sexta-feira, 13 de maio de 2016

PRIVADAS VAIDADES PÚBLICAS


Fiz todo o meu percurso académico pré-universitário durante o período da ditadura do Estado Novo. Fi-lo, graças a Deus que me fez pobre, em escolas públicas, de longe com instalações e equipamentos superiores à de qualquer colégio privado existente na cidade onde vivia e onde, apesar da ditadura, se respirava (nessas escolas públicas) um ambiente muito mais livre do que em colégios privados. Naquele tempo ninguém contestava o valor da qualidade do ensino público, como hoje ninguém contesta a qualidade do ensino público universitário em confronto com as privadas, com honrosa excepção para a católica. A opção de escolha para o privado tinha a ver com status, evitar misturas com a populaça e, no caso de internato, corrigir os filhos corrécios ou resolver questões que se prendiam com a emigração ou com a falta de escola junto ao local da residência. Os colégios de freiras garantiam a necessidade de virtude das meninas antes do casamento, razão maior para os pais do que a suposta qualidade do ensino. Os pobres da província, na falta de liceu público, mandavam os filhos para o seminário, que dava um ensino de qualidade grátis, na esperança de obter pastores, o que nem sempre se concretizava.
Nunca se punha a questão da qualidade do ensino público, incontestada pela certeza de que Salazar zelava pela coisa pública, e demonstrada pela qualidade dos professores e alunos do público: Aquilino Ribeiro, Vergílio Ferreira, Mário de Sá Carneiro, Edgar Cardoso. Alguns minando dentro de portas o próprio regime, contrariando a tese de que o ensino público garante a ideologia de quem detém o poder. Um burguês rico que se preocupasse com a qualidade do ensino e que vivesse às portas do Liceu Camões, inaugurado por um perigoso socialista de nome Manuel II de Bragança, jamais pensaria em colégios privados para os filhos.
Toda esta discussão em redor de escolas privadas, que nasceram como cogumelos num período em que as estatísticas demonstravam à saciedade que no futuro (que agora chegou), as escolas públicas existentes chegariam e sobrariam, está inquinada. Tão inquinada como a pretensa superioridade do seu ensino face às públicas, principalmente se pensarmos nos colégios que nasceram unicamente para receber os alunos do público e onde não foi preciso esforço algum de qualidade para captar o mercado que o Estado garantia. Não falo, como é evidente, dos colégios que existiam antes desta ideia peregrina de pôr os privados a construir escolas a 600 metros de uma pública, a 1300 metros de uma segunda e a 1600 metros de uma terceira.
Se tenho muitas dúvidas sobre este assunto, tenho porém uma só certeza para além de que nada mudou desde o século XIX: ninguém está preocupado com a qualidade do ensino. Nem antigamente, nem agora.

Imagem: Santa Ana ensinando a Virgem Maria – igreja na cidade alta de Bergamo

3 comentários:

  1. Para quem tem dificuldades de leitura, a imagem de Santa Ana ensinando a Virgem Maria, simboliza o único ensino privado que eu apoio, havendo oferta do público: o dos pais ensinarem os filhos.

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  2. O nascimento das escolas privadas faz-me lembrar o nascimento das clínicas privadas. O intuito é o mesmo, o interesse e lucro de alguém. Se espiolharmos bem quem são os donos chegamos facilmente à conclusão do que lhes interessa.
    Nada contra o ensino privado, totalmente contra sermos nós a patrociná-lo.
    Em lugares onde não há escolas, o estado que arranje transportes que sai mais barato que colégios.
    Bom fim de semana.

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    1. A construção do Colégio Dona Leonor tão perto da Raul Proença, com o patrocínio do Estado, foi um escândalo. Agora se os colégios dão determinadas valências que o Estado não dá, como por exemplo as escolas de música, acho que deve contribuir em prol do ensino das artes. O resto não.

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