sábado, 16 de novembro de 2019

A INJUSTIÇA DAS HOMENAGENS


A 20 de maio de 1977 o Coliseu dos Recreios de Lisboa vinha abaixo por causa da “cena da loucura” da ópera Lucia di Lamermoor de Donizetti, uma ária de exigência superior cantada e interpretada por Elizette Bayan. Como refere a crónica do Diário de Notícias da altura, foi de tal forma que o próprio Alfredo Krauss, o grande e famoso tenor espanhol que a acompanhava, no próprio palco e no meio da cena, resolveu aplaudir também. Cinco meses depois tive a graça de a ouvir e ver em Coimbra, na mesma ária e ópera, agora já sem Krauss, que o dinheiro em Portugal nunca chega à Província, com o teatro Gil Vicente a vir abaixo com os aplausos e com espectadores de lágrimas nos olhos. Era uma cantora portuguesa. Uns meses antes, a canção “Portugal no Coração” com música de Fernando Tordo, cantada pelo grupo “Os Amigos” ganhava o Festival da Canção.
No programa de sala daquela noite memorável no Gil Vicente de Coimbra, que guardo religiosamente, nada diz sobre a biografia daquela grande cantora. Voltei a ouvi-la mais vezes. Na rápida pesquisa na net soube que foi condecorada por Sampaio e pronto. Desconheço se ainda está entre nós, porque no coração de quem a ouviu está com certeza.
O teatro Nacional de São Carlos, a casa que em Portugal representa a excelência do canto, onde ela foi a cantora principal, recebe hoje Fernando Tordo, um cantor que, zangado com Portugal porque, na opinião dele, o votava ao esquecimento, rumou ao Brasil na altura Meca para alguns artistas vitimados e injustiçados desta Nação. Agora que aquela Meca foi invadida por hordas “almorávidas” acolhem-se de novo ao coração da Pátria.
Portugal tem hoje muitos e bons cantores de música popular que aprenderam com Fernando Tordo e, superando o mestre, ganharam o Festival da Eurovisão. Na ópera, jovens cantores fazem já percursos notáveis e a seguir, mas nenhum, que eu saiba, se atreve à Lucia. Fico à espera que Elizette Bayan, se ainda cá estiver, seja um dia convidada a subir ao palco do São Carlos para ouvirmos a orquestra tocar para ela, como vai hoje fazer para Fernando Tordo. E, já agora, a Elsa Saque, a Zuleika Saque, a Palmira Troufa, o José Fardilha, o Jorge Vaz de Carvalho, e tantos, tantos outros, e já não vão a tempo do grande Álvaro Malta.

3 comentários:

  1. O Teatro Nacional de São Carlos deveria representar a excelência do canto e promover a actuação dos bons cantores líricos portugueses, os mais antigos que referiu e muitos mais novos e bons mas, infelizmente, não o faz.
    Aparecem esporadicamente alguns dos nossos cantores líricos, é verdade, mas as temporadas são tão pobres e miseráveis que confrange! E é este o único teatro de ópera nacional. Lisboa é a capital de um País europeu que até está na moda mas, no que à ópera respeita, nem está ao nível de qualquer cidade secundária de países europeus pouco relevantes musicalmente!
    É uma pena e uma vergonha, sobretudo se compararmos a situação actual com aquela que era vivida na época em que Elizabette Bayan e outros cantores seus contemporâneos lá se apresentavam regularmente, em temporadas dignas de uma capital europeia de um País pequeno.
    Temos agora como directora artística do Teatro uma cantora de qualidade que se afirmou internacionalmente (Elisabete Matos), boa conhecedora do meio. Esperemos que consiga elevar um pouco o nível das temporadas, pelo menos para alcançar o que foi no passado referido ou, se não quisermos ser saudosistas (e por que não, se neste aspecto era muito melhor), para que possamos ter programações anuais comparáveis às de teatros como, por exemplo, os teatros de cidades "secundárias" espanholas ou alemãs.

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