sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O CINCO DE OUTUBRO MORREU?


           Por esta altura do ano a televisão brinda-nos com serviço público e explica-nos o que foi o 5 de Outubro, o de 1910 está bem de ver. Ontem não foi excepção. De um dos lados tivemos Mário Soares (vai assim sem título porque é republicano) que, esquecendo-se das bombas, dos tiros, das prisões arbitrárias, dos fuzilamentos, etc (e não queiram experimentar na pele um etc destes), foi dizendo que a 1ª república foi um mar de rosas, e a guerra de 14 é que estragou tudo. Depois ouvimos outro eminente republicano, Almeida Santos, dizer com um ligeiro gaguejar, que o rei D. Carlos só pensava em caça e era mulherengo e, por isso, muito pouco digno da função. Quando Almeida Santos foi a 2ª figura do estado cantou fados de Coimbra para o presidente chinês. Apeteceu-me dizer-lhe ontem que antes caçador e mulherengo que “entertainer” de ditadores. Depois, para não ser imparcial como cabe a uma televisão pública, falou o presuntivo herdeiro da coroa portuguesa para, no meio de banalidades, se referir à prisão dos pastorinhos de Fátima, coitadinhos. Também falou um fadista e amador de toiros metido em guerras dinásticas, armado em Macbeth ribatejano, que disse umas coisas que ninguém percebeu muito bem, sufragistas e coisas assim. Ao ouvir todo este disparate não pude deixar de me congratular pelo facto de que para o ano, com sorte, não tenhamos de ouvir do mesmo. Resta contudo a memória sentida dos heróis da rotunda que morreram pela república e de Paiva Couceiro que se bateu pelo seu rei. Nenhum dos que ontem falou honrou a memória desta gente.

            Mas vamos à data que eu digo que morreu. Não porque deixará de ser feriado, mas porque deixou, hoje, de fazer sentido, por culpa dos seus representantes que se esconderam da república que é o povo.

Quando D. Carlos desembarcou na Praça do Comércio naquele fatídico dia da sua morte, avisaram-no para se deslocar em carro fechado. Não quis. Iria em carro aberto pelo meio do povo. Mais de dois anos depois, o filho, um jovem de 20 anos, viu as paredes de sua casa serem bombardeadas pela marinha. Disse que ficava, mesmo que fosse a morte que o vinha buscar. É que os reis só têm aquele trabalho: o de serem reis. E se não podem estar no meio do povo exercendo o cargo, então mais vale que morram.

            Os representantes da república, ao contrário dos reis, estão nos negócios do estado como biscate ou como trampolim, por isso compreende-se que este ano o pátio dos bichos não fosse aberto ao público no palácio de Belém e as comemorações da república fossem celebradas, envergonhadamente, dentro de uma antiga garagem e não na praça que viu nascer a república. Eles, os representantes, sabem que já não podem estar no meio do povo e, ao contrário dos reis, não estão dispostos a sofrer as consequências.

            A monarquia caiu com a morte do rei ali pertinho do lugar onde hoje se comemorou com receio do povo. Será que aquele local marca também o fim da república?

12 comentários:

  1. Meu amigo ainda bem que tu escreves senão realmente lá se ia o 5 de Outubro por água abaixo obrigada por o saberes fazer

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    1. Obrigado. Temo que já tenha ido, por água abaixo ou levado por algum ciclone.

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  2. Bernardo de Sousa Coutinho6 de outubro de 2012 às 15:46

    Não temo e deveria ir mesmo por água abaixo porque não são dignos de comandarem uma nação... Se sentissem na pele a sua construção nada disto teria acontecido...
    Parecem os filhos mimados que sempre tiveram tudo sem terem que lutar por nada...
    Isto vem da falta de educação caracter e ética das pessoas que nos governam desde 1974 e que não se fala nisto mas não existe uma monarquia mas existe uma mafia que é pior. Quem comanda são sempre os seus descendentes e que crescem dentro da mafia...
    E peço para não comentarem como anónimos... escondem-se de quê????

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    1. Bernardo
      Obrigado pelo seu comentário. Quanto ao anonimato, quem o usa não sendo ofensivo, garante liberdade face a outros e face ao próprio comentado. Pelo menos não se sentirá coagido. Não é concerteza por receio

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  3. Uma bandeira ao contrário significa que o local em causa foi tomado pelo inimigo, o que neste caso não deixa de ser a verdade. Parabéns pelo excelente texto!

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    1. Obrigado pelo elogio. Há muito que o local está tomado pelo inimigo, de facto.

