sábado, 22 de setembro de 2018

LÍDIA JORGE: IGNORÂNCIA OU PRECONCEITO



Ontem, já no adiantado da noite, de regresso a casa ouvi, através do rádio do carro, na Antena dois, Lídia Jorge afirmar que Fernão de Magalhães lutara contra várias forças que se opunham à sua viagem contando-se entre elas a Igreja que à data, no dizer da escritora, advogava que a Terra era plana. Fiquei siderado com a ignorância demonstrada pela professora e escritora.
Bem sei que Lídia Jorge não é professora de ciências, mas cursou filologia românica pelo que estudou latim, literatura e os aspectos culturais dos Povos. Era suposto que soubesse mais sobre a história da Igreja, determinante na vida e cultura europeias, e a sua acção em prol da Ciência desde logo com a fundação da Universidade. Ficou-me, no entanto, a dúvida se o erro crasso se devia a ignorância se ao preconceito se a ambos.
A esfericidade da Terra está estabelecida desde, pelo menos, o tempo dos gregos, tendo Aristóteles, sábio que a Igreja sempre prezou e divulgou, referido o globo terrestre no seu tratado “Sobre o Céu”. Erastóstenes (276 aC-194 aC) chegou mesmo a calcular a sua circunferência que se provou estar muito próxima à calculada pelos modernos instrumentos da nossa tecnologia. Estrabão, um geógrafo grego, chegou a afirmar que um navegador poderia chegar à Índia saindo de Espanha e navegando para Oeste em uma semana! Santo Ambrósio e Santo Agostinho referem-se à esfera terrestre e o monge cristão Cassiodoro obrigava os monges à leitura de Ptolomeu com as suas considerações sobre a esfericidade da Terra. Tudo isto antes do ano 1000 da nossa era. Depois veio Bacon, Alberto Magno e João de Sacrobosco que escreveu o “Tratado da Esfera”. Cristóvão Colombo acabou por ler isto tudo no conjunto de tratados sobre a esfericidade da Terra escrito pelo cardeal Pierre d’Ailly (que afirmava a rotação da Terra antes de Copérnico). Portanto não só a Igreja acreditava na esfericidade da Terra desde o tempo dos seus primeiros pensadores como essa crença influenciou e levou à viagem de Colombo. E aqui demonstra Lídia Jorge a sua grande ignorância quando fala sobre o assunto. É que se dúvidas pudesse haver sobre a esfericidade da Terra elas colocar-se-iam antes da viagem de Colombo e nunca antes da viagem de Magalhães trinta anos depois.
Se Lídia Jorge, por preconceito ou outro motivo qualquer, não se interessa pela história da Igreja, podia ao menos ter tentado perceber por que razão Carlos Magno, “devoto defensor e humilde servo da Santa Igreja”, usou no século IX como símbolo do seu poder sobre a Terra, um globo esférico encimado por uma cruz.

imagem: Ilustração de Carlos Magno datada de cerca de 1450 (Imagno/Getty Images)

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