sábado, 28 de janeiro de 2017

PADARIA PORTUGUESA

Minha avó era padeira,
Vendia o pão a vintém,
Agora vende uma asneira,
Nem pão, nem dinheiro tem.
                                        (popular)
Por via da necessidade aumentada que lhe bateu à porta, uma mulher acende todas as semanas o velho forno que tem na aldeia e coze pão, bolos e pão com chouriço, e é ver-nos a fazer bicha (não sou brasileiro) para lhe comprar o pão e os bolos. É que o dito cujo, cinco dias depois continua tão fresco como no dia em que o compro, por artes que só a padeira conhece.
A padeira foge aos impostos e nem sabe qual o lucro que tem, desde que dê para os medicamentos, e vende tudo a um euro, que facilita os trocos. É por isso que esta coisa de chamar portuguesa a uma loja amaricada em elegâncias, e a aparecer na televisão, para vender um alimento que se faz a murro, me passa completamente ao lado.
A tal padeira nem Facebook tem…, mas uma autêntica padaria portuguesa!

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O QUE FAZ UM MAU PRESIDENTE?

A eleição de Donald Trump já teve como consequência o alastramento da idiotice de forma semelhante ao vírus da gripe. O facto de o homem poder vir a revelar-se um dos piores presidentes que a América teve, senão o pior, não torna Obama o melhor, como por aí já se vai lendo e escrevendo (não nos esqueçamos nunca que foi a abstenção da “esquerda” que pôs Trump na Casa Branca). E depois vem o clamor contra o nepotismo, a relação com as mulheres, o mau gosto, a falta de dons de oratória…, etc. Como se Kennedy (esse sim, um dos melhores presidentes, diversas vezes posto à prova) não tivesse sido o campeão do nepotismo, das dúvidas sobre as origens da fortuna familiar e dos escândalos sexuais.
Falar das coisas acessórias só serve para desviar a atenção das essenciais. A má educação de Trump, a falta de cavalheirismo para com a mulher (que sabia muito bem com quem casava), as amantes ou supostas amantes, o mau gosto, a fortuna duvidosa, são acessórios que não o fazem, necessariamente, um mau presidente, como o oposto não fizeram um bom, apesar do que se diz. Há coisas demasiado importantes e perigosas na forma de fazer política de Trump que deviam merecer a nossa melhor atenção. O resto é matéria para desviar atenções, não se vá dar o caso de se descobrir que Trump partilha algumas ideias da esquerda bem-pensante (anti-NATO, anti-Europa, nacional é que é bom…). Menosprezar Trump e trata-lo como mentecapto será a pior das atitudes para quem o quer combater, beneficiando-o aos olhos dos americanos que não leem a imprensa europeia e nova iorquina, e que são a maioria.
Uma das ideias de Trump que lhe tem valido maiores ataques é a do muro na fronteira entre os EUA e o México. Enche-se a boca com comparações com outros muros, nomeadamente o de Berlim, como se os muros de uma fortaleza se comparassem aos de uma prisão! O muro na fronteira com o México é uma ideia que começou com Clinton, concretizada em parte por Bush. Um terço daquela fronteira está já murado com a aprovação de Obama e Clinton. Só o excessivo custo do mesmo, para que se torne eficaz, tem impedido a sua concretização. Foi o dinheiro que impediu a sua construção e não as boas intenções dos “bons” presidentes que nunca deixaram de o querer construir. Por isso Trump enche a boca com a boutade de que serão os mexicanos a pagá-lo, valendo-lhe o ódio dos críticos que ainda não tiveram olhos para ver o que já se construiu, enquanto se esquecem que em Melilla mantemos um forte muro para proteger a Europa de imigrantes indesejáveis.
Não me parece que a solução para o problema migratório do México para os EUA passe pela construção de um bom ou mau muro, mas este será certamente muito mais barato e mais fácil do que as políticas necessárias para a resolução do problema, desde logo libertar o México do absoluto controlo dos barões da droga, e nisso têm os EUA o principal papel (leia-se o que Bolaño escreveu sobre o assunto). Se Trump conseguisse (e quisesse) resolver esse problema tornar-se-ia certamente num dos melhores presidentes dos EUA, apesar do mau gosto, dos escândalos e da “grunhice”.

Trump será um mau presidente por causa do ambiente, do Médio Oriente, do voluntarismo irracional, do proteccionismo, da falta de apoio aos mais necessitados, da desregulação das empresas, da tortura, das listas e da corrida ao armamento. A construção de um muro é o menor dos problemas e pouco afectará a vida dos mexicanos e dos americanos, para além do desbaratamento do erário público, enquanto que o proteccionismo, que deixará os sindicatos americanos contentes e muita gente deste lado do mar a concordar com a cabeça, será terrível para os países periféricos como o México e que dependem do mercado americano.
imagem daqui:
https://goo.gl/images/GF362S


quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

ENCANTADOR DE SERPENTES


Passos Coelho tem razão quando diz que não tem de ser muleta do governo: Costa propôs-se a governar desprezando o apoio do PSD e negando-lhe o apoio para que governasse, aliando-se com partidos que têm da economia e da Europa ideias que se distanciam das do PS como Fátima de Meca. É justo que peregrine agora sozinho, escolhendo o santuário que mais lhe convém. (A referência a Fátima nada tem a ver com o facto de a Câmara de Ourém poder agora fazer obras de milhões de euros por ajuste directo só porque o Papa Francisco se lembrou de a visitar em ano de eleições, quando todos sabem que é preciso preparar a rotunda dos pastorinhos para resistir às invectivas do padre Mário da Lixa e do músico Pedro Barroso).
 Passos Coelho é incoerente porque recusa agora uma medida que antes adoptou. Incoerência, aliás, igualzinha à de Costa que agora propõe uma medida que, em concertação com a esquerda, disse que não tomaria, fiando-se que podia ter parceiro com quem recusara concertação. Não fosse a falta de jeito de um e o atrevimento de outro e diríamos que foram separados à nascença.
A diferença entre um e outro está na comunicação e na apresentação, ou não vivêssemos nós numa sociedade do espetáculo, onde o primeiro-ministro assume por inteiro a presença cénica de um corifeu, por isso Coelho lhe chamou “encantador de serpentes”, sem nenhuma alusão irónica às suas origens ou aos turbantes. Mas tal como no teatro o actor mais experimentado engole os outros, Passos arrisca-se a ser servido à la sauce moutarde: querendo fugir do charme do encantador, deixa-se engolir pela serpente, descobrindo, tarde demais, que serpente e encantador são um só. 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

O QUE DEVO A MÁRIO SOARES?

Preserva-te da linguagem enganosa, afasta de ti a maledicência. (provérbios 4, 24)
Conheço bem os retornados porque sou um deles. E, como eles, vivi durante o tempo que estudei em quartos de pensões pagos pelo IARN. Porque era muito jovem ao tempo da descolonização, tinha um mundo a conquistar e nada a perder (nunca esperei heranças), ao contrário dos que, mais velhos, se viram forçados a deixar os frutos de uma vida de trabalho. Ficou para sempre a mágoa dessa gente espoliada de tudo. Mas o que doeu mais, o que ainda dói, não foi a perda mas o ganho do título de colonialistas, racistas, exploradores dos pretos, por quem morriam os jovens da pátria. Isso dói. E dói mais porque é falso. E no topo dos que nos acusam e acusaram, os retornados colocaram Mário Soares, só porque este quis fazer a descolonização a toda a velocidade e, como diz o povo, “cadelas apressadas parem cães cegos”.
Mas é injusto que se culpe Mário Soares dos erros da descolonização e que foram pagos, convém lembrar, não só pelos retornados mas sobretudo pelas populações das ex-colónias que viveram terríveis guerras civis em consequência da péssima descolonização. Se tivéssemos exército que garantisse outra opção, então a pressa de Mário Soares teria sido criminosa, como criminosos foram Salazar e Caetano que não quiseram negociar quando tínhamos força para o fazer. O exército retirou-se para os quartéis e para os gabinetes da política. Aquilo que podia ser uma má opção transformou-se na única saída, e os retornados são por isso injustos com Mário Soares.
(Sobre tubarões e bandeiras pisadas, rasgadas ou queimadas, não me pronuncio porque é assunto, ou da ciência biológica marinha ou da psiquiatria. Quanto a dentes de elefantes capazes de derrubar um frágil Cesna, lembro aos incautos e amantes de teorias da conspiração que naquele avião que descolou da Jamba viajavam representantes do PS, do PSD e do CDS. Desconheço se haveria dentes para todos).
Então o que é que eu devo a Mário Soares? O 25 de Abril não, que Soares não foi tido nem achado. Devo-lhe somente a coragem de ter pegado o bicho pelos cornos, transformado um golpe numa revolução que restaurou a ordem constitucional de uma república democrática, pluripartidária e com liberdade de expressão e opinião, coisas que corriam o risco de se perderem em derivas totalitárias. Qualquer homem livre, de qualquer partido, deve isso a Soares, principalmente os da área da Direita democrática que não deviam esquecer o papel impulsionador que Soares teve para a formação em Portugal de uma moderna Democracia Cristã que, com a Social Democracia, é a cofundadora do projeto europeu e do Estado Social. A ele se deve a nossa entrada na Europa, que é o sítio onde eu quero e sempre quis viver. Tudo isso, e não é pouco, lhe devo.
Soares estava longe de ser um santo. Era delegante, desbocado, malcriado, mimado, com tiques de sibarita (como eu), péssimo em finanças, mau governante, mas era alegre, franco, optimista e leal. Discordei muitas vezes dele, e outras tantas me irritei com a sua truculência, mas no fim estava quase sempre certo e eu não. Se lhe reconheço os pecados, reconheço-lhe também as virtudes. Se pouca gente esteve nas ruas a prestar-lhe homenagem nos seus funerais é sinal que o Povo tem as conquistas que ele ajudou a alcançar como garantidas. Mera ilusão. Por isso as honras de funerais de estado, para além de merecidas, são necessárias, a nós que estamos vivos, não aos mortos.