quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A PORNOGRAFIA DA SOLIDARIEDADE

Por pudor não tenho trazido para aqui o drama dos refugiados que acorrem à Europa. Também por pudor sinto sempre alguma vergonha quando dou uma esmola. Independentemente dos meus pruridos aquela esmola é bem vinda por quem a pede, mas a esmola é sempre pouca e eu podia fazer mais e melhor daí o meu desconforto.
Tenho a certeza que a maioria de nós não se moverá do sofá para ir em socorro dos refugiados. Mas também tenho a certeza de que a maioria de nós, passeando de barco, deitaria a mão a quem quer que fosse que se estivesse a afogar. Não haveria nesse gesto nada de heróico ou louvável. Seria simplesmente um acto que nos distinguiria como humanos. O contrário seria uma monstruosidade, punível até pela Lei de qualquer estado de direito. No nosso código penal é punível com pena de prisão até um ano.
Pessoas bem situadas na vida, passeando de barco pelo Mediterrâneo, salvaram uma vítima de afogamento com quem se cruzaram no passeio. Um refugiado caído à água. Tiraram uma foto abraçados à vítima e colocaram em tudo o que é rede social. Depois receberam louvores de heroicidade e de solidariedade por um gesto que, repito, é obrigatório num estado de Direito. Pareceu-me uma obscenidade quase pornográfica. Quando a desgraça dos outros serve para o nosso aconchego do dever cumprido, devidamente publicitada, algo falhou nos nossos valores. Senti vergonha por aquela foto.

Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita.

Mateus 6,3

2 comentários:

  1. Ai... este assunto é de cortar o coração a qualquer um.
    Quanto a este tipo de solidariedade não digo o que penso ou ainda sou censurada.

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    1. Compreendo perfeitamente o que quer dizer. Aquela foto "aconchegante" tirou-me do sério.

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