sábado, 13 de outubro de 2012

EUROPA

          A comunidade Europeia acaba de ganhar o prémio Nobel da paz. A alguns causou estranheza, a outros alegria, a muitos indiferença e ainda repulsa, dada a fraca companhia a que tal prémio anda associado. No meio desta crise e quando a ameaça da fome paira sobre alguns europeus é fácil esquecer as desgraças e misérias de uma Europa a que nos habituámos a olhar como o eldorado. É fácil esquecer que há 20 anos, nos Balcãs, os vizinhos matavam-se uns aos outros e há 25 anos, em Berlim, quem saltasse muros era morto. Se o prémio servir para abrir as nossas consciências para a construção dessa paz europeia, só possível com a erradicação de egoísmos (e nacionalismos exacerbados são também egoísmo), será bem vindo.
            Soube deste prémio quando visitava os marcos miliários que os romanos deixaram há quase dois mil anos nas estradas que construíram no mais recôndito das nossas serras. Daqueles vales e montes, onde há bem pouco só a pé ou sobre bestas se ia, chegava-se a Roma por estrada calcetada, capital desse projecto europeu construído pela força mas também com generosidade. A estrada vinha pacificar, civilizar mas também levar os recursos mineiros de que dispúnhamos. Pacificavam-se as tribos locais e os belicosos lusitanos que, ao contrário do que nos ensinaram, não estavam “postos em sossego” quando atormentados pelo gládio dos romanos, mas mordendo-lhes as canelas no vale do Pó enquanto acompanhavam os elefantes de Aníbal. Não seria a última vez que os “lusitanos” levariam elefantes a Roma, mas isso é outra história.
            Perdemos a soberania, gritaram eles e gritamos nós atormentados por uma dívida que não conseguimos pagar. Mas não foi com a exigência do pagamento da dívida que perdemos a soberania: foi quando usámos o dinheiro em bancos de jardim e rotundas. Quando se pede emprestado para comprar uma casa, pedimos o direito à mais elementar dignidade, mas quando pedimos para os cortinados perdemo-la, principalmente quando quem empresta não faz uso de cortinados por supérfluos. Por esta perda de soberania, há agora quem ache que é traição continuarmos europeus.
Afonso Henriques conquistou Lisboa com a ajuda de alemães e ingleses e construiu Alcobaça para a ordem de São Bento, outro importante projecto europeu cujo mote foi “ora et lavora”, o espírito e a matéria num só. Depois casou a filha com a Flandres que começava a cantar as lendas arturianas e a demanda do Graal. Em São Mamede venceu a mãe e um projecto nacionalista (que alguns sonham ressuscitar). Agradou aos barões locais e a Braga, mas no seu íntimo mais secreto escondia a vontade de continuar, em direcção ao mundo, aquela geira romana que terminava no Minho, transformando Portugal na vanguarda de um projecto europeu. O rosto da Europa é Portugal, diz Pessoa. Não pode ser traição!
            O legado europeu, da cultura aos direitos do homem, morre com a Europa, face à emergência brutal de interesses meramente económicos que até em insuspeitados regimes comunistas floresce. Portugal tem responsabilidades históricas na transmissão desse legado. Será traição deixar morrer esta demanda do graal: da sabedoria que trará a abundância.

2 comentários:

  1. A europa nem um penico de barro merece, quanto mais um premio da paz.

    O que a velha europa precisa ee de fabricar mais loiça e vende-la aos orientais. Assim pode ser que um dia se equilibre na balança do poder.

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  2. O que a velha Europa precisa é de acreditar no seu legado humanista para poder transmiti-lo aos outros. Não poder.

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