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  4. Alguém me pode explicar o que fez o Rei Dom Carlos pelo país? Monarquia, por monarquia, antes o da Rainha Vitória. Esse é o meu modelo de monarquia do século XIX. Do mesmo modo, no século XXI, antes uma república como a Alemanha, do que uma monarquia como a Espanha. Ainda não perceberam que o problema não é o regime, mas o governo. Antes um presidente forte do que um fraco rei. Deixem lá o Dom Carlos em paz, de vez. Já ninguém o chora, com excepção de alguns castiços em cerimónias esotéricas e romarias da saudade. Já na altura em que o mataram, a indiferença foi geral, para além de alguns fiéis da corte. É a pior coisa que se pode dizer de um rei: o povo ficou impávido quando o mataram. Era um tipo simpático que passava meio ano de férias e tinha jeito para pintar e para atirar aos pombos. O século XIX ou foi a guerra civil sangrenta dos bandoleiros (e querem vocês falar da primeira república..), ora foi o rotativismo dos oportunistas (e querem vocês falar das fortunas feitas na politica). Pelo meio, uns reis literatos ou pacholas ou com jeito par as espanholas e francesas. Antes ter nascido na Inglaterra, na Holanda ou em França. Já ninguém comemora o 5 de Outubro, porque já ninguém pensa no regime. Está assente. O que queremos é um governo competente O resto, é folclore. Tiveram o vosso momento de excitação com a bandeira ao contrario, mas a vida continua.

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    1. Caro Pedro,
      D. Carlos fez mais por Portugal do que a rainha Vitória por Inglaterra. Não sou historiador mas julgo que D. Carlos tinha mais poder efectivo que a rainha Vitória, e por não ser pachola e querer pôr ordem na desordem dos partidos, foi morto. Quanto à defesa dos regimes, temo bem que o problema é de natureza salarial.
      Mas concordo consigo. O problema não é de regime. É de coluna vertebral.
      Quanto ao folclore, como diz, festas de garagem, só as que fazia na adolescência.

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  5. João, parafraseando o outro, a noticia da morte da República foi um bocado exagerada. Como sabe, está para ficar e não ocorre a ninguém seriamente cá fazer um referendo sobre o assunto, como a ninguém ocorre fazer em França um referendo para levar ao trono os muito dignos e pios senhores de bourbon ou orleans. Já para lá estão todos pacificados com o corte do pescoço do Luis XVI, fora umas missas esporádicas, como é da praxe. Quanto à suposta coragem dos reis versus os presidentes da república, depende. A maior parte dos reis praticamente não saia dos seus aposentos a não ser para ir para a residência de verão e tivemos presidentes que corriam o pais todo sem medo nenhum do contacto com o povo.
    Sobre o que disse o Almeida Santos, em acho que o Don Carlos fazia o pleno, porque também ele entreteve facinoras estrangeiros no seu palácio. Portanto, nesse aspecto, também não daria lições. Não o tenho como um bom rei. Não vale pena reescrever a história, porque ele de facto pouco contacto tinha com o seu povo miserável, para além das tão celebradas sardinhadas com os pescadores de Cascais e algumas cavalgadas com os campinos. O resto, quando ele tinha tempo para a governação, eram as intermináveis intrigas palacianas. Não terá havido maior máfia do que a desses tempos, com a velha nobreza a tentar manter os privilégios herdados sem nenhum esforço e os novos barões a subir. Incontestável e decisivo, volto a dizer, é que poucos o choraram. Talvez se ache que o povo não merecia o rei que tinha... Ponhamos as coisas em termos de princípios, porque sobre individualidades, muito haveria por dizer. Eu sou republicano, porque me agrada o princípio de que um filho ou neto de lavrador ou contabilista pode chegar a chefe de estado, seja por mérito, ou manha, e que dá o lugar a outro ao fim de certo número de anos, por eleições livres e universais (o que exclui também as ditaduras). Isso agrada-me mais do que ter como chefe de estado alguém que, mesmo idiota, nasce para tal. Indo além dos princípios, o que importa é coluna vertebral, como diz, e o bom governo, e isso é transversal a qualquer regime.

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    1. O bom governo e a democracia, tal como o mau governo e a ditadura, são de facto transversais a qualquer regime. Por isso sou republicano. E se um rei defender bem a coisa pública, então estamos em república. Se um presidente não defende a coisa pública, estaremos em quê? Mas isso é um tema que não quis trazer para este post. Se falei nos reis foi por contraste. É que em 5 de Outubro não sei se se implantou uma república. Uma democracia é que não foi.

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  6. João, o meu propósito foi somente o de contrariar a ideia de que os reis serviriam melhor a res publica e seriam feitos de outra cepa. Não me parece, como disse, e seria fastidioso dar exemplos. O anedótico dos recentes acontecimentos não devia servir para estabelecer princípios gerais sobre os méritos ou desméritos de um ou outro regime, servindo para decretar o enterro da república. Ou teríamos a monarquia enterrada de vez só com um simples episódio pícaro de um monarca ou o comportamento vergonhoso de muitos dos poltrões titulados que serviram os reis.
    Mau governo por mau governo, prefiro a republica. Exatamente por causa dos princípios, que nem só de pão vive o homem.
    Quanto à 1ª República ora é endeusada, ora é diabolizada. Há quem apresente esse período como um culminar idílico do princípio da harmonia universal, e como o apresente como o mais negro da nossa história, com ruas empapadas de sangue dos mártires chacinados pelo anticristo. Ambas as visões revelam muita estreiteza. A verdade andará pelo meio. Havia facínoras oportunistas e homens de boa vontade e que fizeram obra, na instrução pública, na saúde, etc. É preciso é haver alguma serenidade nisto tudo, sem ser preciso abdicarmos dos nossos princípios.

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  7. Mais uma publicação digna de um prémio.

    Sugiro a tão tradicional taça em louça em forma de couve. Verde... como sinal da esperança que todos temos (ou não) no futuro.

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