Como
crente que sou, só Deus e a vida são sagrados. Ideias como nação, pátria,
república, monarquia, não têm para mim nada de sagrado. São formas de
organização que se querem necessariamente mutáveis conforme os interesses das
comunidades que servem. Por isso abomino o nacionalismo, que não resiste ao
mais elementar estudo da história ou da genética, ou vénias a republicanos ou
monárquicos.
Simpatizante
de um regime monárquico vivo muito bem neste regime republicano que considero,
atualmente, ser o que melhor serve os interesses da comunidade que habita
Portugal. A causa monárquica está cheia de gente a cheirar a naftalina dos
baús, pingando anéis brasonados dos dedos e ansiosa pela espinha curvada às
vénias. Não é o que ambiciono para o país onde vivo. No entanto, não comemoro o
5 de outubro de 1910 porque não há nele nada que mereça ser comemorado. Nem
sequer a implantação de uma república que não se conseguiu implantar, apesar do
nome. A 5 de outubro apeou-se um rei e alçou-se um presidente. A res pública passou assim para as mãos
das oligarquias económicas ou políticas, com um fantoche a acenar ao povo.
Dispensou-se o que em futebol denominamos de árbitro. Foi preciso esperar por
Abril de 1974 para que nos meses que se seguiram se conseguisse, efetivamente,
implantar um regime verdadeiramente republicano.
A 5 de
outubro de 1910 houve em Lisboa um golpe de estado. Alguns gostam de lhe chamar
revolução mas o termo escapa ao que efetivamente aconteceu:
Em
agosto do mesmo ano de 1910 houve em Portugal eleições legislativas legítimas e
democráticas, onde 600 000 eleitores, dos 695 471 inscritos, portanto uma
participação de 86.27%, votaram contra os republicanos que obtiveram somente 9%
dos votos. A queda da monarquia em Outubro não permitiu que o parlamento
legítimo tomasse posse. Em 1911 fizeram-se eleições somente nos círculos
eleitorais de Lisboa e em 1915 havia inscritos somente 397 038 eleitores, muito
abaixo do universo eleitoral das últimas eleições legislativas do regime
monárquico. Eleições legislativas legítimas e democráticas só voltaram a haver
em 1976. Houve, portanto, e do ponto de vista etimológico, muito mais república
no regime monárquico do que nos 66 anos que se seguiram à implantação dita da república.
O que se seguiu foram golpes e contragolpes durante 15 anos e meio que
resultaram numa ditadura de 48 anos.
Não há
nada para comemorar a propósito do 5 de outubro de 1910.
imagem: "O Peso da História" de Pedro Valdez Cardoso
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