Ontem,
já no adiantado da noite, de regresso a casa ouvi, através do rádio do carro, na
Antena dois, Lídia Jorge afirmar que Fernão de Magalhães lutara contra várias
forças que se opunham à sua viagem contando-se entre elas a Igreja que à data,
no dizer da escritora, advogava que a Terra era plana. Fiquei siderado com a ignorância
demonstrada pela professora e escritora.
Bem sei
que Lídia Jorge não é professora de ciências, mas cursou filologia românica
pelo que estudou latim, literatura e os aspectos culturais dos Povos. Era suposto
que soubesse mais sobre a história da Igreja, determinante na vida e cultura europeias,
e a sua acção em prol da Ciência desde logo com a fundação da Universidade. Ficou-me,
no entanto, a dúvida se o erro crasso se devia a ignorância se ao preconceito
se a ambos.
A esfericidade
da Terra está estabelecida desde, pelo menos, o tempo dos gregos, tendo
Aristóteles, sábio que a Igreja sempre prezou e divulgou, referido o globo
terrestre no seu tratado “Sobre o Céu”. Erastóstenes (276 aC-194 aC) chegou
mesmo a calcular a sua circunferência que se provou estar muito próxima à
calculada pelos modernos instrumentos da nossa tecnologia. Estrabão, um
geógrafo grego, chegou a afirmar que um navegador poderia chegar à Índia saindo
de Espanha e navegando para Oeste em uma semana! Santo Ambrósio e Santo Agostinho
referem-se à esfera terrestre e o monge cristão Cassiodoro obrigava os monges à
leitura de Ptolomeu com as suas considerações sobre a esfericidade da Terra. Tudo
isto antes do ano 1000 da nossa era. Depois veio Bacon, Alberto Magno e João de
Sacrobosco que escreveu o “Tratado da Esfera”. Cristóvão Colombo acabou por ler
isto tudo no conjunto de tratados sobre a esfericidade da Terra escrito pelo cardeal
Pierre d’Ailly (que afirmava a rotação da Terra antes de Copérnico). Portanto não
só a Igreja acreditava na esfericidade da Terra desde o tempo dos seus
primeiros pensadores como essa crença influenciou e levou à viagem de Colombo. E
aqui demonstra Lídia Jorge a sua grande ignorância quando fala sobre o assunto.
É que se dúvidas pudesse haver sobre a esfericidade da Terra elas
colocar-se-iam antes da viagem de Colombo e nunca antes da viagem de Magalhães
trinta anos depois.
Se Lídia
Jorge, por preconceito ou outro motivo qualquer, não se interessa pela história
da Igreja, podia ao menos ter tentado perceber por que razão Carlos Magno, “devoto
defensor e humilde servo da Santa Igreja”, usou no século IX como símbolo do
seu poder sobre a Terra, um globo esférico encimado por uma cruz.
imagem: Ilustração de Carlos Magno datada de cerca
de 1450 (Imagno/Getty Images)
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