceramente, seu (vosso)
      João Santos

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