terça-feira, 24 de maio de 2016

YES WE CAN

O Sr. Obama, para quem não sabe é aquele senhor simpático que nove meses depois de assumir a presidência dos EUA ganhou o prémio Nobel da Paz, por causa da harmonia dos povos, coisa e tal, foi de visita ao Japão para a conferência do G7, que é uma festa onde só entram pessoas “bem”. Ciente do peso das responsabilidades pacifistas que lhe puseram sobre os ombros, visita Hiroshima para, de acordo com a nota da Casa Branca, "…reflectir sobre o extraordinário custo humano da guerra e a perda de vidas inocentes na II Guerra Mundial – a perda de vidas inocentes em Hiroxima e Nagasáqui, mas também em muitos países do mundo" (sublinhado meu). Assim como quem diz: all right’s (que é prontos em inglês) pá, desculpem lá essa coisa das bombas mas os outros também fizeram coisas más, não fomos só nós!
De caminho, porque é uma pessoa poupada e pacifista, repito, aterra no Vietname para, à maneira dos índios do seu país, fumar o cachimbo da paz com o mandante lá do sítio, e rasgar à frente do dito a declaração que proíbe os EUA de venderem armas ao Vietname, o que fará os americanos enriquecerem, coitados, e os vietnamitas endividarem-se, sortudos, enquanto a Paz se passeia pela Ásia (como toda a gente sabe as armas estão para a Paz, como os arados para a agricultura). A coisa é tão engraçada que houve um cartoonista que pôs no South China Morning Post (o Correio da Manhã daquelas bandas mas em inglês, em grande e em melhor), um urso panda chinês a perguntar se vão ensinar os vietnamitas a surfar, (talvez não saibam mas o Sr. Obama é do Hawaii, a pátria do Surf), tendo em conta as disputas no mar da China com o arquipélago de Spratly, uma vez que os americanos com o fim do embargo, em vez de armas irão vender pranchas de surf como toda a gente sabe, que o seu presidente é um pacifista.
Para quem também não sabe (tenho de explicar tudo, tá visto!) o arquipélago de Spratly é riquíssimo e valiosíssimo estrategicamente, e por isso reclamado por Filipinos, Chineses, Vietnamitas, Japoneses,…, porque não pertence a ninguém. Isto é, julgam eles porque não lêem os tratados. Toda a gente sabe (os que lêem) que pelo tratado de Tordesilhas, abençoado pelo Papa Júlio II, aquilo nos pertence. É altura do presidente Marcelo arranjar um tempo antes do 10 de junho e das marchas de santo António na avenida, para dar um pulo a Roma e avisar o Papa Francisco, e depois ir até Macau (o Marcelo não foi convidado para a tal festa do G7) para, em bicos de pés, gritar bem alto que temos um primeiro-ministro com origens asiáticas e que as Spratly são de Portugal, e recomendar ao Sr. Obama que ponha o ukulele (cavaquinho em havaiano) no saco. Talvez o oiçam!



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quarta-feira, 18 de maio de 2016

AEROPORTO JOÃO TORTO



Dizia Eça de Queiroz que “A antropologia psicológica não aceita como grandes homens senão os criadores da arte, da ciência ou da filosofia”, no entanto, em Portugal, há uma tendência de engrandecer os políticos que está na proporção inversa da importância que se dá aos homens das ciências ou das artes, e a filosofia é coisa para tontinhos. Esta tendência fez-se notar de novo no rebatizamento do aeroporto de Lisboa, tendo o país perdido a oportunidade de homenagear a quem Portugal tanto deve no campo da ciência aeronáutica e cujos nomes se enchem de pó nas gavetas fechadas da memória colectiva deste Povo. Razão tinham os romanos quando situaram o rio Letes, o rio do esquecimento, no território nacional.
Humberto Delgado merece todas as homenagens devidas pela coragem de ter mudado de opinião e de ter confrontado o regime presidido por Salazar. A coragem dos homens é sempre um bom motivo para homenagear e quero crer que a vontade de rebatizar o aeroporto de Lisboa com o seu nome se deveu a esse gesto corajoso. A sua carreira ligada à aviação, no entanto, foi mais dedicada à gestão aeronáutica que à ciência da mesma, e foi feita quando ainda se entusiasmava com o Homem Novo de um Estado Novo. Perceber-se-ia o gesto se na História do país não houvessem tantos pioneiros da aviação que também mereciam essa distinção e, sobretudo, ser lembrados pela Pátria, como Bartolomeu de Gusmão, Abreu de Oliveira, Cipriano Pereira Jardim (o esquecido inventor do balão dirigível), Alberto Sanches de Castro, Jorge de Sousa Gorgulho, Gago Coutinho, Sacadura Cabral, e muitos outros. Não foi por falta de nomes da aviação portuguesa que se atribuiu o nome de um político ao aeroporto. Não faltam praças, avenidas, escolas, edifícios que possam servir para homenagear e lembrar o político que queria demitir Salazar, mas aeroportos há poucos e esses deviam servir para lembrar os pioneiros da aviação, porque os homens da técnica, da ciência e da arte também merecem ser lembrados. Por incrível que pareça o único aeroporto que tem o nome de Bartolomeu de Gusmão situa-se no Rio de Janeiro e encontra-se desactivado.
Fosse eu quem mandasse e o aeroporto de Lisboa receberia o nome de João Torto, um humilde enfermeiro e mestre escola de Viseu que, poucos anos após Leonardo da Vinci ter desenhado as suas máquinas voadoras, engendrou uma geringonça e subiu com ela à torre da Sé de Viseu na esperança de alcançar o céu, lançando-se dali em pleno vôo, cheio de coragem e atitude. O telhado da capela de S. Luís, onde o malogrado enfermeiro aterrou, foi assim a primeira pista de aterragem de Portugal. Era o seu nome que merecia ser imortalizado no aeroporto da capital.
Dizem-me que tal não podia ser porque afinal o João Torto não alcançou os objectivos a que se propôs…, pois, mas tal como Humberto Delgado também ele teve a coragem de tentar!

