Quando
visito cidades não dou especial atenção à estatuária e faço mal. Em Madrid, na
Praça do Oriente, sempre fascinado pela ópera, pus-me a admirar a fachada do
teatro real e não prestei a devida atenção à magnífica estátua de Filipe IV. Trata-se
da primeira estátua equestre em que o cavalo se empina totalmente e é por isso,
e pela sua inegável beleza, um marco na história da arte e uma das três
melhores do mundo. O regresso a Madrid para a reparação de tão grave descuido
impõe-se portanto (aproveito e espreito a temporada do teatro, à falta do
nosso, e se não for ópera será uma zarzuela salerosa,
olé!). Voltando à estátua, o rei monta um cavalo e não vice-versa, e por isso
diz-se que a estátua é equestre, embora por vezes duvidamos de que lado está a
besta.
A que propósito falo de estátuas de reis em dia do
trabalhador? Não é que a revolta de Chicago não mereça ser contada mas sendo a
mesma conhecida ou acessível optei por contar a história de uma estátua, que é
também a história de quem a construiu.
Quis Filipe IV de Espanha e III de
Portugal, homem que tinha um ego maior do que o mundo que dominava, uma estátua
que o imortalizasse e que ensombrasse a de seu pai. Que fosse maior e mais
grandiosa e em que o cavalo parecesse galopar contra as hostes holandeses que o
roubavam ou contra os portugueses a quem ambos roubavam. Nada de coreografias
corteses como a de Filipe III.
O conde-duque de Olivares, conde por parte do pai e
duque por parte da solicitude, logo tratou de a encomendar ao melhor escultor
da época, um toscano, que se viu grego para realizar tal feito dada a
dificuldade técnica de pôr um cavalo sustentado em duas patas, coisa até então
nunca tentada. Seis anos trabalhou o escultor tentando resolver o problema. Desesperado,
pediu ajuda a Galileu Galilei que se perguntou porque queria o rei uma estátua
que parecesse mover-se quando movendo-se a Terra movia-se a estátua com ela.
Resolvido a ficar pela aparência, não fosse o rei
enjoar com tanto movimento, o matemático de Pisa e de Pádua mediu então a obra,
calculou o ângulo em que devia ficar o empinanço do bicho, quantificou o bronze
necessário e por fim aconselhou Pietro Tacca a fazer as pernas traseiras
maciças e as dianteiras ocas, de forma a trazer o centro de gravidade para trás
permitindo um melhor equilíbrio. Tacca assim fez, e com medo que fosse
insuficiente, engenhosamente pôs a cauda do animal a arrostar pelo chão
permitindo assim um apoio dissimulado. Outras bestas, alçando-se nos quartos
traseiros, à falta de cauda apoiam-se em quem trabalha, não vá porem as mãos no
chão e descobrir-se-lhes a natureza.
Mas o escultor não conhecia o rei. Cavalos há muitos, pensou, mas Filipe IV
há só um, embora em França já tivesse havido outro alguns séculos antes, e
pediu a Velásquez o retrato do rei que prontamente lhe enviou um de corpo
inteiro, provando que a rapidez é inimiga da perfeição, como adiante se verá. Foi
assim a estátua feita pelo melhor escultor da altura, depois de seis penosos
anos, com a ajuda de um dos grandes cientistas mundiais e do maior pintor de
Espanha (que por acaso tinha sangue português, do Porto).
O cavalo, alçando-se num magnífico courbette (curveta para os puros), ficou
lindo e soberbo. O cavaleiro olha em frente, garboso, segurando as rédeas com
firmeza enquanto empunha o bastão de comando na mão direita, enfrentado o mundo
de peito aberto sob a armadura onde a faixa de capitão general baila ao vento em
filigranas de bronze. Nem nos tempos de Roma se viu coisa assim! Rói-te de
inveja Marco Aurélio, tu e o teu cavalinho de carrossel, porque tudo aquilo é
grandioso, tudo aquilo é soberbo, tudo aquilo é movimento numa maravilha da
técnica e da estética mas (há sempre um mas), o rei não gostou!...
Filipe IV, o Grande, o rei Planeta, não gostou. Não
se parecia com ele! Sou muito mais
bonito, ouviram-no dizer pelos corredores do Alcázar de Madrid.
Suponho que todos já nos sentimos como se deve ter
sentido o velho Tacca. Um pequeno erro nas contas depois de horas de
verificação, o pequeno buraco que ninguém viu na extensão do trabalho que levou
dias a pensar e outros tantos a fazer, fazem feio o chefe e estragam qualquer
esforço por maior que tenha sido.
Faça o trabalhador o que fizer, se não fizer belo o
príncipe de nada lhe vale. Só lhe restam duas soluções: retomar a obra ou
cortar a cabeça… do príncipe, é claro!
Bom texto, hein?! :) Apoios à parte, ainda bem que me falou no assunto, vou ficar atenta aos animais! (Rita)
ResponderEliminarOs animais não nos fazem mal. Com as bestas é que é preciso cuidado!
ResponderEliminarJoão, a primeira vez que estive em Madrid, em 1982, reparei na estátua e por ali me perdi um tempo infindo, admirando-a. É magnífica. Oxalá aqui por Lisboa, aproveitem a limpeza do nosso D. José I e dourem a bela obra de Machado de Castro. Numa praça imperial, muito bem ficaria, afastando misérias quotidianas. Porque na verdade, "o que parecer, será"!
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