quarta-feira, 28 de maio de 2014

MASTER CHEF

 
A proliferação de programas de culinária feitos por gente jovem, que rompe cânones, muito tem feito para o prestígio de um valor cultural que se foi perdendo na voragem do mundo moderno. O acto cultural de saber cozinhar perdeu-se e há crianças no mundo ocidental que não sabem o que é um assado e à pergunta sobre o prato preferido, a pizza hut ganha à avó, que o mais das vezes é ela também uma fervorosa adepta do fastfood.
O gosto de cozinhar vai chegando lentamente às camadas mais jovens e isso deve-se, sem dúvida, a esses programas. Mas como não há fome que não dê em fartura as estações de televisão transformaram o acto de cozinhar num reality show e num concurso. Os preceitos da nouvelle cuisine chegam a atingir o paroxismo mas é a velocidade com que tem de se cozinhar que me tira do sério. Como se não estivéssemos a falar de uma arte que deve ser feita com amor, e que convém não apressar. É que um valor cultural, património dos povos, não é o mesmo que uma corrida de 100 metros.
Se a pressa conduz ao crudivorismo, espero sinceramente que a ênfase posta na apresentação dos pratos não nos leve à situação que ocorreu naquele célebre palacete, ao nº 202 da avenida dos Campos Elísios, onde habitava Jacinto que trocou Paris pelo Douro, o que não admira!
Mas quando o arroz-doce apareceu triunfalmente, que vexame! Era um prato monumental, de grande arte! O arroz, maciço, moldado em forma de pirâmide do Egito, emergia duma calda de cereja, e desaparecia sob os frutos secos que o revestiam até ao cimo onde se equilibrava uma coroa de Conde feita de chocolate e gomos de tangerina gelada! E as iniciais, a data, tão lindas e graves na canela ingênua, vinham traçadas nas bordas da travessa com violetas pralinadas! Repelimos, num mudo horror, o prato acanalhado.
 
Excerto de “A Cidade e as Serras” de Eça de Queiroz



8 comentários:

  1. O Eça tinha toda a razão, e tu tambem uma pessoa só de os ver a correr fica sem vontade de ir para a cozinha

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    1. Olha uma chanfana, que para ficar no ponto deve cozinhar lentamente uma noite inteira...

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  2. Deve ser mais ou menos assim em qualquer cozinha de um restaurante da moda.

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    1. Deve de facto. Mas a arte e a cultura, subjacente ao acto de cozinhar, não pode virar concurso de rapidez. Quanto muito um equilíbrio entre não perder tempo, boa apresentação e sabor. Mas o meu problema é a proliferação, como cogumelos, ou como a minha sementeira de couve galega. Será que precisam de pézinhos de couve galega?

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  3. Aprendi com quem tenho a meu lado, que por seu turno aprendeu com a mãe, que cozinhar é um ato de amor e deve ser feito com intenção... E que nem tão-pouco devemos cozinhar para descarregar stress... Não é como ir às compras, e mesmo nessas tendemos ou a não gostar de nada ou a ir além das possibilidades; tal como acontece também com a comida... Tudo na vida é melhor fazer-se com intenção, desde que no sentido positivo do termo. Feliz Dia da Espiga! :)

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    1. De facto, Bruno. É um enorme prazer cozinhar para alimento de quem se ama. Feliz dia da espiga, que simboliza aquilo que morre para se transformar em alimento.

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  4. Bem,... e eu que apenas sei fritar um ovo... mesmo que fosse para aprender, infelizmente não tenho tempo para a tv..., mas sim, preferia os pratos da minha avó, até porque ela cozinhava o jantar sem acender a luz da cozinha (em 1971), vá-se lá saber se era por ela não ter luz em sua casa ou se seria para poupar alguns escudos...

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  5. Ó Jorge, já tens o ovo frito. Agora coze uns espinafres, salteia-los num refogado de cebola e alho e pronto. Já tens uma refeição. Vês, nem precisas ver TV.

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