sexta-feira, 13 de maio de 2016

PRIVADAS VAIDADES PÚBLICAS


Fiz todo o meu percurso académico pré-universitário durante o período da ditadura do Estado Novo. Fi-lo, graças a Deus que me fez pobre, em escolas públicas, de longe com instalações e equipamentos superiores à de qualquer colégio privado existente na cidade onde vivia e onde, apesar da ditadura, se respirava (nessas escolas públicas) um ambiente muito mais livre do que em colégios privados. Naquele tempo ninguém contestava o valor da qualidade do ensino público, como hoje ninguém contesta a qualidade do ensino público universitário em confronto com as privadas, com honrosa excepção para a católica. A opção de escolha para o privado tinha a ver com status, evitar misturas com a populaça e, no caso de internato, corrigir os filhos corrécios ou resolver questões que se prendiam com a emigração ou com a falta de escola junto ao local da residência. Os colégios de freiras garantiam a necessidade de virtude das meninas antes do casamento, razão maior para os pais do que a suposta qualidade do ensino. Os pobres da província, na falta de liceu público, mandavam os filhos para o seminário, que dava um ensino de qualidade grátis, na esperança de obter pastores, o que nem sempre se concretizava.
Nunca se punha a questão da qualidade do ensino público, incontestada pela certeza de que Salazar zelava pela coisa pública, e demonstrada pela qualidade dos professores e alunos do público: Aquilino Ribeiro, Vergílio Ferreira, Mário de Sá Carneiro, Edgar Cardoso. Alguns minando dentro de portas o próprio regime, contrariando a tese de que o ensino público garante a ideologia de quem detém o poder. Um burguês rico que se preocupasse com a qualidade do ensino e que vivesse às portas do Liceu Camões, inaugurado por um perigoso socialista de nome Manuel II de Bragança, jamais pensaria em colégios privados para os filhos.
Toda esta discussão em redor de escolas privadas, que nasceram como cogumelos num período em que as estatísticas demonstravam à saciedade que no futuro (que agora chegou), as escolas públicas existentes chegariam e sobrariam, está inquinada. Tão inquinada como a pretensa superioridade do seu ensino face às públicas, principalmente se pensarmos nos colégios que nasceram unicamente para receber os alunos do público e onde não foi preciso esforço algum de qualidade para captar o mercado que o Estado garantia. Não falo, como é evidente, dos colégios que existiam antes desta ideia peregrina de pôr os privados a construir escolas a 600 metros de uma pública, a 1300 metros de uma segunda e a 1600 metros de uma terceira.
Se tenho muitas dúvidas sobre este assunto, tenho porém uma só certeza para além de que nada mudou desde o século XIX: ninguém está preocupado com a qualidade do ensino. Nem antigamente, nem agora.

Imagem: Santa Ana ensinando a Virgem Maria – igreja na cidade alta de Bergamo

quinta-feira, 5 de maio de 2016

CIENTISTAS OU GALINHAS DEPENADAS?


Dizem que foi resolvido o enigma de quem apareceu primeiro, se o ovo ou a galinha. Foi o momento de glória de quem, pondo-se em bicos de pés, se intitula cientista e, ao que parece, após um gráfico, arrumou para o canto da sala, de uma assentada, Aristóteles e Platão.  Ficámos sem saber se usou uma folha de excell se um powerpoint, mas sabemos que o fez com um certo enfado  porque acabou a afirmar: “Agora podemos voltar às nossas vidas”.
Qualquer garoto perceberá de imediato a falácia do cálculo do tal professor de biologia evolutiva de Manchester, que pelos vistos faz qualquer coisa para se tornar conhecido nas redes sociais. Se um dia conseguirá provar a evolução, não faço ideia, mas a involução ficou provada, porque o homem não passa afinal de uma galinha depenada, no dizer do meu velho amigo Diógenes.
Agora podemos voltar às nossas vidas, diz o cientista. Nós talvez, bem como Aristóteles e Platão que continuam bem vivos ao contrário de tão preclaro cientista. Resolvendo o problema do ovo e da galinha para poder continuar com a sua vidinha, desistiu de pensar, logo ficou morto, como tão bem explica Clarice Lispector:
“… O ovo é branco mesmo. Mas não pode ser chamado de branco. Não porque isso faça mal a ele, mas as pessoas que chamam ovo de branco, essas pessoas morrem para a vida.”
Tenha atenção à Clarice, caro cientista. A sua descoberta é a prova do seu erro: “… Olho o ovo na cozinha com atenção superficial para não quebrá-lo. Tomo o maior cuidado de não entendê-lo. Sendo impossível entendê-lo, sei que se eu o entender é porque estou errando. Entender é a prova do erro.”
Também pode dar-se o caso de que tenha sido fome. Fome de notoriedade! “… Quem se aprofunda num ovo, quem vê mais do que a superfície do ovo, está querendo outra coisa: está com fome.” Diz a Clarice que percebe muito mais de ovos que qualquer cientista de biologia evolutiva de Manchester.
Caro leitor, faça um favor a si mesmo. Deixe o cientista sossegado (não convém mexer com os mortos) e leia o magnífico conto de Clarice Lispector: “O OVO E A GALINHA”.


Imagem: “Esperando o Sucesso”, óleo de Henrique Pousão, 
Museu Nacional Soares dos Reis