Preocupar-se alguém com a cor dos
ministros, seja para o acinte disfarçado de coolness,
seja para a defesa das minorias com tiques de movimento nacional feminino,
traz-me à memória aquele sketch da
televisão inglesa em que um gay exuberante grita aos quatro ventos a sua condição
de “único gay da aldeia”, constantemente desmentido pela realidade. Who cares?
Vem isto a propósito da nomeação de
uma ministra negra, uma ministra cega e um ministro de ascendência cigana. A
ministra cega talvez causasse alguma perplexidade, e depois curiosidade, entre
a população, pois nunca se “viu”, apesar de a maior obra literária mundial ser
de um cego. Quanto ao ministro “cigano” ninguém daria por ele não fosse o caso
de gostar de se afirmar como tal, um pouco ao jeito do “gay da aldeia”. A
ministra da justiça, ao contrário da personagem da série que citei, é uma
mulher circunspecta e pouco dada aos holofotes e às luzes da ribalta. Julgo que
ninguém da população pestanejou sequer com a sua nomeação. No entanto, alguns
jornais, estrangeiros até, gritaram aos quatro ventos a circunstância de ser
negra. Uns exaltando a justiça que foi feita, outros com observações acintosas.
O primeiro ministro apanhou por tabela pois a circunstância de ser de origem
indiana torna-o num não branco, não se fazendo caso das classificações
racialistas do século passado que incluíam os indianos no grupo dos
caucasianos. Contra as invectivas insultuosas terçou armas a esquerda bem
pensante. Foi pior a emenda que o soneto. Não conheço nada mais insultuoso que
a complacência dos bens pensantes (a melhor resposta que vi ao Tintin no Congo
não foi a sua proibição, mas um cartoon em que um enorme negro sodomiza o
pequeno jornalista. Se fosse eu que mandasse, o Tintin no Congo seria sempre
vendido desde que incluísse a oferta daquele cartoon).
Os negros são de Lisboa muito antes da
vinda dos retornados. As confrarias de negros de Lisboa remontam ao século XV.
Filipe I de Espanha apreciava ver, do paço da Ribeira, os negros de Lisboa. Gil
Vicente tem numa negra talvez a sua mais bem conseguida personagem. Na primeira
ópera cantada em português, com o sugestivo nome de “A Vingança da Cigana”, um
dos seus personagens é o negro folgazão de nome “Chibante”. A música é de Leal
Moreira mas o libreto é de Domingos Caldas Barbosa, um mulato brasileiro filho
de um branco de Portugal e de uma negra de Angola. E é este mulato que escreve
um texto gozando o sotaque do negro da Guiné. Tudo isto no século XVIII entre
os frequentadores de São Carlos, o sítio mais “branco” da cidade, e onde um
século depois as damas lisboetas suspiravam pelo príncipe Godide, filho de
Ngungunhane, que traz ainda descendência pelos Açores.
O maior vulto das letras portuguesas
do século XVII é um mulato, bisneto de uma negra: o padre António Vieira. O
marquês de Pombal era neto de uma índia e a família real portuguesa descende do
profeta Maomé e de judeus. Não é de origem etíope porque se gorou o plano de
fazer casar D. Manuel I com uma princesa do reino do Prestes João. Podia
afirmar, sem engano, que todos os lisboetas são mulatos, como os mulatos Almada
Negreiros, Eusébio, Simone de Oliveira e o Cristiano!
O escrutínio rigoroso da genealogia
mais recente dos nossos ex-ministros evitaria o disparate de frases
jornalísticas como: “até agora foram sempre brancos”…! Uma ministra de nome
holandês e de cor negra, no governo de um goês, só pode causar espanto,
desagrado ou euforia, a quem desconhece a existência de imperadores romanos
negros, a história de Portugal ou nunca ouviu falar de Afonso de Albuquerque. Parafraseando
Morgan Freeman, digo que a História dos Negros é a História de Portugal.
Somos pequeninos e daltónicos...
ResponderEliminarSomos sobretudo desmemoriados.
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